MS: Guarani Kaiowá resistem às investidas da reação após chacina

MS: Guarani Kaiowá resistem às investidas da reação após chacina

Mais de dez dias depois da Chacina de Amambai, onde tropas da Polícia Militar (PM) a serviço do latifúndio atacaram covardemente dezenas de famílias indígenas em retomadas, ação ilegal que ceifou a vida de ao menos um jovem indígena, a luta dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul (MS) segue em curso e os indígenas resistem bravamente. O enterro de Vito Fernandes contou com a participação de milhares de pessoas que deram demonstrações de combatividade e solidariedade, fato que expressou a disposição do povo Guarani Kaiowá em continuar a defesa dos territórios indígenas através das retomadas, que recentemente se alastraram como resposta ao assassinato de outro jovem indígena, Alex Lopes, na mesma região. 

As famílias das retomadas Jopara, Guapo’y Mirin Tujury, e Kurupy travam uma dura luta contra o latifúndio e seus lacaios, e nos muros de MS já se lê: Todo sangue indígena será vingado! Morte ao latifúndio!

Milhares de pessoas acompanharam o enterro de Vito Fernandes, assassinado durante a Chacina de Amambai. Foto: Reprodução

Enterro de guerreiro tombado e a retomada

No dia 27 de junho, aproximadamente 2 mil pessoas participaram do enterro de Vito Fernandes Guarani Kaiowá, 42 anos, que foi assassinado durante a Chacina de Amambai dentro da Tekoha Guapo’y Mirin Tujury, três dias antes. 

Assim como outros, Vito foi alvejado pela Tropa de Choque da PM, que disparou balas de borracha e armas letais contra os indígenas durante a incursão homicida. 

Após a liberação do corpo, a comunidade permaneceu em resistência velando até que conseguisse enterrá-lo na Tekoha Guapo’y Mirin Tujury. O latifúndio tentou impedir através de uma ação judicial o acesso ao território. Porém, após trâmites legais, realizaram o enterro dentro da retomada.

Uma grande multidão se reuniu no cortejo fúnebre. Cartazes de denúncias, exigências e palavras de ordem como Vamos resistir até o fim! foram levantados pelas massas que entoavam canções tradicionais. Uma faixa exigia justiça para as vítimas da chacina, nela constava o nome de cinco pessoas: Vito, Natiele, Naiara, Vilke e Julio. 

Durante o enterro a polícia ainda estava na região, porém, os indígenas seguiram em resistência. Segundo o Comitê de Apoio à Luta dos Povos Indígenas (Calpi), após o enterro, o povo Guarani permaneceu na fazenda e reergueu a retomadas. Nos dias posteriores, o latifundiário pediu a reintegração de posse, que foi negada.

Após enterro os indígenas reergueram a retomada Guapo’y Mirin Tujury. Foto: Povo Guarani Kaiowá

Em enterro, povo Guarani Kaiowá exige demarcação e justiça. Foto: Reprodução

Mais de 2 mil pessoas prestaram solidariedade durante enterro de jovem indígena assassinado em chacina. Foto: @atyjovemgk

Leia também: Urgente: Tropa de Choque chacina jovens Guarani Kaiowá em Amambai, MS

Quem é o latifundiário que disputa as terras indígenas?

A retomada que deu origem a Tekoha Guapo’y Mirin Tujury foi realizada em 23/06 na chamada Fazenda Borda da Mata, no município de Amambai/MS, a 352 quilômetros de Campo Grande. 

Sobreposta no território indígena, a fazenda – um imóvel declarado com uma área de 269 ha –  pertence à empresa VT Brasil Administração e Participação, cujos proprietários são Waldir Candido Torelli Junior, Rodrigo Adolfi Torelli e Eduardo Adolfi Torelli, filhos do latifundiário Waldir Candido Torelli, fundador do Grupo Torlim. Essa, contudo, não é a única área de Torelli que incide sobre o território reivindicado pelos indígenas. 

Os Guarani Kaiowá denunciam que mais de mil hectares de suas terras foram invadidos pelo latifúndio. O latifundiário Torelli possui dez propriedades em Amambai que somam um total de 3,7 mil ha. A Terra Indígena Amambai já demarcada pelo velho Estado possui apenas 2,4 ha, área onde atualmente vivem mais de 10 mil pessoas.

Além das terras, o latifundiário detém vários frigoríficos e consta na lista dos 500 maiores devedores da União, com dívida ativa acumulada em R$ 493,2 milhões.

Waldir Torreli foi um dos réus na Operação “Jurupari” no ano de 2013; ele era investigado por formação de quadrilha, desmatamento e extração ilegal de madeira. 

Em 2018 a VT Brasil entrou com uma ação contra a Fundação Nacional do Índio (Funai), a União e os Guarani Kaiowá, afirmando que os indígenas estariam “molestando sua posse no imóvel rural Fazenda Borda da Mata”, conforme apurou o portal “De olho nos ruralistas”. Contudo, o judiciário não foi favorável ao latifúndio. 

Esta posição, entretanto, não foi suficiente para frear a ação das tropas da PM que agiram ao arrepio da lei.

Tropas da PM promovem covarde ataque contra retomada Guapo’y Mirin Tujury em Amambai (MS) no final do mês de junho. Foto: Reprodução

Em Naviraí, os Guarani Kaiowá resistem a outras investidas criminosas

No mesmo dia em que ocorria a Chacina de Amambai, a retomada Kurupy em Naviraí (MS) foi alvo de outra ação criminosa. Agentes da PM, junto com latifundiários e pistoleiros, invadiram em 24/06 o território e montaram uma base de operações realizando uma verdadeira caçada contra o povo Guarani que percorreu os dias seguintes.

Em 1º de julho, caminhonetes com pistoleiros adentraram a área, rondando a retomada. Aviões também realizaram voos rasantes sobre o território lançando fogos de artifício. De acordo com denúncias, as forças reacionárias permanecem na região disparando desde a base montada pela PM, contra os indígenas.

A retomada que está sendo alvo desses ataques foi formada no 23/06, quando dezenas de indígenas adentraram a área localizada no macro território Dourados-Amambai Pegua II, em Naviraí, formando a Tekoha Kurupy/Santiago Kue. Os indígenas ocuparam a sede da fazenda Tejuí. 

A cerca de 20 anos, 28 famílias Guarani Kaiowá viviam às margens da BR-163. A retomada aconteceu junto a uma onda de retomadas que se alastraram após o assassinato do jovem Alex Lopes, de 18 anos. O jovem foi atingido por tiros, que segundo as denúncias da comunidade, foi disparado pelo latifundiário que ocupava o território indígena em Coronel Sapucaia (MS). No dia seguinte ao assassinato, os indígenas retomaram as terras onde ocorreu o crime formando a Tekoha Jopara.

A retomada Kupuri segue em resistência, tensionados para resistir à mobilização das tropas reacionárias. Uma grande faixa localizada na retomada aponta o ultrarreacionário Bolsonaro como assassino, denuncia o Marco temporal e exige: Fora latifúndio de nosso território!

Faixa estendida na retomada Kurupy denuncia os reacionários. Foto: Cimi

Indígenas clamam por justiça

Em nota intitulada “Nosso sangue clama por justiça!”, a Aty Guasu, grande assembleia dos Guarani Kaiowá, afirma que em mais uma ação ilegal a PM tem agido como cão de guarda do latifúndio e do velho Estado. “Foram atacados crianças, jovens, idosos, famílias que decidiram, depois de muito esperar sem alcançar seu direito, retomar um território que sempre foi deles e que foi roubado no passado de nosso povo”, denuncia.

A Aty Guasu, em declarações durante o enterro de Vito, reafirmou a decisão de lutar e resistir e, se preciso morrer, até o último Guarani e Kaiowá em defesa de seus territórios. “Nós, da Aty Guasu, levaremos a todas as esferas esse Massacre e não desistiremos até que os responsáveis sejam punidos e responsabilizados”, declararam.

O povo indígena declarou que com sangue farão a demarcação e recuperarão as terras indígenas invadidas pelo latifúndio genocida, deixando explícito que já não esperam do velho Estado e suas políticas latifundistas garantir os direitos dos povos. Demonstrações de solidariedade e apoio à resistência dos indígenas Guarani Kaiowá em MS, se erguem por todo país.

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