Reproduzimos importante manifesto do Comitê de Solidariedade aos Povos Indígenas, enviado por apoiadores regionais, narrando o desenvolvimento da luta do povo Guarani e Kaiowá em Caarapó, MS.
Segunda-feira, dia 9 de abril de 2018. O Estado, através da ordem de despejo contra as retomadas Guapo’y e Jeroky Guasu, prepara seu bote através de amplo contingente da Polícia Federal e Militar para defender o latifúndio e a propriedade privada.
Uma caravana de apoiadores, incluindo entidades de direitos humanos, movimentos populares da cidade e do campo, organizações de solidariedade aos povos indígenas e conselheiros da Aty Guasu e Conselho Terena, reuniram-se com o intuito de atuar como observadores e prestar solidariedade aos guerreiros e guerreiras Guarani e Kaiowá, se organizando para o deslocamento rumo às retomadas em Caarapó.
A chegada na aldeia Te’yi Kue foi marcada pela presença dos trabalhadores indígenas, cortadores de cana, em sua saída para o trabalho as 4h da manhã, sentados na beira de estrada na espera do ônibus fretado.
Na entrada do tekoha Nhandeva, indígenas em guarda recebem os apoiadores e controlam a entrada, com palavras de ordem indicando a firmeza de sua resistência frente à possibilidade de ataque. Mais alguns quilômetros a frente, Guapo’y se aproxima. A outra via de entrada na área já se encontra fechada com um tronco de árvore. Antes do amanhecer do dia, os Guarani e Kaiowá de Guapo’y recebem a caravana, e, juntos, organizam-se na entrada do território aguardando o cumprimento da ordem.
Crianças da comunidade assustam-se quando avistam de longe um helicóptero da Polícia Federal sobrevoando a área. Pouco tempo depois, chegam carros de fora com parlamentares e imprensa local. As rezas e as falas reafirmando luta e resistência fortificam-se. Bombeiros chegam, indicando a possibilidade das Polícias estarem próximas para o ataque. Da comunidade, nem um passo pra trás.
Por volta das seis horas, a comunidade ainda de pé, sem temer pela morte em favor da luta pela terra e fim do latifúndio, recebe a notícia da suspensão da ordem de despejo pelo Supremo Tribunal Federal, solicitada pela Funai, fruto da mobilização de toda Dourados Amambaipegua I (terra indígena que comporta a Reserva Tey’i Kue, e mais um conjunto de retomadas não demarcadas). Em comemoração, todos celebram a vitória que reafirma a convicção dos povos do campo de que, nesse contexto de agravamento das políticas neoliberais e intervenção militar ampliada, só a luta garantirá a terra.
Em 2016, logo após o que ficou conhecido como “Massacre de Caarapó”, onde o Guerreiro Clodiodi foi brutalmente assassinado em um ataque de latifundiários contra indígenas que retomavam parte de suas terras no entorno da Reserva, um acordo entre indígenas e fazendeiros mediado pela Justiça foi firmado: se não houvesse retomada por parte dos indígenas, não haveria pedido de reintegração de posse por parte dos fazendeiros. Tais episódios mostram o não cumprimento do acordo por parte dos latifundiários.
Já em março de 2017, com o advento do ex Presidente da FUNAI à cidade de Dourados, Antônio Fernandes Toninho Costa, foram feitas promessas para o cumprimento do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), mediadas pelo Ministério Público Federal, em relação a um plano de trabalhos que apresentaria relatórios para demarcações de territórios indígenas. Até então nenhuma terra indígena teve avanço nos processos de demarcação.
A suspensão da ordem de despejo não corresponde nem de longe a demanda pela demarcação das áreas com estudos
publicados. E tais estudos não representam a amplitude dos locais que não puderam ser contemplados com laudos. Frente a essa impossibilidade de realização das demandas dos povos do campo pelas vias legais, refletida nas apunhaladas dos inimigos entre falsos acordos e não cumprimento de promessas, os Guarani e Kaiowá afirmam que continuarão a lutar pela autodemarcação de seus territórios, garantindo assim sua autodeterminação enquanto povo. Fazendo germinar o sangue derramado de tantos guerreiros que tombaram ao levantar a bandeira de luta pela terra, solidificam em matéria a guerra justa por aquilo que lhes foi tomado.
Comitê de Solidariedade aos Povos Indígenas