No dia 23 de outubro, diversos camponeses sem terra, organizados no Movimento Popular de Luta (MPL), bloquearam rodovias em três cidades do Mato Grosso do Sul para exigir seu direito à terra e outros direitos democráticos. Os trancamentos fazem parte da “Jornada de Lutas estadual por Terra, Trabalho, Moradia e Soberania Popular”, convocada pelo MPL com o objetivo de pressionar o governo federal, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a entregar terras aos camponeses.
Segundo publicação na rede social Facebook do MPL, “há vários anos, as famílias que constroem o MPL vivem acampadas às margens das rodovias, lutando pela efetivação das tão prometidas reformas agrária, dever do Estado encartado na Constituição por força das lutas dos movimentos sociais, mas reiteradamente descumprido pelos sucessivos governos”. Jonas, da coordenação do MPL, em entrevista ao monopólio 94FM Dourados, detalha que: “Essa jornada vem nesse sentido, de denunciar essa morosidade, essa paradeira aí da reforma agrária”. Cansados de esperar, os camponeses se lançam à luta.
Trancamentos mobilizam mais de 150 camponeses no estado
Foram registrados trancamentos em três cidades: na capital, Campo Grande, em Nova Alvorada do Sul, a 117 km de Campo Grande, e Naviraí, a 366 km da capital, ambas no cone sul do MS. Os protestos começaram logo no amanhecer do dia, entre 4h e 6h da manhã, nos três locais e o movimento imprimiu mais de 5 mil panfletos ao todo para serem distribuídos aos veículos parados. Além disso, em Guia Lopes da Laguna, onde não houve trancamento, membros do MPL panfletaram por cerca de 6 horas aos veículos que passavam perto do Acampamento 8 de Março.
Na capital, mais de 100 camponeses trancaram a BR-163 por mais de 5 horas. O protesto gerou mais de 14 km de congestionamento e durou até a confirmação de que representantes do Incra de Brasília estavam na cidade para a reunião. O trancamento foi realizado próximo ao distrito de Anhanduí, nos dois sentidos da rodovia que liga São Paulo a Campo Grande. Com pneus e galhos, os manifestantes, dentre eles moradores do acampamento Zumbi dos Palmares que exigiam a regularização de suas terras, mantiveram o corte da rodovia aos gritos e cartazes que exigiam a entrega imediata das terras.
Em Nova Alvorada do Sul, as famílias permaneceram firmes por mais de 3 horas na BR-267, próximo à Vila Zuzu, que liga o MS a Presidente Epitácio-SP. Durante o ato, os manifestantes liberavam um dos lados da pista por vez depois de panfletarem. O protesto contou com ameaças e intimidações da Polícia Rodoviária Federal, que registrou a placa de carros dos moradores de um dos acampamentos e tirou objetos que bloqueavam a estrada a chutes. Apesar da intimidação, os manifestantes se mantiveram altivos e saíram ao som de gritos como O povo unido jamais será vencido!.
Em Naviraí, mais de 40 pessoas bloquearam a MS-141, próximo à Igreja do Sapezinho, em direção a Ivinhema. Os manifestantes inicialmente liberavam a passagem na rodovia a cada 1 hora e, com a possibilidade da conversa com os representantes do Incra, se retiraram para o acostamento, com a promessa de que voltariam a bloquear a rodovia caso a conversa não fosse realizada.
Essa mesma rodovia havia sido bloqueada pelos moradores do Acampamento São João Maria duas semanas antes, no dia 09/10, em protesto contra o crime de envenenamento de um rio que passa pelo acampamento praticado por um latifundiário.
Monopólio da terra e crise jogam milhares de famílias para a luta pela terra
Em entrevista ao Alvorada Informa, Adriana, da coordenação do MPL, falou da pauta levantada contra a grilagem no estado. Ela comentou que o movimento defende que essas terras obtidas de maneira ilegal sejam destinadas à reforma agrária.
Paralelamente, denunciou a ineficiência do Incra em regularizar terras comprovadamente improdutivas que mesmo a justiça já havia permitido a desapropriação. O benefício a todo tipo de roubo de terras da união por latifundiários, através de fraudes e grilagem, e a ineficiência completa do Incra caminham lado a lado. Os números não mentem: os latifúndios representam 83% do território do MS e o estado possui o segundo maior índice de concentração de terras do Brasil, atrás apenas da Bahia.
Nesse sentido, os combativos trancamentos organizados pelo MPL expressam a tendência geral de agudização da situação da luta pela terra no País e no estado.
Segundo o superintendente regional do Incra, Paulo Roberto, em conversa com o portal NovaNews, há entre 6 mil e 7,5 mil famílias acampadas em Mato Grosso do Sul, articuladas em 18 movimentos sociais diferentes. Muitos deles, porém, abandonaram o caminho da luta em favor de um caminho burocrático. Conforme entrevista dada ao AND pelo também coordenador do MPL, Beto, o movimento “acaba suprindo esse vazio [da luta pela terra]. Muita gente que foi de outros movimentos de esquerda não se sentiam mais representados por esses movimentos. Até porque eles foram virando puxadinho de alguns partidos. E outros, como os movimentos sindicais, acabam se tornando dependentes de dinheiro, com acampamentos para sustentar as lideranças, etc. Isso vai decepcionando o povo. Viemos pra suprir essa demanda”.