
Manolis Glezos em manifestação contra políticas de arrocho da UE
A crônica do oportunismo fantasiado de “esquerda”, sobretudo aquele travestido de “esquerda radical”, contém elementos comuns que tornam inconfundível a paisagem do caminho trilhado por legendas eleitoreiras que se viabilizam ao gerenciamento de Estados mundo afora arvorando-se em “defensoras do povo”, mas que na prática e justamente defendem os interesses das forças político-econômicas que lhe são antagonistas, tudo sob a indumentária mistificadora da conciliação entre ricos e pobres, opressores e oprimidos, exploradores e explorados, capital e mundo do trabalho.
Dentre estes elementos, um dos mais recorrentes é que, mais cedo ou mais tarde, velhas figuras mais ou menos verdadeiramente comprometidas com as lutas populares do passado em seus respectivos países, mas que no fim da vida e das contas acabaram se alistando nas fileiras do oportunismo eleitoreiro (ou seja, encampando a ilusão de que dos sufrágios levados a cabo sob e para uma ordem capitalista pode sair algo de verdadeiramente bom para as massas), arvoram-se em surpreendidas com os acordos lesa-povo assinados ou renovados entre a “esquerda” eleita e as forças contra as quais, na retórica (e apenas na retórica), ela jurava que iria combater.

Desculpas por ter mantido ilusões constitucionais e c/ o Syriza
Agora mesmo, na Grécia, um ícone da resistência antifascista no país, Manolis Glezos, de 92 anos de idade — e que nesta idade virou “eurodeputado”, representando não o povo grego, mas o Syriza na instância legislativa da Europa do capital monopolista, o Parlamento Europeu —, o velho Glezos, dizíamos, foi a público demonstrar estupefato diante do acordo assinado entre o ministro das finanças Yanis Varoufakis e o Eurogrupo, perpetuando o “resgate” ao Estado grego e, por consequência, o arrocho ao povo – tudo com que o Syriza, em campanha eleitoreira, garantia que iria romper.
“Peço desculpas ao povo grego por ter participado desta ilusão”, escreveu Manolis Glezos em artigo publicado na imprensa grega apenas dois dias após a assinatura em Bruxelas da renovação de compromisso, ou do “contrato” — como o chamou Angela Merkel —, entre o seu Syriza e os cabeças da “austeridade”. No artigo, o velho resistente ainda lamenta-se: “Não pode haver nenhum compromisso entre oprimido e opressor”. Ora, surpreendeu-se ele com a total e absoluta incapacidade de se fazer algo em benefício do povo quando se está empenhado em restaurar a “normalidade” do sistema de opressão?
Às vésperas de Varoufakis firmar o “contrato” que salvaguardou os interesses do grande capital europeu na Grécia e deitou por terra de uma vez por todas o cacarejo “anti-austeridade” do Syriza, uma mulher grega de 63 anos de idade atirou-se do quinto andar de um prédio de mãos dadas com seu filho, de 27 anos. Ambos morreram na hora. Ela tinha Alzheimer e, depois que o gerenciamento da Grécia lhe ceifou o direito que tinha a uma pensão por deficiência, não conseguia mais pagar sequer o aluguel do apartamento.
Vendo se desvanecer dia após dia a ilusão de que do resultado das urnas poderia vir um alívio — a ilusão que o velho Glezos ajudou a criar —, aquela senhora e aquele jovem optaram por colocar um fim a tanto sofrimento, ainda que suicídio algum coloque fim a tanta injustiça, nem mesmo com uma disparada de 43% do número de pessoas que matam a si próprias na Grécia em comparação com os anos “pré-crise”.