
'Pelo fim da Brigada Militar', anuncia faixa dos manifestantes
1. O monopólio RBS
Que os monopólios de comunicação servem aos grandes interesses econômicos e manipulam informações inescrupulosamente, é algo que quase ninguém questiona. Outra coisa é constatar isso na prática e sentir essa manipulação na própria pele. O que Zero Hora, Diário Gaúcho, RBS TV e as rádios Gaúcha, Itapema e CBN fizeram com os rodoviários em greve deixou marcas que se refletirão sobre sua própria capacidade de direcionar a opinião pública daqui por diante.
Durante os 15 dias de paralisação, tudo que esses veículos fizeram foi clamar histericamente pela repressão policial aos grevistas e jogar a população contra eles bombardeando-a dia e noite com histórias sobre os transtornos (reais) vividos por quem depende do transporte coletivo. ZH chegou ao ponto de ativar seus velhos vínculos com o aparato repressivo para promover a insubordinação policial militar, publicando artigos e declarações de um oficial (José Carlos Riccardi Guimarães) e um praça (Aparício Santellano), ambos dirigentes de associações das respectivas categorias de brigadianos, em prol do uso da força para acabar com a greve. Santellano chegou ao cúmulo de ameaçar os grevistas com o surgimento de “uma milícia para garantir a segurança”.
Enquanto isso, a incúria e a ganância do monopólio estadunidense AES – que controla o abastecimento de energia em parte do estado – deixavam três municípios da região metropolitana (Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha) sem luz (logo, também sem água) por até 6 dias. Em vez de exibir em detalhes o sofrimento da população atingida e exigir algum tipo de intervenção, Zero Hora noticiava a “eficiência” da AES em reduzir dos 91 mil iniciais para “apenas” 40 mil o número de pessoas sem água e luz após três dias e 15 mil após 5 dias. A falta de luz e água repetiu-se também em outros municípios da grande Porto Alegre.
2. O Poder Judiciário

A juventude gaúcha em luta contra a máfia dos transportes
Tampouco apareceu algum juiz para multar a AES em R$ 100 mil por dia com bloqueio em conta até o restabelecimento do serviço, como a doutora Ana Luíza Heineck Kruse, fez com o sindicato dos rodoviários. Muito menos policiais dispostos a formar milícia para esse fim.
A atuação da vice-presidenta do TRT durante a greve deixa patente a que interesses de classe serve o Poder Judiciário. Claro que os juízes não são um bloco monolítico e há, entre eles democratas autênticos. Em situações mais delicadas de conflito social, porém, o que prevalece é um viés conservador e autoritário que mal disfarça a que serve: ao mesmo tempo em que invocava a defesa do direito de ir e vir da população para impor medidas draconianas aos grevistas, a dra Ana Luíza cortava a palavra do presidente da comissão de negociação, Alceu Weber, toda vez que ele tocava em assuntos como a qualidade do serviço ou o preço da passagem porque, no seu entender,esses temas não dizem respeito à relação de empregador e empregado.
Mas se certas técnicas de intimidação podem ser eficazes numa audiência em que o (a) juiz (a) tem diante de si apenas um trabalhador que reclama a título individual e seu advogado, outra coisa é o que acontece quando se tem uma categoria unida e consciente. A juíza tentou impor seus termos aos rodoviários e não conseguiu. Isso terá, naturalmente, consequências sobre a legitimidade do TRT para a resolução de impasses futuros dos rodoviários ou de qualquer outra categoria.
3. O governo estadual petista
É verdade que o governo estadual, encabeçado por Tarso Genro, não fez tudo o que o patronato e a RBS exigiam, até porque interessa-lhe desgastar o prefeito Fortunati, já que PT e PDT são agora rivais no RS. Sua atuação, no entanto, está longe de ter sido meritória.
Primeiro, chama a atenção a leniência diante dos desacatos e ameaças formulados pelos policiais militares escalados pela RBS para pedir a repressão. Diante disso, a reação de Tarso e de seu secretário, Airton Michels, foi nenhuma.
Segundo, se não jogou a Brigada Militar em cima dos rodoviários, o governo não deixou de acioná-la para reprimir as manifestações do Bloco de Lutas em apoio a eles. No dia 31, quando a manifestação se dispersava, a Brigada Militar cercou o bairro boêmio da Cidade Baixa, provocando e ameaçando seus participantes. A urbanista Cláudia Favaro, do Comitê Popular da Copa, foi detida e revistada nua em local público (um bar). Na assembleia do Bloco realizada no dia 12, o filho de 7 anos de Lorena Castillo, integrante do movimento, foi abordado e ameaçado por um policial à paisana.
Tarso e Michels podem até ter escapado do círculo do inferno reservado aos que derramam sangue (Flagelonte). Está assegurado, no entanto, seu lugar no dos pusilânimes.
4. A burocracia sindical
Durante a greve, dirigentes sindicais de maior e menor hierarquia tentavam sabotar o movimento nas garagens, infundindo nos trabalhadores o medo de ser demitidos ou ter o salário descontado. Ao mesmo tempo, frequentavam os jornais, rádios e TVs da RBS para acusar os que mantinham a paralisação de infiltrados, no melhor estilo macartista. Aconteça o que acontecer, será no mínimo constrangedor para eles encarar a categoria depois de ela ter conseguido, com a continuidade da greve, muito mais do que eles diziam ser possível conseguir quando pediam seu fim.
Ah, sim, faltaria falar do cartel empresarial e da prefeitura. Mas pensando bem, eles já não tinham mesmo qualquer credibilidade, ainda antes da greve.