47 anos da morte de Salvador Allende e do golpe militar no Chile
Em 2020, precisamente no dia dia 11 de setembro, completaram-se 47 anos do golpe de Estado no Chile que destituiu e levou à morte o presidente Salvador Allende e elevou à cabeça do Estado o tirano general Augusto Pinochet. O regime de Pinochet durou 17 anos e deixou uma marca aproximada de 3 mil mortos e desaparecidos, bem como todo o programa “neoliberal” de austeridade dos “chicago boys”.
Allende foi derrubado pois, com seu projeto, se confrontava com o sistema capitalista burocrático ao aspirar um desenvolvimento genuinamente nacional; confrontava-se com a espoliação imperialista e seus sustentáculos internos, o latifúndio semifeudal e os monopólios locais vinculados àquela, porém a via elegida foi a constitucional, por dentro da velha democracia burguesa.
Apesar das tentativas do governo ianque (Estados Unidos, USA) de desvincular ou amenizar seu papel na implantação da ditadura chilena, afirmando se tratar apenas de um apoio aos grupos de “oposição democrática” para que vencessem as eleições no ano de 1976, a liberação de novos documentos, antes secretos, do Arquivo de Segurança do USA refuta essa versão. De fato, o que ficou claro com os dados disponíveis foi a execução de uma política de agressão e conspiração contra o governo da Unidade Popular, partido de Allende, para a sua derrocada e a implementação do regime fascista, implicando diretamente o presidente Richard Nixon e o então Assessor de Segurança Nacional, Henry Kissinger.
Marcha de operários dos cordões industriais no Chile. Foto: Reprodução.
Conforme reproduzido pela matéria do monopólio de imprensa El País, o medo de que o regime de Allende provasse ser bem sucedido e passasse a inspirar os demais povos, não só latinos, mas também europeus, se tornou uma preocupação crucial do governo Nixon. Alertava Kissinger: “Nossa principal preocupação no Chile é a possibilidade de que [Allende] possa se consolidar e a imagem projetada ao mundo seja seu sucesso [...] Seremos muito frios e muito corretos, mas fazendo coisas que serão uma verdadeira mensagem para Allende e outros.”
Com as estratégias iniciais de desestabilização sutil, bem como o apoio à oposição de centro e direita fracassando perante o apoio popular que desfrutavam as políticas do presidente, Nixon já afirmava: “se houver uma forma de desbancar Allende, é melhor fazer isso”. As estratégias para desestabilizar o Chile eram variadas: a instituição de um cerco ao país por meio dos reacionários governos de Brasil e Argentina (já com regimes militares em vigência); impedimento de realização de empréstimos ao Chile por bancos multilaterais, manipulação do preço do cobre, principal produto de exportação do Chile, no mercado internacional, para desestabilizar a economia da nação, etc. Com todas essas estratégias para destruir a reputação do governo chileno, abriu-se o caminho para o violento golpe de 1973, destruindo todo o projeto em construção.
Como afirmou o analista Peter Kornbluh: “Esses documentos registram o objetivo deliberado das autoridades americanas de minar a capacidade de Allende para governar e de derrubá-lo para que não pudesse estabelecer um modelo bem-sucedido e atraente de mudança estrutural que outros países poderiam seguir”. “É uma história de um país pioneiro – um poderoso império – que queria controlar os países, suas instituições e as vidas de seus cidadãos, mas não em nome da democracia, e sim de uma ditadura militar e sua repressão. No nosso mundo atual, em plena crise, devemos estar atentos a essa história trágica”.
A derrota histórica do legalismo
A trajetória de Allende e seu governo possuem um lugar na história de aprendizagem: a impossibilidade histórica da via reformista e legalista para mudanças estruturais da sociedade. Já nos tempos de Marx e Engels tal impossibilidade era evidente. Ao questionamento sobre a possibilidade de transformação da sociedade por meios institucionais, respondia Engels:
“Seria de desejar que isso pudesse acontecer, e os comunistas seriam certamente os últimos que contra tal se insurgiriam. (…) Eles sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas proposital nem arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar, elas foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente independentes da vontade e da direção deste ou daquele partido e de classes inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do proletariado em quase todos os países civilizados é violentamente reprimido e que, deste modo, os adversários dos comunistas estão a contribuir com toda a força para uma revolução. Acabando assim o proletariado oprimido por ser empurrado para uma revolução, nós, os comunistas, defenderemos nos atos, tão bem como agora com as palavras, a causa dos proletários”.
Essa problemática, entretanto, se escancara muito mais nos tempos atuais, com o domínio do imperialismo, especialmente o ianque, sobre o mundo e as investidas de aniquilação contra todos aqueles que ousam questionar seu domínio. As reformas iniciais de Allende se assemelhavam mais a transformações democrático-burguesas, antifeudais e anti-imperialistas, como a reforma agrária e a nacionalização de indústrias, do que propriamente um modelo socialista. E, ainda assim, foram sabotadas, atacadas e esmagadas até sua eventual queda, pois não é de interesse do imperialismo ianque ter países soberanos ao sul do Equador, seja de maneira “capitalista” ou socialista. É preciso mantê-los com suas economias semifeudais e semicoloniais, a fim de continuarem a serviço do Estados Unidos.
Como representante da ala esquerda da média burguesia chilena, Allende, embora inclinado à revolução democrática, era ideologicamente incapaz de bater-se frontal e radicalmente contra a ordem burguesa-latifundiária estabelecida. Entregue em suas mãos a direção do processo, não pôde fazer outra coisa que não atrasá-lo, levá-lo à derrota. Influenciado pelo revisionismo de Kruschov e sua “transição pacífica”, acreditou ser possível alcançar a emancipação nacional por tal via. Foi derrubado e, na prática, cumpriu papel nefasto no movimento popular, desarmando politicamente as massas que exigiam uma direção revolucionária radical para transformar todo o país.
Allende era um teórico e político bem intencionado, ainda que isso seja o menos importante em política. De formação democrata e conhecedor da literatura marxista, certamente em um mundo ideal poderia ter concluído seu projeto de “socialismo” chileno. Entretanto, no mundo real, sem a adoção de uma perspectiva revolucionária, todas essas boas intenções de nada servirão que não a produzir, em últimos termos, resultados prejudiciais para a causa que proclama defender.
Ao final, cabe uma pergunta, parafraseando um artigo do advogado Almir Felitte para o site Justificando: “Quantos Allendes devem morrer para o povo latino perder a vergonha de se defender?”
Referências:
1. https://brasil.elpais.com/internacional/2020-11-11/richard-nixon-se-houver-uma-forma-de-desbancar-allende-e-melhor-fazer-isso.html
2. https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm