No dia 18 de setembro, o casal de rezadores Guarani-Kaiowá, a nhandesy Sebastiana Galton, 92 anos, e seu companheiro, o nhanderu Rufino Velasquez, 55 anos, foram brutalmente assassinados na Terra Indígena Guasuti, em Aral Moreira, cidade fronteiriça entre Brasil e Paraguai, a 359 km de Campo Grande (MS). O fato acontece pouco tempo depois de uma sequência de ataques a esse povo na região do “cone sul” do MS,com a prisão política em Naviraí, queimas de casas e as ações de pistolagens em Dourados, e no mesmo período em que Luiz Inácio/Flavio Dino prorrogaram a intervenção da Força Nacional de Segurança Pública na região.
Sebastiana e Rufino eram lideranças religiosas e políticas que denunciavam o arrendamento ilegal de terras em sua comunidade – prática essa causada pela ruína da economia de subsistência indígena derivada da alta concentração de terras nas mãos do latifúndio. Contrariando as explicações simplistas e a investigação de “crime comum” da Polícia Civil, a Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá), em nota, afirmou: “Todas as nhandesy e lideranças religiosas denunciam o arrendamento de terra indígena e por isso sofrem ameaça de morte”. Corrobora com essa hipótese o assassinato de Estela Vera (no final de 2022), que também era nhandesy e igualmente denunciava o arrendamento ilegal em Yvy Katu, na cidade fronteiriça de Japorã a pouco mais de 150km de Guasuti.
A TI Guasuti foi homologada em maio de 1992 e abrange 958 hectares. O caso demonstra que a simples homologação da terra não resolve o problema da miséria indígena. Sem os meios materiais, muitos indígenas (assim como ocorre com camponeses), sufocados pelo latifúndio, são forçados a arrendarem suas terras para os grandes proprietários, que, além do poder econômico, dispõem do apoio do velho Estado e suas forças de repressão e bandos paramilitares para a coação das massas do campo.
O território em questão, segundo o Censo de 2022 do IBGE, abriga 719 pessoas, o que resulta numa média de 1,33 hectare por indivíduo. Esse número fica um pouco acima da média de 1 hectare para cada Guarani-Kaiowá do estado, conforme investigação do site De Olho nos Ruralistas. Enquanto isso, 58 políticos do estado possuem, cada um, 1.351 hectares de terra, considerando somente os que declararam.
Além disso, os latifúndios representam 83% do território do MS. O estado possui o segundo maior índice de concentração de terras do Brasil, atrás apenas da Bahia, estado que também é palco de numerosos conflitos pela terra. Dentre os 10% dos maiores imóveis rurais do estado (8.674 no total), que abarcam 23 milhões de hectares, a área média é de 2.680 hectares por proprietário.
É característico do caso recente no MS (e que se repete em outros casos de lideranças assassinadas, como a Mãe Bernadete na Bahia) que as vítimas relataram ameaças e perseguições anteriormente ao assassinato. Familiares do casal relataram ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que eles sofreram ameaças nos dias que antecederam sua morte. Conforme nota da entidade: “Disseram também que as divergências circunvizinhas, envolvendo pessoas próximas, intensificaram-se durante os últimos meses, por motivos relacionados à falta de terra, ao arrendamento e à intolerância às práticas religiosas tradicionais que permeiam todas estas realidades”.
As ofensivas do latifúndio e de seus bandos paramilitares contra os indígenas destacam-se ainda pelos ataques aos costumes desses povos, além da eliminação de lideranças e ativistas. Entre 2019 e 2021, pelo menos 12 ogápysy (casas de reza) foram incendiadas, segundo dossiê organizado pela Kuñangue Aty Guasu (grande assembleia das mulheres Guarani e Kaiowá) e pelo Observatório da Kuñangue Aty Guasu (OKA) intitulado “Intolerância religiosa, racismo religioso e casas de reza Kaiowá e Guarani queimadas”. O AND noticiou alguns desses casos, em 2019, 2020 e 2021, enfatizando que “O local não era apenas um espaço religioso e cultural, mas também funcionava como um centro da organização social e política do Povo Guarani Kaiowá”. Relata ainda a notícia uma onda de ataques em 2006 e um ataque em 2009.