Surgindo no Hemisfério Norte como festas pagãs para celebrar a colheita durante o mês de junho, e tempos depois transformadas em uma celebração aos santos: Antônio, João e Pedro, as festas juninas ganharam maior ênfase na região nordeste, onde se misturou com a cultura local. Natural de Sergipe, forrozeiro e apresentador do programa Puxa o Fole veiculado pela Rádio Nacional/RJ, Sergival vive e conta o junho nordestino.
— Assim como as escolas de samba estão para o Rio de Janeiro e o chimarrão para o Rio Grande do Sul, assim o licor, a pamonha, a canjica, o mugunzá e uma série de iguarias estão para todo o Nordeste nas Festas Juninas, que é a época do milho. E essa característica se completa com o forró, a dança e tantos outros elementos que são típicos da região — fala Sergival.
— Não existe um motivo único para as festas juninas terem crescido mais no nordeste, mas posso afirmar entre eles que três fatores contribuíram decisivamente: a forte religiosidade do nordestino, a fartura das colheitas do milho em junho e a identificação com os elementos simbólicos que constituem a festa — relata.
Inicialmente as festas juninas eram basicamente rurais ou do interior.
— Graças a um fenômeno musical chamado Luiz Gonzaga e também aos nordestinos que migraram para os grandes centros do Brasil, hoje essas festas fazem parte do calendário nacional. Personagens como Lampião, Maria Bonita, o noivo e a noiva do casamento caipira, o padre, o coronel, o delegado etc. ainda se fazem presentes — conta.
— Mas cabe ressaltar que os trajes são estereotipados e uma sátira que mais lembra o Jeca ao personificar o lavrador com suas roupas remendadas de trabalhar na roça. Porém, não reflete a realidade deste mesmo lavrador — continua.
— Quando vai para uma festa, uma quermesse, sabe-se que ele se utiliza das melhores roupas que tem em casa. E as Quadrilhas Juninas de hoje, em sua maioria, estão de certa forma reparando essa distorção com seus figurinos luxuosos, lembrando a origem da corte portuguesa e seus nobres de onde são originárias — acrescenta.
— O São João é a principal festa do nordeste, é a identidade maior do povo nordestino — diz Sergival.
A importância cultural que tem para a região é justamente por carregar essa identidade. Busca fortalecer a tradição da nossa cultura através da música, da dança, dos trajes, do cordel, do sotaque no falar, enfim, de todos esses elementos que levo ao público em minhas apresentações artísticas — explica.
— Tem algumas diferenças de um estado para outro. Em Sergipe, por exemplo, nós temos uma série de características peculiares como o grupo “Pisa-Pólvora” e o “Barco de Fogo” da cidade de Estância que é um espetáculo belíssimo. Em Areia Branca, o “Café da Manhã Nordestino” servido ao público no “Forródromo” ao raiar do dia... — conta.
— Em Aracaju, tem a “Marinete do Forró” que é um ônibus antigo onde em seu interior tem apresentações de Quadrilhas Juninas e trios de forró e que circula pela cidade com os turistas etc. Mas, no geral, todos os estados se revestem de bandeirinhas, arraiás, casamento matuto e palcos públicos para apresentações musicais — continua.
Festa do povo para o povo
— No passado as quadrilhas eram dançadas pelos nobres da corte francesa e foram trazidas para o Brasil pelos colonizadores. Por isso, muitas partes ou comandos como o aportuguesado “anarriê” (em francês en arrière, que significa para trás) são usados até hoje por algumas quadrilhas — conta Sergival.
Mas essa mudança que mostra o povo inserindo a festa junina no seu mundo, não é a única que tem acontecido.
— As festas juninas têm mudado por ter se tornado em alguns lugares uma excelente oportunidade de lucros. Me recordo que teve a fase da inserção da “música de duplo sentido” que se utilizava dos instrumentos musicais tradicionais, porém traziam letras de péssimo gosto — relata.
— Depois vieram as “bandas de forró eletrônico”, “forró de plástico” ou “oxente music” onde dos instrumentos musicais só sobrou a sanfona, e mesmo assim em último plano. Traziam um apelo sexual gritante e letras de baixo calão, e de uns anos pra cá está ocorrendo a contratação, nas principais festas, de ritmos alheios aos festejos juninos como o “arrocha”, “sertanejo” e “música brega” ou “sofrência” — continua.
— Não tenho nada contra os artistas que desenvolvem esse trabalho e muito menos com seu público, porém, por esses estilos estarem massacrando nossos ouvidos o ano todo na grande mídia e estarem nas paradas com altos cachês, não justifica os gestores prejudicarem a tradição de um povo, desempregar ou desvalorizar os artistas forrozeiros que em sua grande maioria só trabalham nesse período — declara.
— A não ser que eles tenham outros interesses “por baixo dos panos”, pois nada justifica. O fato é que está acontecendo hoje em todo o Nordeste grandes campanhas nas redes sociais, manifestações de artistas, intelectuais e da população esclarecida que veem no forró a nossa identidade cultural — diz.
Contudo, Sergival afirma que as festas juninas continuam sendo do povo e para o povo.
— As famílias ainda se reúnem para enfeitar a rua com bandeirinhas, preparam os pratos típicos da festa, o forró ainda é ouvido nas casas, fazem arraiás e festas particulares. Os artistas continuam compondo, cantando, tocando nossa música tradicional — conta.
— Cada dia surgem novos talentos, sanfoneiros espalhados pelo nordeste, zabumbeiros, novos trios de forró e os pioneiros da tradição. E meu mais recente CD, Festança, além de celebrar meus trinta anos de carreira, traz um apanhado dos principais clássicos forrozeiros de Sergipe — anuncia.
— Lancei ao vivo esse disco na Europa onde o forró está muito forte, e conquistei o prêmio de melhor CD do ano no Troféu Sanfona de Ouro. Estou no Nordeste para apresentações juninas e na volta tem as festas “julhinas”, “agostinas” e até “setembrinas” no sudeste, onde estou radicado. Em outubro começo a gravar meu novo disco e primeiro DVD — finaliza Sergival.
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