
O atual governo continua seguindo apolítica macroeconômica do antecessor. De verdade, com relação a salários, nada mudou no governo Lula até agora. Se olharmos os primeiros seis meses deste ano, meses que já têm estatísticas neste momento, notamos um aumento de salário nominal e real para o trabalhador. Mas se pegarmos o período de uma no — junho 2002/junho 2003 — veremos que continua havendo perdas salariais e que este número aumentou. Nota-se que não existe uma política específica para salário.
Isso é o que afirma o economista do Dieese/RJ (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócios Econômicos do Rio de Janeiro), Adhemar Mineiro. Segundo ele, esse aumento, em curto prazo, do salário nominal e real do trabalhador notificado pelo governo aparece porque esses primeiros seis meses do ano — governo Lula — são comparados ao salário de dezembro do ano passado, quer dizer, o último do governo Fernando Henrique, parecendo que houve melhora por causa do medíocre reajuste de abril. No entanto, quando se compara junho de 2002 a junho de 2003, aparece a realidade: o salário do trabalhador está valendo menos. O seu poder aquisitivo diminuiu ainda mais.
O artifício do “aumento ”
“Esses reajustes vêm sendo dados, nos últimos anos, no nível da inflação anterior ou um pouco mais do que isso. Como a inflação é prevista para um ano, se olharmos somente um semestre, veremos registrados que aquele período foi melhor do ponto de vista da renda do trabalhador. Porém, quando olhamos para o período de um ano, vamos ver quedas”, argumenta.
Adhemar, que já foi presidente da Associação de Economistas da América Latina e Caribe, explica que o primeiro semestre do ano apresenta um aumento no nível de rendado trabalhador, porque está impactado pelo aumento de 20% do salário mínimo, que ocorreu em abril. Porém, isso não produz compensação na economia em um período mais longo. A queda salarial é bastante previsível numa economia com altas taxas de desemprego e, consequente fragilização por parte do trabalhador na hora da negociação de salário com o empresariado.
“Com uma alta taxa de desemprego influenciando no poder de barganha do trabalhador— é o trabalhador que está disputando o emprego, e não o empregador que está disputando o trabalhador — ele fica sem escolha e acaba aceitando trabalhar por salários cada vez mais baixos, porque vender a sua força de trabalho é sua única forma de sobrevivência”, expõe.
O economista diz também que esse aumento de renda no primeiro semestre tem acontecido há vários anos, desde que os reparos no salário mínimo passaram a ser efetuados sempre nos meses de abril/maio. Quer dizer, esse aumento irreal da renda do trabalhador já acontece desde governos passados, não sendo uma novidade do governo Lula. O ex-presidente Cardoso também poderia, facilmente, demonstrar números positivos quanto à renda do trabalhador nos primeiros meses de 2002 comparados a dezembro de 2001.
Adhemar Mineiro deixa claro que está falando de salários até o limite do salário mínimo, e quem tinha chance de ganhar um pouco mais vai tendendo a voltar para esse limite, passando a existir mais gente perto do piso. “Isso é muito desconfortável. Esse piso mínimo, além de insuficiente para aqueles que o recebem, influencia negativamente pessoasdo setor informal da economia, como faxineiras diaristas, lavadores de carros e outros. Elas começam a não conseguir renda para todos os dias da semana, pelo fato de ter diminuído a renda daqueles que antes contratávamos seus serviços”, adverte.
Segundo Adhemar, o salário mínimo, quando foi criado, não era apenas um, mas vários. “Antes havia muitas variações: por região, categoria profissional, etc. Inclusive, o salário mínimo profissional ou piso mínimo profissional, que existe até hoje para muitas categorias, como engenheiros, advogados, médicos e mais, derivou desse primeiro salário mínimo. Foi um longo processo de unificação que culminou, nos anos 80, comum único salário mínimo. ”
O efeito dominó
O primeiro salário mínimo, com suas variações, surgiu no Brasil em meados da década de 30. A Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o decreto-lei nº 399 de abril de 1938 regulamentaram a sua instituição. O decreto-lei nº 2162, de 1º de maio de 1940 fixou os valores destesalário, que passaram a vigorar a partir do mesmo ano. O país foi dividido em 22 regiões— os 20 estados existentes na época, mais o território do Acre e o Distrito Federal. Além disso, todas as regiões que correspondiam a estados foram divididas em sub-regiões, num total de 50, fixando-se um valor para cada uma delas, dando um total de 14 valores diferentes para todo o Brasil.
Todos os gastos do trabalhador contavam no cálculo dos primeiros salários mínimos antes da unificação. Na verdade, teoricamente continuam contando, já que na Constituição em vigor, de 1988, ele é definido nas mesmas bases da sua criação:
Capítulo II dos Direitos Sociais, Art. 7º, Parágrafo IV
Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
Segundo o Dieese, com base no maior custo da cesta básica 1, e levando em consideração o preceito constitucional que determina as necessidades que este salário deve suprir para a manutenção do trabalhador e sua família, o valor do salário mínimo mensal necessário, estimado em agosto, deveria ser de R$ 1.359,03, ou seja, 5,66 vezes o piso vigente.
1 Cesta básica: conjunto de gêneros alimentícios que compõe a chamada ração essencial mínima, conforme definida no decreto-lei 399, de 30de abril de 1938, que conta com 13 produtos: carne, leite, feijão, arroz, farinha de trigo ou de mandioca, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e manteiga.