No dia 26 de fevereiro, Dia da República da Índia, dezenas de milhares de camponeses marcharam até o Forte Vermelho em Nova Déli, em continuação aos protestos contra as novas leis agrárias pró-latifúndio realizados nos últimos dois meses. Com tratores, cavalos ou a pé, a grande massa se dirigiu e invadiu o complexo histórico, enfrentando a repressão policial que fez uso de gás lacrimogêneo, canhões d’água e barricadas. Esse foi o maior ato em pressão ao governo de turno do fascista Narendra Modi desde o início dos protestos em novembro de 2020.
Durante uma parte do protesto na região central da capital, um camponês de 26 anos foi morto ao entrar em conflito com policiais. Enquanto avançava para cima das barreiras policiais com seu trator, o veículo capotou. Os manifestantes e testemunhas afirmam que ele foi atingido por um disparo da polícia, enquanto os policiais alegam que foi apenas um dano no trator.
Cerca de 200 pessoas foram detidas acusadas de “revolta”, além de “danificar a propriedade pública” e “atacar oficiais policiais”. Pelo menos 19 pessoas foram presas. Fontes policiais afirmam que 394 policiais foram feridos e que 30 veículos policiais foram danificados.
O ato se iniciou por volta de 8h da manhã, surpreendendo as “autoridades”, que haviam firmado um acordo com lideranças oportunistas. O acordo autorizava a marcha dos camponeses somente com rota prescrita e apenas após as comemorações oficiais do “Dia da República”. As comemorações, por sua vez, acontecem na avenida Rajpath, onde um espetáculo é montado pelo governo de turno para exibir poderio bélico e uma falsa “diversidade cultural”.
Camponeses tomam o Forte Vermelho. Foto: Sajjad Hussain.
Os camponeses, acampados nas fronteiras de Singhu, Tikri e Ghazipur, tomaram rotas diferentes em direção ao centro da cidade. Ao todo, cerca de 10 mil tratores seguiram ao lado de outros milhares de camponeses a pé ou a cavalo. Enquanto avançavam, cantando palavras de ordem contra Modi, eles recebiam pétalas de rosas de trabalhadores da cidade que filmavam a marcha em suas moradias. Logo cedo, os camponeses tiveram seus caminhos bloqueados por contêineres, ônibus e caminhões colocados nas estradas pela polícia para os conter. Quebrando as barreiras, a marcha avançou. A polícia, em número menor, teve de recorrer ao uso de gás lacrimogêneo, canhões d’água e repressão com cassetetes. Os camponeses responderam com pedras, pedaços de pau e kirpans (espadas cerimoniais).
Com maior força, os camponeses fizeram a reação recuar e seguiram até o Forte Vermelho, importante monumento histórico do país.
No Forte Vermelho, os agentes de repressão do velho Estado foram facilmente superados pela grande massa camponesa, que ocupou o prédio enquanto destruía a parafernália externa (catracas de entrada, guichês, scanners de bagagens), e o interior (câmeras de segurança e escritórios administrativos). Além disso, ônibus e automóveis policiais presentes no local também foram destruídos. Alguns manifestantes escalaram o prédio, erguendo bandeiras de organizações e sindicatos camponeses nas suas torres. No bastião onde o primeiro-ministro ergue a bandeira nacional no “Dia da Independência”, os camponeses também ergueram uma bandeira.
Os manifestantes permaneceram no Forte até anoitecer, quando novos agentes da repressão chegaram, e permaneceram mais algumas horas do lado de fora cantando palavras de ordem contra o governo Modi. Após isso, partiram para ITO, onde se encontraram com outro grupo de camponeses que enfrentava a polícia.
PCI (Maoista) declara apoio
Em uma declaração intitulada Continuar a luta contra as três Leis Agrícolas antipovo até que o governo Modi as revogue completamente, o Partido Comunista da Índia (Maoista) transmitiu saudações vermelhas e revolucionárias a todos aqueles que “em Déli e em toda a Índia, lutam resoluta, contínua e unidamente pela revogação das três leis anticamponesas do governo Modi”. E afirma que acolhem com muito entusiasmo a “Marcha do Trator”, realizada pelos camponeses em 26/01.
O partido afirma que a marcha expôs o “hipócrita e duas caras” Modi que se disfarça de “principal servidor do povo”, mas na verdade é o “servo obediente dos imperialistas e dos grupos compradores corporativos”.
O PCI (Maoista) ainda declara que Modi está roubando a comida da boca dos pobres e entregando os direitos de aquisição e açambarcamento às empresas Adani e Ambani: “Eles estão apertando o laço ao redor do pescoço do camponês, iniciando mercados privados e fazendo disposições para entregar a terra às corporações. Essa lei é um decreto para tomar o sustento das pequenas empresas e comerciantes. Não são apenas os camponeses, mas 80% dos cidadãos comuns que serão gravemente afetados por esta lei”.
Por isso, os maoistas apelam às grandes massas para que se unam à luta: “Nas áreas de seu trabalho, realize lutas consistentes de apoio e obrigue o governo a revogar estas leis. Apelamos a todas as pessoas para que protestem e se manifestem em diferentes lugares, em todo o país, em apoio ao chamado da Frente Única dos Agricultores para gherao o parlamento no dia 1º de fevereiro de 2021 e a outros programas; apelamos aos quadros do Partido Maoista, Exército Guerrilheiro de Libertação Popular, toda a organização revolucionária, outras organizações e as Comunidades Populares Revolucionárias (CPRs) para realizar várias lutas em apoio ao movimento militante de toda a Índia e contra as três leis”.
Reação endurece medidas repressivas
No mês de dezembro, a grande mídia local, ao lado de membros do partido do governo de turno (o Partido Bharatiya Janata), propagaram diversos ataques e acusações contra camponeses ocupando Nova Déli. A reação se uniu para acusar as massas camponesas de “separatistas”, “naxalitas” e “maoistas”, na intenção de os criminalizar. O Ministro do Comércio e Indústria, Piyush Goyal, afirmou abertamente que o movimento havia sido “tomado pelos maoistas”.
Levante completa dois meses
Os protestos tiveram início em 25 de novembro com uma marcha histórica de 200 milhões de camponeses, majoritariamente dos estados de Punjab e Haryana, até Nova Déli, mobilizados contra as contrarreformas agrárias propostas pelo governo latifundista e semicolonial, que barateariam os produtos agrícolas dos camponeses ao acabar com o intermédio governamental sobre suas vendas. Desta forma, os camponeses terão que negociar diretamente com multinacionais enquanto disputam com o latifúndio.
Com a crescente pressão das massas, o governo reacionário fez promessas irrisórias de “consertar aspectos das leis” e “suspender sua implementação por 18 meses”. Os camponeses recusaram a oferta, exigindo o descarte completo das leis.
O protesto iniciado nos estados do norte (que possuem uma maior proporção de camponeses) aos poucos ganhou a aderência das massas camponesas de todo o país.
Quem ganha com a lei
Em essência, tal medida desmantela o Comitê de Mercado de Produtos Agrícolas, órgão do velho Estado cuja função seria exercer uma força no mercado para que os preços dos produtos camponeses não fossem muito desvalorizados. Tal política não era para proteger os camponeses, mas frear a ânsia incontrolável do grande capital que, se não limitado, elevaria a exploração dos camponeses a um nível perigoso, que pudesse alimentar a Revolução Agrária que acontece no país através da Guerra Popular, sob a direção do Partido Comunista da Índia (Maoista). Agora, todavia, tal “proteção” estatal foi desconstituída.