MS: 7 indígenas encontrados em situação servil em fazenda de latifundiário envolvido no Massacre de Caarapó

Sete indígenas, dentre eles criança de 11 anos, foram encontrados em situação servil no latifúndio Marreta (MS), pertencente a Virgílio Metiffogo, latifundiário envolvido no Massacre de Caarapó de 2016.
Galpão onde viviam os indígenas resgatados da escravidão no latifúndio de envolvido no Massacre de Caarapó. Inspeção do trabalho. Foto: Repórter Brasil

MS: 7 indígenas encontrados em situação servil em fazenda de latifundiário envolvido no Massacre de Caarapó

Sete indígenas, dentre eles criança de 11 anos, foram encontrados em situação servil no latifúndio Marreta (MS), pertencente a Virgílio Metiffogo, latifundiário envolvido no Massacre de Caarapó de 2016.

No dia 18 de dezembro, sete indígenas, dentre eles uma criança de 11 anos e um adolescente de 17, foram encontrados em situação de trabalho escravo na colheita de milho da fazenda Marreta, em Dourados (MS), pertencente a Virgílio Metiffogo, latifundiário envolvido no Massacre de Caarapó de 2016. De acordo com a investigação, os indígenas dormiam e cozinhavam em um pequeno galpão sem janelas, e eram obrigados a dormir em tábuas, papelão ou palha, se cobrirem com sacos de embalagem dos produtos do latifúndio e fazer as necessidades no mato, pela falta de um banheiro. Também não havia equipamentos de proteção individual. 

O Massacre de Caarapó ocorreu em julho de 2016 na retomada Tey’i Kue. No episódio sangrento, mais de 100 latifundiários e pistoleiros reuniram-se, organizaram e executaram a invasão ao território indígena reconhecido pela Funai. Os invasores usavam capuzes, uniformes e armas de diversos calibres. O agente de saúde Guarani-Kaiowá Clodiodi foi assassinado no ataque, e os outros indígenas foram violentamente expulsos de suas terras. Ao todo, 13 indígenas ficaram feridos, inclusive uma criança de 12 anos. Muitos tem as balas alojadas no corpo até hoje. Algumas testemunhas dizem que o próprio Mettifogo teria sido o autor dos disparos que mataram Clodiodi, enquanto outros afirmam que ele gritou “mata esse gordo” repetidamente.

Imagem anexada ao processo contra os latifundiários mostra máquinas e quantidade de pistoleiros no ataque à Tey’i Kue em 2016. Foto: Reprodução

Apesar da gravidade do caso, verdadeiro exemplo da atuação dos latifundiários e seus bandos armados no campo, os acusados de organizarem o massacre, dentre eles Virgílio Metiffogo, foram poupados. A audiência só foi iniciada cinco anos depois, e os cinco acusados, Nelson Buaianin Filho, Jesus Camacho, Dionei Guedin e Eduardo Yoshio Tomonaga e Virgílio Metiffogo só ficaram detidos por alguns poucos dias. Com a impunidade, os latifundiários seguiram com os crimes pelo estado, como é o caso de Virgílio, agora responsável por submeter indígenas a relações servis de trabalho. 

Os resgatados são provenientes do mesmo lugar onde ocorreu o ataque de 2016, revelando uma sucessão de eventos típica do funcionamento do latifúndio e das relações semifeudais no País. Primeiro, os latifundiários expulsam os indígenas de suas terras, seja pela força econômica em conluio com o velho Estado latifundiário-burocrático (na competição desigual com o latifúndio subsidiado), seja (como geralmente tem sido) pela força bruta. Frente aos seus territórios tradicionais quase inabitáveis diante dos constantes ataques, os indígenas não conseguem viver de sua própria terra e são forçados a vender sua força de trabalho para esses mesmos latifundiários. Segundo dados do MTE, 89% dos casos de “trabalho análogo a escravidão” envolvendo indígenas dizem respeito a “atividades rurais”.

Velho Estado brasileiro e empresas imperialistas asseguram latifundiário

Apesar das acusações apontarem o envolvimento claro de Metiffogo no Massacre de Caarapó, o latifundiário segue com seus negócios, assegurado pelo velho Estado brasileiro e empresas imperialistas. De acordo com o veículo de imprensa Repórter Brasil, seus latifúndios são segurados tanto pela empresa imperialista suíça Swiss Re quanto pela seguradora espanhola Mapfre. Entre 2020 e 2021, quando o latifundiário já era réu por homicídio do caso ainda impune, a empresa suíça assinou três apólices para proteger suas plantações de soja e milho.

As apólices de ambas as empresas são bancadas pelo velho Estado através do Programa Seguro Rural. Casos como esses se repetem. Assim é também com a  família Dalla Corte, envolvida nas agressões a Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu em Antônio João. Além dele, outros quatro fazendeiros com propriedades dentro da TI Dourados-Amambaipeguá I tiveram lavouras seguradas pela Swiss Re

MS é recordista em trabalho escravo da população indígena

Ao menos 1.640 indígenas foram resgatados de trabalhos “análogos à escravidão” no Brasil desde 2003, segundo dados da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) colhidos e cruzados pelo portal Mongabay. A pesquisa foi feita para medir o índice de trabalho servil no Brasil “pós-redemocratização”. Mesmo com os números subestimados, considerados somente desde 2003 enquanto há dados de outros grupos sobre o mesmo tema desde 1995, o levantamento revela como o processo de “redemocratização” deixou intocado as velhas estruturas feudais do Brasil e fracassou em garantir as liberdades e direitos democráticos ao povo. 

Dados, ainda que subestimados, de trabalho escravo no MS revelam uma grande maioria indígena. Foto: OETETP

Além disso, os dados oficiais contabilizavam apenas 627 indígenas resgatados entre 2004 e 2022, mas, segundo auditores, esse número abarca apenas os trabalhadores que receberam o seguro-desemprego no momento do resgate – ou seja, também vemos, a partir disso, que a grande maioria não teve esse direito garantido.

Embora os dados exatos não sejam disponibilizados, o Mato Grosso do Sul ainda é apresentado como o estado com a maior quantidade de casos. O que não deixa dúvidas para isso é que, em apenas um caso, em 2007, na cidade de Brasilândia, foram resgatados 1.011 indígenas da empresa Agrisul Agrícola Ltda. É claro que sendo o terceiro estado com a maior população indígena absoluta (116.346) e o quarto com a maior população proporcional (4,22%), segundo dados do Censo 2022, o MS teria uma maior propensão a ocupar esse posto. Fato é que, em outro dado certamente subestimado, os indígenas naturais do estado correspondem a 56,2% dos resgatados do trabalho escravo e os residentes correspondem a 49,2% – números mais do que 10 vezes maiores do que a proporção de habitantes indígenas no estado. Sabe-se que a realidade é ainda pior, visto que o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas (OETETP) apresenta apenas informações para o período de 2002-2022.

Servidão em todo o País

O dado do OETETP, com a diferença entre os naturais e residentes, traz atenção para outro fator: parte considerável dos indígenas sul-mato-grossenses submetidos a essas relações semifeudais são resgatados em outros estados. 

Nos últimos anos, vem sendo revelado cada vez mais a participação de indígenas Guarani-Kaiowá, Kadiweú e Terena na colheita de maçã no Sul do país. Chamados de “garimpeiros das maçãs”, eles são levados geralmente para Fraiburgo (SC) e Vacaria (RS). Segundo o monopólio de imprensa Zero Hora, em 2020, quase 1/4 (2,7 mil) dos 12 mil trabalhadores do setor em Vacaria eram indígenas do MS. 

Enquanto isso, os dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Governo Federal indicam que, em somente 13 ocasiões diferentes, foram encontrados 233 trabalhadores indígenas em situação servil entre 2019 e 2020, segundo o veículo investigativo O Joio e o Trigo.Uma outra reportagem de setembro de 2023 do Campo Grande News indicava indígenas levados à força e tentativas de suicídio devido às rotinas exaustivas de trabalho. Também foram registrados em 2020 casos de indígenas escravizados no estado vizinho de Goiás, na cidade de Aporé – pouco mais de 300km de um dos maiores casos de trabalho escravo registrado em 2023.

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