O Comitê de Apoio do jornal A Nova Democracia – Dourados (MS) recebeu um vídeo de indígenas Guarani-Kaiowá durante uma ação de saudação e solidariedade ao povo palestino e sua luta de libertação nacional. Comprometidos com a denúncia dos crimes cometidos contra os Guarani-Kaiowá e de sua luta pela terra, o Comitê de Apoio elaborou um texto que destaca, assim como a ação dos Guarani-Kaiowá, as similaridades vividas pelo povo palestino e pelos povos indígenas do país.
Tanto os Guarani-Kaiowá quanto os palestinos têm seu direito à autodeterminação violado e seus territórios definidos por uma força reacionária. Se a força de ocupação sionista de Israel é inclusive reconhecida como tal pelo direito internacional, a colonização empreendida há séculos pelo velho Estado latifundiário-burocrático brasileiro não é vista assim. O início do século XX marcou tanto o processo de tentativa de “integração” dos indígenas impulsionado pelo Serviço de Proteção do Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) e pelos militares reacionários – encabeçados pelo Marechal Candido Rondon – no Brasil quanto o ápice do sionismo e das empreitadas colonizadoras na Palestina. Com o fim da Primeira Guerra (1914-1918), o Acordo Sykes-Picot (1916) e a Declaração de Balfour (1917), as potências imperialistas – inglesas e francesas – se assanharam na região, o que abriu as portas para 40 mil judeus migrarem para a Palestina durante a chamada “Terceira Aliá” (1919-1923). Já em nosso país, a expansão “para o Oeste” – mesmo antes dos anos Vargas – impulsionava o caminho burocrático da distribuição de terras, ou seja, a concentração fundiária na mão de poucos.
Os atuais “territórios palestinos” (Faixa de Gaza e Cisjordânia), cujas fronteiras foram definidas em 1967, foram meticulosamente planejados como análogos quase perfeitos dos campos de concentração nazistas – com quem o Estado sionista inclusive tinha estreitos vínculos. A Faixa de Gaza, com seus poucos mais de 365 km², é apropriadamente caracterizada como a maior prisão ao céu aberto do mundo – tanto pelo controle que Israel e Egito tem das fronteiras palestinas quanto pelo reduzido espaço em que muitos são confinados. Espremendo os 2,3 milhões de habitantes, a área tem uma densidade populacional de impressionantes 6.507 habitantes por km². Essa densidade é superior inclusive a da cidade mais populosa do mundo, Tóquio (6.169), bem como a de Londres, Madrid, Rio de Janeiro, Moscou, Miami, entre outras. Ao todo, dos 25 mil km² que possuía a Palestina durante o mandato britânico (1920-1948), os pouco mais de 6 mil km² dos “territórios palestinos” representam 24% desse território.
Igualmente, os Guarani-Kaiowá, que antes viviam em áreas de milhares de hectares, foram confinados em minúsculas “reservas” criadas (entre 1915 e 1928) pelo velho Estado que expulsaram eles das terras tradicionais que eles chamam de tekoha em favor dos latifundiários. Exemplo disso são os indígenas da Iguatemipegua I, cuja área deveria ser de 42 mil hectares, mas que foram empurrados a morar na Reserva Sassoró (1928) de apenas 2 mil hectares, ou seja, 4,7% da área original. Hoje, segundo o censo do IBGE de 2022 – em números provavelmente subestimados – há 13.473 habitantes na Reserva Indígena de Dourados (RID), a sexta mais populosa do Brasil. Ela possui apenas 3500 hectares ou 35 km², com uma densidade de 384,94 pessoas por km², superando em mais de três vezes a de Campo Grande (111,09), capital do estado em que está localizada. Com relação aos estados, sua concentração de pessoas só é menor do que a do Distrito Federal (507,46), ultrapassando o Rio de Janeiro (379,78), São Paulo e Alagoas somados (297,66) e todas demais unidades federativas do país.
De um lado, os palestinos passaram pela Nakba (ou “catástrofe” em árabe) em 1948, em que mais de 700 mil palestinos foram expulsos de seus territórios originários. O resultado disso é que quase 2/3 dos 14,3 milhões de palestinos vivem fora da atual Palestina. Desses, apenas 5,3 milhões vivem na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia. De forma similar, os Guarani-Kaiowá chamam de sarambi (ou “esparramo”) o processo por meio do qual perderam suas terras. Paralelamente ao confinamento nas reservas, os anos seguintes foram de remoção dos Guarani-Kaiowá dos seus tekoha. Não há números precisos apenas sobre esse grupo étnico, mas, segundo o censo de 2022, dos 116.346 indígenas do Mato Grosso do Sul (MS) – onde vivem outras 9 etnias – pouco mais da metade (58,91%) vive de fato sem suas terras.
Na guerra de agressão do enclave sionista, serviçal do imperialismo ianque, o terrorismo do Estado israelense adotou medidas como o corte do suprimento de água e energia elétrica. Situação análoga vivem muitos territórios e retomadas indígenas, em que as empresas de água e saneamento básico não chegam e a “Luz para Todos” nunca foi uma realidade. Ainda em 2023, por exemplo, surgem notícias de que a água potável ainda não é garantida para os habitantes da RID. Segundo dados de novembro desse ano da Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia das Mulheres Guarani-Kaiowá), nove em cada dez mulheres relataram a ausência de água potável em seus territórios. Apyka’i, terra onde recentemente morreu a guerreira Damiana Cavanha, é exemplo dessa situação.
O modus operandi de destruição e táticas de guerra são similares. O envenenamento dos rios e plantações dos indígenas é o procedimento padrão dos latifundiários brasileiros, tal qual recentemente se assistiu ao sul de Hebron, na Palestina. Os soldados israelenses que despejaram concreto em uma fonte de água de camponeses palestinos atuam tal qual os policiais guaxebas do latifúndio que agem como seguranças privados na escolta de colheitas no MS. Impedidos de plantarem e terem suas terras, são igualmente chamados de “terroristas” quando são eles os assinados por reivindicarem o básico da subsistência. Alex Lopes, um jovem Guarani-Kaiowá de 18 anos que colhia lenha, e Bilal Saleh, um camponês palestino de 40 anos que colhia azeitonas, compartilharam o mesmo destino: serem mortos pelas tropas mercenárias de ocupação de seus territórios – pistoleiros a mando do latifúndio e colonos israelenses, respectivamente.
Apesar das diferenças, o que há de comum é que nenhum dos povos tem cessado de lutar, ainda que cada um à sua maneira. “Eles têm o mesmo direito de lutar”, proclamam os Guarani-Kaiowá, numa relevante ênfase naquilo que de fato se mostra principal. Afinal, a cada Istishhad (“morte heroica”), o povo palestino demonstra sua sumud (“firmeza inabalável”) e eleva alto a bandeira de seus mártires – o que é bem visível no nome das Brigadas que compõe a Resistência Nacional Palestina. A cada guerreiro tombado, o povo Guarani-Kaiowá segue mbarete (“forte”): por um lado, enterra seus mortos e, por outro, semeia luta. Significativamente, o mesmo verbo em Guarani usado para “ser enterrado” também significa “plantar” (-jejaty). Isso nos lembra o hino da revolução agrária: “Se a gente morrer nessa luta, o sangue será uma semente”. As sementes vêm claramente florescendo tanto no Brasil quanto na Palestina.
Viva a heroica Resistência Nacional Palestina!
Viva a justa luta Guarani-Kaiowá por seus sagrados territórios!
Viva a luta de todos os povos e nações oprimidas do mundo!
Pelo direito de autodeterminação dos povos!