Em tempos de aguda crise econômica e política e debate acerca da redução da maioridade penal, parece-me bastante oportuno discutir o sistema penitenciário brasileiro — desaguadouro de grande parte das mazelas que castigam nosso povo. Aqui, como sempre, é um bom ponto de partida separar o joio do trigo.
Discordo veementemente daqueles que minimizam a importância que terá a redução da maioridade penal, com o argumento de que ela apenas legalizará uma situação existente. Num certo sentido isso está certíssimo: dizer que os centros “sócioeducativos” não são prisões é falsear grosseiramente a realidade, e não raro são prisões ainda piores que a dos adultos. Ocorre que aceitar a legalização da barbárie é possibilitar a sua legitimação, que é coisa diversa, liberando assim as mãos de nossos algozes para que nos golpeiem livremente. A tortura também é praticada em larga escala, e nem por isso me parece que alguém são dará de ombros se houver alguma tentativa de formalizá-la.
O sistema penitenciário está absolutamente superlotado. Qualquer medida que se encaminhe no sentido de encerrar mais pessoas nas suas masmorras terá efeitos nefastos e bastante concretos sobre seres humanos reais, amontoados em condições medievais.
Demagogos e oportunistas
De modo algum devemos crer que esse debate poderá ser travado, e resolvido, no âmbito do Congresso Nacional. De um lado, o PT age de modo demagógico, tentando, em torno desse tema, apresentar-se como uma alternativa à esquerda visando as eleições de 2018. Concorda, na verdade, em aumentar o tempo máximo de internação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de três para oito anos, o que é simplesmente uma pena em regime fechado com outro nome. Administra há doze anos o velho Estado semifeudal e semicolonial brasileiro, período em que a massa carcerária dobrou. Além disso, tão grave quanto reduzir a maioridade penal, é aprovar diariamente medidas que retiram direitos sociais dos trabalhadores, o que aumentará o quadro de marginalização e abandono das futuras gerações, retroalimentando assim o perverso ciclo vicioso que desemboca no sistema penal.
Temos, de outro lado, oportunistas, como Eduardo Cunha, pescadores de águas turvas, que pegam carona na histeria alimentada diuturnamente pelos monopólios de imprensa em torno do aumento da criminalidade. Querem aparecer, nada mais. Ambos grupos sequer se aproximam da essência da questão, que é o fato de que, no Brasil, o que existe é uma punição seletiva, uma política de assassinato e encarceramento da juventude pobre especificamente.
Um pouco sobre as entranhas do sistema penitenciário
Disse repetidas vezes que a tortura é a espinha dorsal do sistema penitenciário. O tratamento cruel, desumano e degradante dispensado aos presos é regra. A privação da liberdade é, em si mesma, ainda que nas condições ideais previstas em lei, medida drástica, terrível, frequentemente aplicada pelos Tribunais como antecipação de pena, desrespeitando ostensivamente o Código de Processo Penal e jurisprudência de Cortes Superiores.
Não há, no interior do sistema prisional, qualquer separação por artigos, tempo de condenação ou periculosidade: eu mesmo, preso provisório pela acusação de associação criminosa armada (pena máxima de 4 anos e meio), dividi cela com todos os tipos de processados, principalmente pelos crimes de homicídio, assalto à mão armada e tráfico de drogas, os três grandes grupos de detentos. Também dividi cela com presos condenados, algo terminantemente proibido por lei. Jamais tive qualquer problema com meus companheiros de infortúnio, aliás, mas essa experiência desmente flagrantemente o discurso de que os adolescentes entre 16 e 18 anos serão alocados em espaços destacados dos demais detentos. Eu duvido. Acesso a estudo e trabalho, bem como a atendimento médico ou psicológico, previstos na Lei de Execuções Penais, também são ficção, na maior parte dos casos. A taxa de reincidência é altíssima, e há até um dito dos presos sobre isso: “cadeia é igual ímã, atrai mais cadeia”.