PM ataca indígenas guarani kaiowá durante tentativa de impedir retomada. Foto: Tekoha Laranjeira Nhanderu
No dia 26 de fevereiro, uma grande retomada foi realizada pelos indígenas do povo Guarani e Kaiowá do tekoha Laranjeira Nhanderu, localizado no município de Rio Brilhante, estado de Mato Grosso do Sul (MS). O povo indígena iniciou a retomada das terras após passarem quase duas décadas impedidos de lá viver. Após a retomada o batalhão de choque da Polícia Militar (PM) tentou executar um despejo ilegal. A ação truculenta, feriu cinco indígenas, porém não cessou a luta do povo que na tarde do mesmo dia bloqueou a rodovia BR-163 em protesto contra os ataques, decididos por resistir.
A retomada
A retomada foi realizada durante a madrugada do dia 26/02. A ação foi decidida coletivamente pela comunidade indígena após 15 anos de longa espera decorrente da morosidade do judiciário no processo de demarcação das terras indígenas, iniciado no ano de 2007. No meio deste processo, os indígenas enfrentaram diversas tentativas de despejo.
O povo Guarani e Kaiowá estava vivendo em uma pequena faixa à margem de suas terras, próxima a “fazenda Santo Antônio”, vizinha da fazenda “Inho”, terras as quais o latifundiário Ramão Alves Leite, pai do vereador Adão Evandro Leite (DEM), alega ser proprietário.
Entretanto, a fazenda reivindicada pelo latifundiário Ramão está sob áreas correspondentes ao Território Indígena (TI) que aguarda a demarcação.
O ataque da PM
Um indígena que não quis se identificar por conta das perseguições políticas, contou, em entrevista ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que no decorrer da manhã do dia da retomada, latifundiários foram até o tekoha e disseram que era só “meter bala” que tudo terminava. Esta foi uma forma de intimidar a luta dos indígenas. Eles concluíram a ameaça alegando que iriam articular com outras “pessoas” e que voltariam em peso pela tarde.
Os agentes do choque da PM deslocaram-se 160 km, da capital (Campo Grande), até o município de Rio Brilhante, sem mandado judicial para tentar impedir a retomada. De acordo com relatos, os guaranis e kaiowá durante a tarde foram surpreendidos com a tropa de choque. Os agentes militares chegaram ao local e, atrás de escudos de proteção, lançaram bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha, atingindo as famílias indígenas.
Todo o ataque foi registrado em vídeos pelos indígenas. Nas filmagens, é possível escutar os barulhos das bombas e o desespero das crianças, além das falas dos policiais ordenando aos indígenas irem “para trás da cerca” que delimita o latifúndio.
Durante a ação truculenta executada pelos policiais, alguns indígenas foram atingidos por balas de borracha no joelho, nádegas e barriga. Em decorrência do lançamento de gás lacrimogênio, idosos passaram mal.
Uma liderança da comunidade definiu a ação como prática do velho Estado que toma partido em benefício do latifundiário e em detrimento da comunidade indígena que reivindica a demarcação territorial.
Indígenas seguem resistindo e realizam bloqueios em BR
Após o ataque do batalhão do choque, os indígenas do tekoha Laranjeira Nhanderu não ficaram intimidados e se mantiveram resistentes na retomada de suas terras e contrários à tentativa de criação de assentamento dentro dos limites do território indígena.
Os guarani e kaiowá bravamente organizaram uma manifestação onde bloquearam a rodovia federal, BR-163, na tarde do dia 26/02. A interdição durou cerca de 1h.
Quase duas décadas de espera
Em 2009, dois anos depois do pedido de titulação das terras feita pelos indígenas, os guaranis e kaiowá do tekoha Laranjeira Nhanderu sofreram um despejo com ação truculenta promovida pelo aparato de repressão do velho Estado, que resultou em centenas de famílias indígenas às margens da rodovia impedidas que estavam de viver em suas terras originárias.
No ano de 2011, os indígenas retomaram parte de seu território, última área de mata nativa que ainda não foi destruída pelo latifúndio.
Latifundiário é denunciado
Segundo denúncias da comunidade indígena, durante todos esses longos anos de espera de reconhecimento do TI, o latifundiário Ramão impôs ameaças e restrições aos indígenas, impossibilitando-os de realizar qualquer plantação.
O latifundiário também impediu o acesso da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que atenderia as famílias do tekoha, além de ser alvo de diversas acusações de despejo aéreo de agrotóxicos sobre o acampamento Kaiowá.
De acordo com os relatos das comunidades indígenas, o latifundiário Ramão, antes da retomada havia se deslocado pessoalmente em duas áreas da tekoha Laranjeira Nhanderu. O latifundiário buscava que as lideranças indígenas afirmassem que a área da fazenda “Inho” não estava localizada em território indígena. Veementemente os indígenas negaram qualquer anuência solicitada pelo latifundiário.
Nos documentos apresentados pelo latifundiário, a fazenda aparecia como a área pretendida para criação do futuro assentamento, uma articulação do latifundiário Ramão com o seu filho, o vereador Adão (DEM), a deputada estadual Mara Caseiro (PSDB), a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul (Agraer).
No projeto inicial, o plano do latifundiário consistia em vender as terras que alega ser “proprietário” para o velho Estado, transformando o TI em assentamento que levaria o nome do avô do vereador Adão. O assentamento chamaria Sebastião Leite. As famílias cadastradas financiariam os lotes através do crédito fundiário, enchendo assim os bolsos do reacionário.
O velho Estado age por meio da prática intencional e premeditada, utilizando-se da vulnerabilidade do povo, negando o próprio direito à terra. Tudo para beneficiar os grandes latifundiários, beneficiados pela relação promíscua entre agentes da “justiça”, delegados de polícias, e políticos reacionários.