— Quantos anos você tem? — pergunto a “C”.
— Tenho 32 — responde.
— Quantas vezes você viu acontecer isso?
— Sinceramente, perdi as contas, umas 20 vezes.
— Toda a chuva é isso? Eles vêm depois da chuva, nunca antes?
— Eles só vêm depois e quando acontece uma desgraça como essa de hoje. Quando não morre ninguém eles nem vêm. Eles iam fazer uma encosta aqui atrás. Na altura daquela casa, quando ela estava construindo, tinha uma pedra muito grande. Quando a pedra caiu, eles tiraram o foco daqui da encosta e foram para lá. Aqui atrás só ficaram os sacos pretos que eles colocaram. Continuou chovendo, continuou inundando. Aconteceu há quatro anos e agora novamente. A gente denuncia, eles vêm, dizem que vão fazer alguma coisa, deixam o protocolo na nossa mão e nunca mais voltam. Como se um papel fosse resolver, o que resolve é obra. Estamos nas mãos de Deus.
Esse é o relato de “C”, morador da comunidade da Babilônia, onde, na madrugada do dia 9 de abril, três pessoas foram soterradas em um deslizamento que se deu com a chuva.
Colocar a culpa na chuva é muito fácil, na verdade é o modus operandi do velho Estado. Dizer que foi fatalidade. Essa é a realidade do cidadão que mora em favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro. Só recebe a visita do Estado em operação policial. Há muito tempo esse morador vem denunciando as irregularidades no terreno atrás da sua casa. Só será visto quando a desgraça ocorrer. E isso não passará de uma matéria nos telejornais da noite. A única ajuda com a qual os moradores contam é aquela oferecida entre eles mesmos. O nome “comunidade” se faz forte, pois se apoiam um no outro. Não tem nenhum apoio do Estado. Moram próximos à encosta não por opção, mas por necessidade.
Uma das vítimas fatais estava tentando ajudar vizinhos soterrados. Os bombeiros passaram todo o dia 9 cavando nos escombros a procura do corpo de Gilson Cézar Cerqueira dos Santos, que, ao tentar ajudar sua vizinha, teve a vida ceifada pelo desmoronamento de um barranco na comunidade da Babilônia.
A população não aguenta mais as historinhas contadas pela corja política. A cada chuva na cidade, mais inocentes morrem. O que vem acontecendo é um extermínio promovido pelo descaso com a população, principalmente com os pobres. Além de afogamentos e soterramentos, há ainda as balas assassinas, a maioria vinda da própria polícia. Não muito longe dali, em Acari, com as ruas ainda alagadas, o veículo que chegou não era o dos bombeiros; era o caveirão da Polícia Militar para mais uma operação rotineira da guerra ao povo.
Cézar, ao sair morto, foi aplaudido pelos moradores. Visto como herói, pois se prontificou a ajudar um dos seus. Os que aplaudiram Cézar não podem deixar essa morte passar em branco. Como não podem deixar a morte de nenhum e nenhuma “Cézar” passar em branco. Só a união da população contra esse velho Estado pode mudar para melhor sua vida e o país.
Casa de morador inundada com a água da chuva
Vítima retirada de escombros do desmoronamento
Destruição causada por abandono, na comunidade Babilônia
Escadarias da comunidade alagadas com água da chuva