Presidente da Funai executa a bravata de Bolsonaro e anula demarcação de terra Guarani no oeste do Paraná
O presidente da Funai, Sr. Marcelo Augusto Xavier da Silva, anulou o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de Terra Indígena (RCID) Ava-Guarani Guasu Guavirá, nos município de Guaíra e Terra Roxa (PR), que demorou 09 anos para ser concluído, a fim de fazer valer a política do atual governo de nenhum centímetro de terra a mais para os indígenas, conforme discurso proferido em dezembro de 2018 pelo atual presidente.
O presidente da Funai ignorou por completo todas as decisões judiciais que obrigaram a Funai a concluir os estudos de identificação e delimitação, que foram concluídos e publicados em 15 de outubro 2018. Deu as costas para a dura e violenta realidade que vivem as 14 comunidades Guarani, com mais de 3 mil pessoas, afetadas por essa decisão.
O presidente da Funai argumentou, em sua decisão, que estaria cumprindo exigências de decisão proferida, em 17 de fevereiro de 2020, em primeira instância, pelo Juiz Federal de Guaíra que anulou o RCID (Ação de nº. 5001048-25 2018 4 04 7017), movida pela Prefeitura Municipal que questionou a identificação da TI por ela não ter participado do processo de identificação. O correto seria a Funai ingressar nas instâncias superiores da justiça com agravo na decisão do Juiz, porque é dever constitucional do órgão defender os bens da União e a terra indígena é um bem da união, mesmo sendo de usufruto exclusivo dos indígenas. Porém, percebe-se claramente que a Funai abdicou da defesa do bem público em favor de particulares, porque o processo movido pela prefeitura, tinha como propósito defender o interesse de particulares.
Casos semelhantes, julgados no estado do Mato Grosso do Sul, o Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1), de São Paulo, anulou a decisão dos juízes locais, justamente porque não pode um ente público ingressar com ações para defender os interesses privados. A Funai, no entanto, preferiu acatar sem questionar. Fica a nítida impressão que para a Funai, acima da defesa da Constituição, estão os interesses privados. É importante informar que a Prefeitura foi convidada para participar do Grupo Técnico o que o fez de diferentes maneiras.
Para os Guarani da região essa foi uma atitude covarde do presidente da Funai que deveria ser cuidadosa com a legislação e proteger a população Guarani que está vulnerável, ainda mais nesse momento de quarentena por conta da pandemia do Corona vírus. O Cimi e outras entidades se manifestaram tecendo duras críticas a decisão, agravada por se dar justamente num momento que as comunidades estão mais fragilizadas.
O Processo de demarcação da TI Guasu Guairá
As 14 comunidades ou Tekoha Guarani afetadas pela medida, lutaram há décadas para ser reconhecidas. A região, faz parte do Oeste do estado do Paraná, fronteira com Mato Grosso do Sul e Paraguai, lugar em que a arqueologia identificou os vestígios mais antigos dessa população, podendo afirmar que a região é o berço do povo Guarani. Na região também se deu início as reduções dos padres Jesuítas da Província do Paraguai, em 1610, que resultou em mais de 30 cidades, transladadas mais ao sul por conta dos ataques dos sanguinários bandeirantes paulistas.
Uma parcela significativa da população Guarani ficou vivendo livremente na região até que voltam a serem importunados no início do século XX com a exploração de erva-mate, novos mercenários chegam à região e exploram a mão de obra e as terras Guarani. Mas a perda da terra vai ocorrer definitivamente a partir dos anos 1940 quando o governo do estado do Paraná entregou todas as terras da região a empresas privadas. Inclusive o povo indígena Xetá, que vivia um pouco mais ao norte, contatado nesse período, foi logo extinto e suas crianças entregues a famílias de brancos para ser adotadas.
A ação do SPI (até 1967) e da Funai foi de transferir as comunidades Guarani da região para terras Kaingang no Paraná, ou mesmo para reservas Guarani no MS. Como a construção da Hidrelétrica Itaipu Binacional (1983), várias comunidades são afetadas. Números indicam que na margem direita do rio Paraná (Paraguai) formam 36 comunidades e na margem esquerda outras 19. Não foram indenizados ou mitigados. Em tempos da Ditadura Militar ocorreram genocídios com essa população.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, e o fim da tutela, ganha corpo a reivindicação dos Guarani pela demarcação das terras. Porém, depois de muitas disputas administrativas e judicias, a Funai é obrigada a constituir um grupo técnico, em 2009 (Portaria Funai 136/2009 e 139/2014 e 402/2014). Novas disputas administrativas e judicias ocorreram ao longo ao processo. E finalmente em setembro de 2018 o Relatório é publicado, identificando e delimitando uma área de 24.028 hectares, ocorre que cerca de 19 mil hectares incidem em terras registradas em nome de particulares, a sua grande maioria griladas e vendidas aos atuais proprietários.
Nesses últimos 20 anos as violências só aumentaram, primeiro pela desassistência e exploração da mão de obra depois pelas agressões físicas quando teve início o processo. A elite local fez campanhas públicas com outdoor na cidade contra a demarcação das terras. A ação desses setores tinha como propósito insuflar a população local contra os Guarani. Denúncias de discriminação já são rotineiras, porém elas se transformam em agressões físicas, como vem demonstrando os Relatórios de Violência contra os Povos Indígenas editado anualmente pelo Cimi. De acordo com o Cimi no último semestre aumento os casos de violência, sendo “registrado um atropelamento, uma tentativa de atropelamento de dois Guarani, duas tentativas de assassinatos, um assassinato, duas invasões da TI e ameaças de morte”, além das omissões no atendimento a educação escolar e saúde.
Essas mais de 3 mil pessoas estão vivendo em barracos, amontoados nos pequenos espaços de terra nos últimos fragmentos de mata na região em meio a soja e o gado. Ao menos duas comunidades foram cercadas pelas cidades e hoje tornaram-se bairro periférico de Guaíra. A sobrevivência é uma luta diária.
O RCID, que ainda não era a demarcação e homologação, mas significava um passo importante de reconhecimento histórico e contemporâneo, possibilitava a criação de infraestrutura básica como posto de saúde e escolas, mas agora está anulado.
Pelo contexto histórico, é muito provável que aumente a violência pela expulsão das comunidades tanto com ações de particulares, como com medidas de reintegração de posse.
Em tempos em que a violência contra os povos indígenas é incentivada pelo governo federal, conforme se manifestou a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB), a decisão do presidente da Funai é um salvo conduto para aqueles que querem praticar os crimes. É deixar as comunidades mais vulneráveis ainda às ações genocidas que remontam o período colonial.
O presidente da Funai, Sr. Marcelo Augusto Xavier da Silva (no centro da imagem). Foto: Banco de dados AND.