
Haitiana funcionária de uma das sweat shops
Montanhas de dólares destinados ao Haiti como ajuda mundial após o terremoto de janeiro de 2010, que deixou 250 mil mortos e mais de um milhão de desabrigados, foram desviados por uma Comissão e um Fundo “humanitário” ianques dirigidos pelos ex-presidentes Bill Clinton e George W. Bush para a construção de hotéis de luxo.
Além disso, hoje, enquanto boa parte do povo haitiano segue passando fome e ocupando espaços imundos em barracas superlotadas, as corruptas “autoridades” locais, subalternas das potências capitalistas, sustentam a logística da maioria das 10 mil ONGs presentes no país, cujo custo consome nada menos que 60% do orçamento oficial.
Estas denúncias foram publicadas na internet em 19 e 22 de janeiro passado, pelos sítios Rebelión e Nodal, através do artigo Haiti 5 anos depois, de Fabrizio Lorusso. Italiano morador no México, este jornalista com mestrado em Economia/Comércio e doutorado em Estudos Latinoamericanos esteve no Haiti no pós-cataclismo, e desde então acompanha os crimes que o imperialismo vem cometendo na semicolônia, bem como a combativa resistência de um povo que não se entrega.
Para onde foi o dinheiro?

Bush e Clinton em visita ao Haiti
Publicamos a seguir uma síntese/adaptação do artigo de Lorusso.
Açoitado de maneira brutal por um sismo, o Haiti tem vivido na miséria nos últimos 5 anos. (E apesar de políticas assistencialistas e doações), os fundos foram desviados para a construção de hotéis de luxo, enquanto o país segue imerso na pobreza. Em 2014, a crise política que culminou com a renúncia do primeiro-ministro Lamothe teve como desenlace uma onda de manifestações populares e dezenas de presos políticos. O presidente Martelly “suspendeu” o parlamento em 13 de janeiro (último) e agora pode governar por decreto.
(...) Depois do terremoto começou uma hipócrita competição de solidariedades. Quem doaria mais? A ONU, governos, empresas, cidadãos, sítios da web, associações e ONGs verteram uma massa de promessas estimadas em cerca de 11 bilhões de dólares. Depois de um ano, só 5% disso tinham sido enviados e a verdadeira competição se deu então (entre companhias apadrinhadas por “doadores” capitalistas) para ganhar licitações de obras.
A gestão dessa dinheirama foi outorgada à Comissão Interina para a Reconstrução, dirigida pelo ex-presidente dos USA, Bill Clinton. Portanto é fácil entender quem manda, na realidade, no uso das doações. Apesar do fluxo de dinheiro prometido, a remoção dos escombros demorou mais de 4 anos.
Hoje mais de 80% destes foram eliminados, porém a reconstrução foi orientada à edificação de luxuosos hotéis, empresas maquiladoras (superexploração da mão de obra local) e fábricas têxteis que se dedicam mais a beneficiar investidores estrangeiros do que a resolver as necessidades da população. (OBS: As maquiladoras estão entre as conhecidas como sweatshops, ou seja “fábricas miseráveis”, implantadas por empresários do USA que pouco respeitam o salário mínimo nacional de 4,5 dólares por dia, por si já muito baixo.)
Em 2012, quando meio milhão de pessoas ainda viviam em barracas, um “fundo humanitário” de Clinton e George W. Bush destinou 2 milhões de dólares ao hotel Royal Oasis. Depois, ainda com 300 mil desalojados na capital, a Corporação Financeira Internacional, integrante do (“solidário”) Banco Mundial, optou por financiar um novo Hotel Marriott.
Ambos estarão em boa companhia: graças aos fundos da solidariedade internacional e a benefícios fiscais invulgares, a ianque Best Western e a espanhola Occidental Hotels & Resorts “ressurgirão” dos detritos pelo “bem estar” turístico da ilha.
(É assim que) mecanismos de cooperação e fatias das doações servem como engrenagens na abertura de novos mercados, atrativos para as transnacionais e firmas da elite (burguesa) nacional.
Resistência camponesa

Em meio à fome, USA deu U$2 mi para construção de hotel
(...) Em 2014 e 2015, com 140 mil pessoas ainda espalhadas por 243 campos de desalojados (e enfrentando uma epidemia de cólera que já provocou 9 mil mortes e 750 mil contágios), a meta internacional não é a construção de casas populares, e sim projetos hoteleiros e a expropriação/privatização das costas e ilhas haitianas, como é o caso da Île à Vache. Este pequeno paraíso tornou-se alvo de empresários ianques e dominicanos, entre outros.
Mas o Coletivo de Camponeses de Île à Vache (KOPI), fundado em 2013, tem lutado para defender os moradores da emigração forçada (OBS: Quantos deles não estão vindo ao Brasil?), da expulsão de suas próprias terras e da crise alimentar e ambiental que os mega-projetos turísticos estão acarretando: desmatamento, redução dos cultivos e 20 mil habitantes removidos pelos policiais das “brigadas motorizadas”, em troca da promessa de 2 mil empregos, auspiciados pelos operadores turísticos na região, e por 1.500 residências que ocuparão inteiramente as costas da ilha.
(...) A imprensa mundial tende a apresentar os problemas do Haiti de maneira tendenciosa, como se a pobreza endêmica, o desmatamento, o cólera, etc, tenham sido produzidos por um povo inconsciente ou por um clima adverso.
(Por outro lado tal imprensa) minimiza as responsabilidades de governos e agências estrangeiras que repartem entre si as doações, os programas e os benefícios, e das multinacionais que dominam a economia da ilha.
O mesmo acontece com o papel corrupto da (chamada) elite política nacional, aliada das potências mais influentes na história haitiana, como França, USA e Canadá. Pouco se fala dos esbanjamentos e custos logísticos das mais de 10 mil ONGs presentes no Haiti que, na maioria dos casos, constituem mais de 60% do orçamento.
(...) Também a militarização é um fato inconteste pouco mencionado. O território haitiano é ocupado por exércitos estrangeiros cada vez que há alguma crise, como sucedeu após o terremoto, quando chegaram mais de 20 mil marines ianques. Além de tudo o Haiti é controlado permanentemente por uma força internacional, a MINUSTAH (OBS: Da qual o Brasil faz parte).
A ingerência desta milícia policial-militar forânea foi justificada pela suposta violência das cidades haitianas e dos conflitos políticos internos que gerariam instabilidade em toda a região.
(Porém) o Haiti não é um país violento: sua taxa de homicídios é de 7 por 100 mil habitantes, enquanto a média no Caribe é de 17, no México é de 24 e em Honduras 91.
(*) Tradução, síntese/adaptação do artigo.