Cantor, compositor e produtor musical, Renato Gama usa a música como militância por igualdade social. Atuando como educador musical na periferia onde vive, zona leste de São Paulo, escrevendo trilha sonora para o teatro, poetizando livro ou montando musical, Renato consegue fugir da miséria.
— Nasci e resido na Vila Nhocuné. A palavra nhocuné é uma corruptela de senhor coronel, porque meu bairro era uma fazenda de escravos e eles chamavam o dono de senhor coronel, com pronúncia nhocuné —explica Renato.
Para sua família a música sempre foi uma estratégia para fugir da miséria.
— Sou filho, sobrinho e neto de músico. Ela nos acompanha há muito tempo, e sempre foi uma estratégia para driblar a miséria, no sentido de ter mais dignidade, e significar uma possibilidade de profissão, de sustento.
— E não é só a questão da sobrevivência, a música nos educou também. Meu irmão, Ronaldo Gama, terminou seu mestrado em canção popular, e eu posso dizer que aprendi muito ouvindo João Nogueira, por exemplo. Me fez enxergar que eu podia ajudar a transformar o lugar onde moro —diz.
Seus familiares mexiam, entre outros gêneros, com o samba e o rock da década de sessenta.
— Faziam aquele samba rock que tinha aqui em São Paulo, e que no Rio chamam de suingue. Meu pai tem essa tradição, ao mesmo tempo tocava Martinho da Vila e Eduardo Araújo — conta.
— Por parte de mãe, meu tio também tem uma relação da guitarra no samba, e não esquecia Martinho da Vila, que é uma presença marcante na minha família. Todos eles seguiam essa linha —continua.
— Nasci nesse universo musical e fora isso, a periferia é um lugar onde o meu vizinho do lado é pernambucano, o outro é alagoano. O da rua de baixo é angolano e o da rua de cima é português. O da frente é italiano. Enfim, é um lugar onde se escuta de tudo —acrescenta.
Uma de suas músicas, Caldo de Awara, trata um pouco dessas diferenças.
— É um caldo que se faz no norte do Brasil: todas as culturas colocam o que tem de melhor, camarão, mandioca, batata, etc, e fica cozendo por dois dias. Ao comer percebemos as diferenças culturais e as coisas que nos aproximam.
— São as diferenças que se juntam para formar algo novo. E entre os artistas me marcaram bastante está o Itamar Assumpção, um músico incrível que influenciou muitos da minha geração, e que também era morador da periferia —diz.
— Ele transitava pelo rock, tinha o samba de breque, e desenvolvia uma música paulista. Fiquei muito apegado ao seu trabalho.