Não é de hoje que o Rio de Janeiro tem sido laboratório de políticas de cunho fascista a serem aplicadas, posteriormente, a todo o país. Foi assim, por exemplo, que a sua Polícia Militar (PM) se converteu, entre a segunda metade da década de 1990 e a primeira metade da década de 2000, numa das instituições policiais mais letais de todo o mundo. Depois, a partir de 2008, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), passou-se a um modelo de ocupação militar de alguns territórios pobres – notadamente, nas áreas turísticas da capital – que substituiu mortes por desaparecimentos, operações espetaculosas por vigilância e sufocamento diuturno, até o seu desmascaramento e colapso completo a partir das manifestações de junho de 2013 e o assassinato do Amarildo. Agora, na era Witzel, instala-se o terrorismo aberto contra os pobres, que nem faz questão de esconder sua opção descarada pelos grupos paramilitares denominados “milícias”. Esta opção, que já tinha sido tomada há tempos, e foi reforçada durante os meses em que vigorou a intervenção militar, é clara como a luz do sol.
Tomaz Silva/Agência Brasil
As operações terroristas da PM de Witzel já ceifaram 881 vidas nos seis primeiros meses do ano
Em alguns meses, vimos episódios de barbaridade inaudita, como a chacina no morro do Fallet-Fogueteiro, em que pessoas rendidas foram executadas à faca por policiais; o próprio Witzel subir ao helicóptero da polícia, tomando parte do metralhamento indiscriminado de casas pobres, em Angra dos Reis, no que foi classificado mesmo por um direitista como Reinaldo Azevedo de “crime contra a humanidade”; chegando até esta historicamente trágica semana de agosto, na qual em dois dias seis pessoas inocentes foram mortas por balas certeiras – nada seria mais falso que chamá-las “perdidas”, pois matam, sempre, nos mesmos lugares, pessoas da mesma classe social e da mesma cor de pele.
Alguém poderia dizer, e não sem razão, “que isto já acontecia antes”. Sim, já ocorria. Basta lembrar que, às vésperas da realização dos jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007, em uma megaoperação conjunta entre as polícias militar e civil, que se estendeu entre maio e junho, 19 pessoas morreram num único dia, várias delas encontradas com sinais claros de execução.
Contudo, e isto não é menos importante, essas execuções, torturas, enfim, o terrorismo praticado nas favelas se realiza hoje de forma explícita. Antes, por exemplo, negava-se a prática de execuções, mesmo quando era claro que elas haviam ocorrido. Hoje, elas são defendidas como execuções. Defende-se a licença para matar, com ou sem respaldo legal. Defende-se que uma parte da população seja emparedada, neutralizada, exterminada. O fato de Witzel ter instituído, há pouco, a patente de general na PM não é apenas uma bravata grotesca: é assumir que a PM atua como força de ocupação interna. É uma declaração de guerra. Nesse sentido, é necessário concordar plenamente com Vladimir Safatle, quando diz que “algo muda radicalmente quando uma prática desempenhada em silêncio é claramente exposta. Fazer às claras significa que o poder não poderá ser mais questionado em seus interesses e privilégios”1. Portanto, a via do “diálogo”, tão cara a certas pessoas que ainda insistem em acreditar que se vive uma democracia no Brasil, está bloqueada mesmo como encenação. O povo só pode e deve contar consigo mesmo, com sua capacidade de luta e de resistência.