Na manhã do dia 6 de outubro, a Tropa de Choque da Polícia Federal atacou a retomada do tekoha Avae’te, em Dourados, Mato Grosso do Sul (MS). Ao chegarem no local, confiscaram celulares de alguns indígenas Guarani-Kaiowá para que eles não denunciassem o ato. Ainda assim, outros conseguiram gravar imagens do ataque e registrar as balas de borracha e de gás lacrimogêneo disparadas – muitas delas, inclusive, com datas de validade e numerações raspadas. Além de deixar casas atravessadas por disparos, a polícia deixou ferida uma senhora de 74 anos, Ilina Almeida.
Os indígenas denunciam ainda a tentativa da promotoria e da Polícia Federal de justificar a truculência com versões falsas sobre o caso. Segundo o promotor do Ministério Público Federal (MPF), a PF estaria cumprindo mandados judiciais, tanto na área indígena quanto não-indígena, autorizados pela 1ª Vara Federal de Dourados. O promotor afirmou ainda que não houve feridos e a polícia disparou porque foi atingida por pedras arremessadas pelos Guarani-Kaiowá após a apreensão de um celular. A apreensão não foi comentada pelo promotor.
Todavia, imagens registradas pelos indígenas desmentem a versão “oficial” e provam que os indígenas foram feridos. Foi o caso da senhora Ilina, que já havia sido alvo de disparos dos policiais em outras ocasiões.
Em nota, a PF disse que “Não há registros de feridos, tão somente danos às viaturas policiais”. Em entrevista ao monopólio de imprensa Correio do Estado, Natanael Vilharva, representante do Aty Guasu (Grande Assembleia do Povo Guarani-Kaiowá), discorda: “Vários feridos. Uma vózinha de 70 anos foi agredida e machucada dentro de sua casa. A gente tem fotos e vídeos. Ainda assim, a polícia disse que foi porque tinha arma dentro da comunidade. Tudo isso é muito revoltante”.
Os sucessivos ataques e a pseudo-investigação policial demonstram que o velho Estado burocrático-latifundiário não está preocupado com a solução do problema dos povos indígenas. No dia 26 de setembro, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) criou um “gabinete de crise” para acompanhar a situação dos Guarani-Kaiowá, o que aconteceu na sequência da criação de uma frente parlamentar em Dourados “em defesa da solução dos conflitos entre indígenas e proprietários de terras”, no dia 13/09, e da prorrogação da Força Nacional na região, oito dias antes, uma medida também dita de “crise”. Até então, porém, o “Marco Temporal” e seu “meio-termo” de indenização dos latifundiários tem prevalecido seja na fala da ministra do MPI, Sonia Guajajara, seja no judiciário, encabeçado por Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
A operação de “paz”
A ação policial ocorre dentro do quadro da operação “Py’aguapy”, que, em Guarani, significa “paz” ou “pacificação”. Segundo a PF, a operação investigava os suspeitos do ataque de pistoleiros do dia 13/09 no mesmo território indígena, que deixou dois jovens feridos. Antes, no dia 10/09, um líder indígena havia sido ferido a tiros após denunciar pistoleiros. Pouco menos de um mês, entre os dias 15/08 e 17/08 os pistoleiros do latifúndio haviam queimado dez casas e atacado plantações na mesma retomada. Somados a operação policial, são quatro ataques num período de menos de dois meses.
O nome da operação cinicamente emula aquelas encabeçadas pelo gerenciamento petista, as chamadas operações “Paz no Campo”. A “paz” oferecida não pode ser outra senão a “paz de cemitério”. A mesma paz que as Forças Armadas Reacionárias sempre defendeu para os povos indígenas. Já, nos anos 1910, dizia o marechal do Exército Cândido Rondon, que, “a política do SPI [Serviço de Proteção ao Índio] só poderia ser executada ‘num grande cerco de paz, num assédio externo e paciente’”, conforme análise publicada no AND. A mesma política de “pacificação” para impedir os indígenas de lutarem por seus direitos persiste.
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A operação acontece pouco tempo depois de o Secretário de Justiça e Segurança Pública do MS, Antonio Carlos Videira, ter dito que “Policial meu não vai morrer na faca com fuzil na mão”. Contra essa dita “paz” do latifúndio e do velho Estado, a liderança Guarani-Kaiowá já citada defende o justo direito do povo se defender: “A polícia estava ali atirando com bala de borracha nas crianças, nas idosas e é normal que a comunidade tenta se defender de alguma forma, com pedra e pau”.