MS: Procurando deter retomadas, polícia prende injustamente três Guarani-Kaiowá em Rio Brilhante

MS: Procurando deter retomadas, polícia prende injustamente três Guarani-Kaiowá em Rio Brilhante

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Na madrugada do dia 3 de março os Guarani-Kaiowá retomaram mais uma parte da aldeia Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, cidade a 100km de Dourados, segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul. Os indígenas estão na região desde 2008 e vivem em uma pequena faixa de terra. O território recentemente ocupado fica próximo à sede da fazenda Inho, localizada no Território Indígena (TI) que aguarda demarcação há mais de 15 anos. Horas depois da retomada, a mando do governador reacionário Eduardo Riedel (PSDB), a Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul feriu covardemente dois indígenas com bala de borracha e deteve injustamente três lideranças após adentrar o território, de forma ilegal – sem mandado judicial e se sobrepondo a competência da justiça federal. 

A Retomada Laranjeira Nhanderu é um território historicamente reconhecido como dos Guarani-Kaiowá e conta com uma promessa de demarcação desde 2007. Apesar disso, os indígenas ainda não conseguem usufruí-lo em sua totalidade de forma livre, vivendo em uma pequena porção de terra. Expressão disso foi a recente repressão sofrida pelos Guarani-Kaiowá. Na ocasião, os indígenas avançaram para a localidade em que tradicionalmente havia uma casa de reza (ogá pysy) – uma delas foi atacada em 2020 – para a realização de uma cerimônia ritual que acontece a cada três anos. Ao chegarem, as 15 famílias foram brutalmente reprimidas pela PM e jagunços do latifúndio. Os indígenas tiveram suas tendas removidas da retomada e seus bens (desde motos até bicicletas e carriolas) apreendidos, conforme relataram ao correspondente do AND no local.

Carros da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, que foram mobilizados de cidades vizinhas a Rio Brilhante, e realizaram ação ilegal em conjunto com jagunços do latifúndio. Foto:: Cimi

A repressão começou por volta da hora do almoço, quando cerca de 13 militares da PM chegaram em quatro carros vindos de duas cidades vizinhas (Dourados e Maracaju). Logo na chegada, as tropas militares quase atropelaram vários indígenas e dispararam balas de borracha e bombas de efeito moral contra idosos e crianças de colo. Olímpio, uma liderança de 83 anos, foi atingido duas vezes; já outra indígena, tentando tirar sua filha do meio do confronto, também levou um tiro. 

Durante a repressão, os militares detiveram, sob a falsa acusação de “esbulho possessório”, além de alegada “resistência” à prisão, o cacique Adalto (Ava Rendy) e a professora Clara (Mboy Jeguá), ambos filhos de Olímpio, figuras de destaque da retomada e conselheiros do Aty Guasu e do Kuñange Aty Guasu. Além disso, o jovem cinegrafista e membro da Retomada Aty Jovem Lucimar “Lucas” Gualoy (Ava Jeguaka), também foi detido por “desobediência”. A acusação foi baseada na postura do jovem em se recusar a parar a filmagem que fazia da criminosa ação policial. Segundo os indígenas, os policiais da região atuaram na repressão junto com “seguranças privados” (pistoleiros) do latifúndio, que roubaram motos dos Guarani-Kaiowá e as mantiveram em um galpão da fazenda Inho.

Os três detidos foram para a 1ª Delegacia de Polícia Civil de Rio Brilhante e tiveram seus pertences restantes apreendidos (inclusive o celular onde Gualoy havia gravado a repressão). Frente a isso, a mãe e o tio do jovem foram até a delegacia, denunciaram a arbitrariedade da detenção e afirmaram que, se os presos não fossem postos em liberdade, membros da sua aldeia (Tajasu Iguá, em Douradina) iriam se juntar a retomada em solidariedade aos Guarani-Kaiowá de Rio Brilhante. Como resultado da mobilização, os indígenas permaneceram na terra até a soltura dos três detidos, que ocorreu no dia seguinte. Contudo, apesar da revogação das prisões preventivas, a Polícia Civil manteve medidas cautelares contra os indígenas. 

Ainda como prosseguimento e resultado da luta do povo Guarani-Kaiowá, foi dado o anúncio do avanço do processo de demarcação e de perícia antropológica. Em sinal de solidariedade e de que pretendem avançar em sua luta, os Guarani-Kaiowá afirmaram que vão realizar, com lideranças de todo o Mato Grosso do Sul, a Grande Assembleia Guarani-Kaiowá (Aty Guasu) em Laranjeira Nhanderu. A assembleia ocorrerá entre os dias 06/03 e 10/03.

Em solidariedade ao avanço da retomada e aos ataques do velho Estado, os Guarani-Kaiowá decidiram realizar sua Grande Assembleia em Laranjeira Nhanderu. Foto: Aty Guasu

O processo da retomada

Em 2007, a aldeia Laranjeira Nhanderu foi incluída no Termo de Ajustamento e Conduta (TAC), um plano de estudos para a demarcação de terras feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Segundo o planejamento do TAC, a demarcação de Laranjeira Nhanderu (localizada dentro da TI Brilhantepegua) está atrasada há, pelo menos, 14 anos (o prazo máximo para demarcação era o ano de 2009).

Em 2008, diante da inoperância do velho Estado, 167 indígenas da comunidade ocuparam uma pequena área de mata nos fundos da fazenda Santo Antônio, em Rio Brilhante, que faz divisa com a fazenda Inho. No ano seguinte, foram expulsos por ordem judicial e ocuparam as margens da BR-163, mas retomaram novamente o território em 2011. À época, o governo do Estado estava sob gestão de André Puccinelli (então PMDB), que tinha como vice-governadora Simone Tebet, atual ministra do Planejamento e Orçamento. Em 2017, os indígenas denunciaram a ineficácia do velho Estado brasileiro no processo de demarcação de sua terra em uma reportagem breve do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul. Um ano depois, eles avançaram para a área denominada Laranjeira Nhanderu II. Ano passado, os Guarani-Kaiowá resistiram bravamente a uma tentativa de despejo realizada após uma retomada na sede da mesma fazenda Inho.

Mapa feito pelos Guarani-Kaiowá da TI Laranjeira Nhanderu; em vermelho, a fazenda Inho, local do atual conflito, e, em verde, a fazenda Santo Antônio, cujos fundos tem sido habitado pelos indígenas. Foto: Repórter Brasil

De acordo com os Guarani-Kaiowá, a verdadeira razão do conflito envolvendo a área é o interesse do filho do dono da fazenda Inho, José Raul das Neves Júnior, em vender as terras para o vereador Adão Evandro Pereira Leite (DEM). José Raul também é secretário municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Rio Brilhante, foi secretário da Fundação de Cultura, Esporte e Lazer entre 2013 e 2016 e trabalhou com o pai do atual prefeito da cidade, Lucas Foroni (MDB). Em 2011, segundo noticiou o monopólio de imprensa local Dourado News, José Raul e seu pai tentaram interceptar o trabalho da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em sua fazenda ao bloquear o acesso com um tronco de árvore. 

Policiais e governador se contradizem

Na tentativa de esconder o verdadeiro motivo do conflito, a PM e o governo do estado se contradisseram ao dar, cada qual, sua versão sobre o caso. Na ocasião, a corporação alegou, em nota, que foi até o local porque um grupo de 15 pessoas invadiu a fazenda e, “de forma agressiva, expulsaram os funcionários” e roubaram um botijão de gás. 

Já o governador reacionário Eduardo Riedel (PSDB), segundo o monopólio de imprensa Folha de São Paulo, autorizou a ação policial “para garantir a ordem e salvaguardar vidas” com base na falsa história de que haveria um conflito entre indígenas e camponeses sem-terra no local, o que também alegou em nota a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A justificativa se baseia na manobra de 2022 em que se tentou criar um falso “assentamento rural” nas terras dos Guarani-Kaiowá a partir de investidas da deputada estadual Mara Caseiro (PSDB), do vereador Adão Evandro e de seu pai, Ramão Alves Leite, em conluio com o dono da fazenda Inho, Raul das Neves, e com a autarquia estadual Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer). Na manobra, eles fizeram promessas para moradores de outro assentamento e chegaram a falar em uma ocupação de sem-terras em 2022, o que nunca ocorreu. No dia 03/03 deste ano, quando da última tomada dos Guarani-Kaiowá, não havia nenhum camponês sem-terra no local, conforme pôde averiguar o correspondente local do AND

Durante a sua campanha eleitoral de 2022, Riedel afirmou demagogicamente em “ouvir e entender” os indígenas, comentou do “desafio de vivermos todos em paz” e que buscaria viabilizar um “desenvolvimento econômico para estas comunidades”. Na prática, o governador que diz que “índios e produtores são vítimas” foi apoiado por 50 sindicatos rurais representantes do latifúndio e que constantemente açoitam os povos indígenas do estado. Em seu discurso oportunista e pró-latifúndio, Riedel equipara o latifúndio aos indígenas e levanta propostas de “levar a questão de desenvolvimento”, sem tocar no assunto na demarcação de terras.

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