Servidores protestaram com mordaças na boca na Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, contra o repasse da administração de Hospitais para OSs, em 2019. Foto: Banco de Dados AND
Apesar da alegada falta de verbas para o Sistema Único de Saúde (SUS), o governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB) avança a entrega dos hospitais públicos geridos pelo sistema público de saúde para grandes corporações privadas chamados Organizações Sociais da Saúde (OSS), que tiveram início no estado em 2015.
No dia 24 de abril, a Secretaria Estadual de Saúde anunciou que o Instituto Social Mais Saúde será a OSS responsável pela administração do Hospital Regional de Cirurgias da Grande Dourados.
A corporação receberá R$ 42,9 milhões por cinco anos, totalizando cerca de R$ 8,5 milhões anuais somente por essa unidade.
O hospital localizado em Dourados (MS), distante cerca de 230Km da capital, Campo Grande, teve sua obra concluída em 2015, porém ficou sem funcionar por dois anos. O hospital tem sua estrutura voltada para atender demandas de média e baixa complexidade dos 34 municípios da região. Atualmente possui 27 leitos e capacidade para realizar 220 cirurgias mensais. Desde sua inauguração, em 2015, esta já é a quarta OSS que assume a unidade.
A OSS Instituto Social Mais Saúde sediada em São Paulo (SP) foi fundada em 2013 tendo atuação hoje também no Hospital e Maternidade Regional de Ibirité (MG), no Hospital Waldemar das Dores e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Barão de Cocais (MG), além de unidades de saúde em Rio Acima (MG) e a Santa Casa de Suzano (SP).
Contudo, a gestão realizada pela referida OSS em Marechal Floriano (ES), distante cerca de 55 Km de Vitória (ES), chama atenção. Apesar do pouco tempo de fundação da OSS, esta gerencia e executa todas as atividades da Atenção Básica municipal que incluem a Estratégia de Saúde da Família (ESF), assim como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), toda a Saúde Bucal, Saúde Mental e a Academia da Saúde. Além disso, fornece e gerencia todos os medicamentos da cidade, assim como administra também a UPA. Ou seja, com menos de 10 anos de existência, a OSS assumiu uma fatia considerável do sistema médico-hospitalar que atende os mais de 16 mil habitantes de Marechal Floriano.
Inicialmente, o hospital foi entregue para a OSS Associação Beneficente Douradense que recebeu R$ 1,2 milhão, a qual também atua no Hospital Evangélico de Dourados (MS). Contudo, em novembro de 2016 a organização deixou de realizar atendimentos alegando falta de recursos.
O governo do Mato Grosso do Sul, à época já gerenciado por Azambuja (PSDB), só reabriu o hospital em maio de 2018, entregando-o para a OSS Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (GAMP) que recebeu cerca de R$ 8,5 milhões anuais pela gestão. Contudo, em junho de 2019 anunciou o encerramento das suas atividades em todo o país alegando dívidas.
Ainda em junho de 2019, o Hospital Regional de Dourados (MS) foi entregue para a OSS Instituto de Ação, Cidadania, Qualidade Urbana e Ambiental (Acqua) que recebeu cerca de R$ 4,2 milhões por seis meses. Em dezembro de 2019, seu contrato foi renovado pelo mesmo valor e por mais seis meses. A OSS Acqua, sediada em Santo André (SP), atua também no Hospital Regional de Ponta-Porã (MS), Maranhão e Paraíba, tendo em seu histórico a gestão de cinco penitenciárias de São Paulo no período de 2015 a 2019.
A OSS GAMP, fundada em 2006 com sede em São Paulo (SP), atuava no Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Em uma situação no mínimo suspeita, figuram na ata de fundação da GAMP alguns profissionais que exercem atividades profissionais bem distintas das esperadas para uma empresa responsável pela gestão de recursos e unidades de saúde: um motorista semi-alfabetizado, que ocuparia o cargo de diretor-geral; uma equipe de conselheiros da diretoria executiva conformada por uma costureira, uma recepcionista, um mestre de obras, um ajudante geral, uma operadora de telemarketing, um cozinheiro, um montador, um manobrista e um motoboy; além de um estudante universitário ocupando o posto de diretor-presidente.
Em comum, todos apresentam residência em municípios diferentes e distantes entre si, como Cotia (SP), São Paulo (SP), São Caetano do Sul (SP), Caucaia dos Altos (SP), Unaí (MG) e Taguatinga (DF).
Em 2016, a Prefeitura de Canoas (RS) gerenciada à época por Jairo Jorge da Silva/PT, assinou um contrato de R$ 16 milhões com a GAMP entregando à empresa a gestão total das unidades do município por cinco anos, sendo estas o Hospital Universitário (HU), Hospital de Pronto Socorro (HPSC); duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Em 2018, o valor do contrato foi acrescido, totalizando R$ 1 bilhão para atuação nas mesmas unidades.
Em abril de 2017, uma das lideranças sindicais do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul (SIMERS), Clarissa Bassin, já denunciava o avanço da precarização dos Hospitais de Canoas (RS) administrados pela GAMP.
“Nunca se viu o que tivemos nesses quatro meses de gestão do Gamp. A desassistência já começou em Canoas. O que está acontecendo aqui é a desestruturação de um serviço reconhecido por sua qualidade. Não há condições de continuar dessa forma”, denunciou Clarissa em entrevista ao monopólio de imprensa.
Já em dezembro de 2019, os trabalhadores do Hospital de Trauma em João Pessoa (PB), uma das unidades administradas pela OSS Instituto Acqua, paralisaram suas atividades em protesto pelo pagamento dos salários que estavam atrasados há cerca de dois meses.
Troca-troca de OSS se repete nos outros hospitais
Em janeiro de 2019, o governo de Reinaldo Azambuja (PSDB) no Mato Grosso do Sul anunciou a entrega do Hospital Regional Dr. José de Simone Netto para a OSS Acqua que recebeu cerca de R$ 27,1 milhões por seis meses de contrato. Em março de 2020, a OSS foi efetivada na administração da unidade. Agora, cerca de R$ 269,9 milhões serão pagos pelo contrato de 60 meses, ou seja, cerca de R$ 4,5 milhões mensais.
O hospital, localizado em Ponta Porã (MS), distante cerca de 300 Km de Campo Grande, possui 129 leitos para atendimentos de urgência e emergência, internação, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além de consultas médicas.
A troca ocorreu devido ao não pagamento dos trabalhadores da unidade pela antiga OSS Instituto de Gestão em Saúde (GERIR) que atuou no período de agosto de 2016 até janeiro de 2019, recebendo cerca de R$ 98,6 milhões.
Ao final de todo esse processo de troca, os trabalhadores da saúde deixaram de receber cerca de R$ 8 milhões referentes a direitos trabalhistas.
Apesar da pandemia a privatização do SUS avança por todo o país
O AND vem denunciando esse processo acelerado de privatização do SUS. Mesmo em meio à grave crise econômica e sanitária, o velho Estado e seus gerentes de turno continuam entregando milhões de reais para grandes corporações que administram as OSS, aumentando ainda mais o capital destas e ignorando a evidente precarização do serviço de saúde destinado ao povo. Trata-se de uma transferência bilionária de dinheiro público para essas grandes corporações, que enriquecem à custa da exploração dos trabalhadores e do péssimo serviço.
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