Nascido e criado no bairro do Garcia, em Salvador (BA), tradicional reduto de sambistas, o cantor e compositor Ricco Duarte se dedica à música popular brasileira, com um lado mais forte voltado para o samba. Morando no Rio de Janeiro há mais de trinta anos e já tendo se apresentado em vários países, Ricco mistura toda sua vivência em músicas, e faz shows do seu quarto CD independente.
Da tropicália baiana ao samba carioca: Ricco Duarte encontra inspiração nas cidades em que viveu
— Tenho a maior alegria por ter nascido em uma rua chamada Rua dos Artistas, em um bairro que é tradicional em Salvador, reduto do samba e onde moraram, e ainda moram, muitos artistas, entre eles o Pepeu Gomes, o Riachão, que tem 95 anos de idade e ainda está em atividade, e o Batatinha - conta Ricco.
— O Walter Smetak, já falecido, que era conhecido como o inventor de instrumentos musicais na época da Tropicália, lá no início dos anos 1970, foi nosso vizinho de muro, nossa casa ficava colada na dele. Eu brincava com seus filhos, e da minha varanda podia ver Caetano Veloso, Macalé, enfim, aquela turma toda que ia visitar o Smetak - recorda.
— E tinha a Mudança do Garcia, um tradicional bloco nos moldes das escolas de samba cariocas, que desfilava no domingo e na segunda-feira de carnaval. Malas, carroças puxadas por burros, simulavam uma mudança, e a bateria, não uniformizada, era a da Juventude do Garcia, a escola de samba do bairro. Por onde passava ia arrastando a multidão e levando a mensagem de mudança - fala.
A mudança tanto era física, de local, como de ideias e da realidade do povo.
— Estou falando dos anos de 1960/70, o povão descendo o morro e pedindo mudança, liberdade, justiça. Os cartazes eram feitos de papelão, escritos a carvão, muito antes do pincel atômico, inclusive tem um cartaz que até hoje não me sai da cabeça: “Pobre só come carne quando morde a língua” - revela.
— A Mudança do Garcia ainda existe, continua sendo um arrastão carnavalesco do povo, um pouco mais glamourizado. E não mudou muita coisa na realidade do país daquela época para os dias de hoje: mudaram os personagens, mas o povo continua pagando o pato - constata.
Essa vivência aparece nas músicas de Ricco e também na sua postura.
— A música que fecha o meu mais recente trabalho, Ricco#latinoamericano, é “Quem samba se esquece da dor”, meio que um enredo com um foco mais amplo, nacional. “Somos os zés, da silva dos rés, da tribo de muitos pajés”. E mais lá pra frente eu digo “e estamos de pé ainda, no morro da silva dos zés”. Apesar de tudo ainda estamos de pé, e quando estou triste faço um samba que a tristeza passa - diz.
— As letras vêm sempre antes da música para mim, e sempre fiz música independente, nunca me rendi às imposições de gravadora a estilos, modismos etc. Aos 14 anos de idade já tocava violão, participava com a turma de serenatas do bairro, e fazia umas musiquinhas para festivais da escola. Ganhei alguns, perdi vários, fui censurado em outros - conta.
Viver e fazer música
— Costumo compor sozinho, tive poucos parceiros. No CD Ricco#latinoamericano, por exemplo, todas as letras e melodias são minhas. Basicamente sou romântico e bem humorado, falo do que o meu olhar me aponta, pode ser uma dor de cotovelo, uma cena comum de rua, ou um personagem, como o Zé Beleza, um típico malandro carioca, brasileiro, que “se vira nos trinta” e não deixa a bola cair - relata.