O motim policial militar que desatou-se no Ceará e em João Pessoa, na Paraíba, são reveladores da crise geral de decomposição do velho Estado. Crise política-institucional e que avança no sentido da crise militar, com quebra de hierarquia e da unidade de mando. Essa situação de fissura dentro das instituições policiais-militares ocorre em todo o país, de forma desigual, com perspectivas a aprofundar-se, tendo como elemento impulsionador a extrema-direita, que procura explorar tais contradições visando angariar influência.
Em pelo menos 12 estados da União há pressão das patentes subalternas das polícias militares e outras forças policiais pelo aumento do soldo. Em cinco destes estados já ocorreram atos em fevereiro. Além do Ceará e Paraíba, a situação avança no Espírito Santo, onde em 2017 um motim foi desatado reivindicando aumento no soldo e pôs em apuros todo o estado.
No ES, no início do mês, mais de 1,5 mil pessoas, dentre agentes e familiares, reuniram-se em Vitória pressionando por aumento no rendimento. O governo do reacionário Renato Casagrande/PSB já havia proposto um aumento de 35% no soldo, a ocorrer gradualmente ao longo de quatro anos, mas foi rejeitado pela instituição, apesar de a proposta ser generosa e estar acima do reajuste dado ao restante dos funcionários públicos estaduais.
O próprio secretário estadual de governo, Tyago Hoffmann, percebendo a politização ultrarreacionária da pauta, afirmou que as entidades representativas dos soldados não devem ser “usadas como massa de manobra”.
Na PB, os policiais militares reunirem-se às dezenas em atos por aumento do soldo. O próprio presidente da Associação de Defesa das Prerrogativas dos Delegados de Polícia afirmou que há políticos apoiando suas reivindicações, mas não citou nomes.
No Piauí, Pernambuco e Alagoas a movimentação de militares e policiais em geral está crescendo, obrigando os governos a incrementar seus ganhos. O governo estadual do PI aumentou em 50% o bônus para quem participa de operações especiais, reajuste acima da própria inflação. Em Sergipe, a Polícia Civil paralisou por 24h suas atividades no dia 19/02.
Entre os policiais militares há movimentações reivindicativas também em Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Rondônia.
Extrema-direita à frente
Especialmente no CE fica evidente a politização. Um dos líderes daquele movimento – que, é certo, tem raízes econômicas e mobiliza por isso os militares – é o vereador Sargento Ailton que, inclusive, estava aquartelado no 3º Batalhão da PM de Sobral, junto aos militares rebelados, quando o senador Cid Gomes foi alvejado por dois tiros. Sargento Ailton é um ativo elemento da extrema-direita bolsonarista.
Já o cabo Sabino, ex-deputado e bolsonarista convicto que comandou o motim ilegal de policiais em 2012 no CE, foi flagrado pagando mulheres, em dinheiro vivo, por terem participado do motim. Em vídeo, ele aparece cercado por um grupo de mulheres que espera ele pagar uma quantia em dinheiro dentro de seu carro, em frente à Assembleia Legislativa do Ceará.
Atuando com modus operandi paramilitar, os policiais amotinados do CE estão apropriando-se individualmente de viaturas e fazendo rondas, nas quais mandam os comércios fecharem – ato inconstitucional. Tal situação obrigou o fascista Jair Bolsonaro a enviar as Forças Armadas para a região sem, no entanto, fazer qualquer referência de reprovação ao movimento.
Segundo a Folha de S. Paulo, mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal percebem a politização de tais movimentos e demonstram preocupação pela crescente “orientação ideológica” no aparato militar auxiliar.
Tal processo de penetração da extrema-direita nos meios militares, incluindo as forças auxiliares, não é novo. Em julho de 2019 o guru bolsonarista Olavo de Carvalho já havia anunciado que ministraria aulas gratuitamente para policiais militares. Em 2017, antes mesmo de ganhar a eleição, Bolsonaro e seu assessor, Filipe Martins, já haviam apoiado ativamente o motim em ES.
Homens encapuzados ocuparam a unidade de elite da PM do Ceará. Foto: Banco de Dados AND