No subcontinente latino-americano despontaram rebeliões de Norte a Sul entre os meses de outubro e novembro de 2021. De maioria camponesa, a revolta, que envolveu o Peru, Chile e Equador, mobilizou milhões no combate espontâneo ao latifúndio, à política de fome e altos preços de combustíveis impostos pelas políticas dos diferentes governos latino-americanos em conluio com o imperialismo principalmente ianque (Estados Unidos, USA).
Em meio a um levante generalizado dos camponeses peruanos, governo decreta intervenção militar
Intervenção militar no Peru
Centenas de camponeses peruanos lutaram, no final de outubro, contra monopólios da mineração em vastas regiões do país. A rebelião aconteceu nos departamentos de Ayacucho, Lima, Ancash, Loreto e Piura. A mineração é um dos motores da economia do capitalismo burocrático no Peru e é também uma das maiores responsáveis, junto ao latifúndio sobre o qual se apoia, pela miséria dos camponeses e indígenas peruanos.
No dia 29 de outubro, cerca de 500 camponeses organizados para reivindicar seus direitos invadiram as instalações da empresa monopolista mineradora de ouro Apumayo, em Ayacucho. Os camponeses exigem o fechamento definitivo das minas Apumayo, Inmaculada (Ares), Breapampa e Pallancata. Desde o dia anterior, mineiros das províncias ayacuchanas de Lucanas, Parinacochas e Páucar del Sara estavam em greve contra as mineradoras imperialistas.
A polícia foi acionada pela empresa imperialista e reprimiu os camponeses com balas de borracha, ferindo pelo menos dez pessoas. Os camponeses então incendiaram os escritórios administrativos, além de 20 veículos da empresa, uma bomba de mineração, uma cantina e uma fábrica de processamento. Além disso, a eletricidade foi cortada e alguns objetos, incluindo explosivos, foram confiscados pelas massas.
No município de Manseriche, mais de 200 camponeses e indígenas peruanos estavam, desde o dia 04/10 até o final de novembro, controlando e impedindo o funcionamento da Estação 5 do Oleoduto Norperuviano, do monopólio burocrático estatal Petroperú. Ela fica localizada na região amazônica de Loreto. Os manifestantes exigiam o cumprimento de promessas feitas por governos anteriores, entre elas a descontaminação de áreas impactadas pelo derramamento de petróleo, e saúde e educação, com a construção de infraestruturas básicas.
Dezenas de camponeses também invadiram o monopólio Canãbrava, localizado em La Huaca, no departamento de Piura. A ação de protesto das massas ocorreu no dia 30/10, às 14h, quando camponeses atearam fogo em veículos e em uma série de bens pertencentes aos reacionários. As massas protestavam contra a queima da cana para a produção de etanol, fato que prejudica e atinge com muita fumaça toda a região há mais de dez anos.
Diante da irresistível onda de fúria camponesa, o governo do rondeiro oportunista Pedro Castillo decretou intervenção militar de um mês. A “Resolução Suprema 191-2021-IN” autoriza a “intervenção das Forças Armadas em apoio à Polícia Nacional do Peru” com o objetivo de “garantir o controle e manutenção da ordem interna”, por 30 dias, a partir de 29 de novembro.
Entretanto, escondeu-se e tergiversou-se que o verdadeiro motivo de tal resolução são as rebeliões camponesas no campo do país, onde ocorre a Guerra Popular, dirigida pelo Partido Comunista do Peru (PCP) em Reorganização Geral, guiado pelo marxismo-leninismo-maoismo, pensamento gonzalo.
A revolta camponesa contra a mineração ocorre pois tal atividade econômica monopolista despeja os pequenos camponeses de suas terras, obrigando-os a trabalhar em troca de salários miseráveis, em relações, muitas vezes, pré-capitalistas. A exploração de minérios, além de tudo, devasta o meio geográfico e impede que as terras vizinhas sejam cultivadas, aumentando a parcela de camponeses que são forçados a vender seu pedaço de chão e engrossar as fileiras da massa de assalariados. Tudo com o objetivo de enviar em grandes remessas de lucros, oriundas da exploração da força de trabalho na extração das riquezas naturais para os países imperialistas, sedes das empresas mineradoras.
Camponeses bloqueiam vias em Guayas e Los Ríos, no Equador
Chilenos lutam contra intervenção
No Chile, entre o final de outubro e início de novembro, os camponeses mapuche continuam a lutar pela terra, golpeando latifúndios e repudiando a intervenção militar em curso no sul do país, decretada pelo presidente reacionário Sebastián Piñera em 12/10.
A intensificação das ações dos camponeses mapuche se dá em meio à luta das massas chilenas em defesa de seus direitos. Essas ações ocorrem também em meio à “Constituinte” que busca concretizar um novo acordo entre as classes dominantes chilenas, expresso na nova Carta Magna. Dois anos antes, ocorreu a rebelião popular de 2019 que estremeceu não somente o governo de Sebastián Piñera, mas todo o velho Estado burocrático-latifundiário chileno.
Atualmente, o alvo das ações de protesto são os latifundiários e os imperialistas que usurpam as terras dos camponeses. E no atual momento da situação política do Chile essas manifestações assumem o caráter de também combater a intervenção militar e desmascaram a farsa da nova Constituinte.
No dia 02/11, camponeses mapuche descarrilharam um trem carregado de celulose e em seguida o incendiaram como uma ação de sabotagem da produção do latifúndio. A ação ocorreu na cidade de Victoria (La Araucanía) e expressou um claro rechaço contra a intervenção militar em curso na região. No local, foi deixada uma faixa com os escritos: Fora milicos! Liberdade aos P.P.M.! [Presos Políticos Mapuche].
O trem descarrilhado pelos mapuche transportava cargas de celulose retiradas da exploração madeireira do latifúndio nas terras camponesas.
Os policiais, que agora trabalham em conjunto com os militares do Exército reacionário chileno, declararam que foram “pegos de surpresa” e que não há agentes suficientes para cobrir toda a “zona de risco”. Eles dizem ainda que estão “diante de um adversário que se utilizou da surpresa em um lugar de difícil acesso”.
No dia seguinte, 03/11, na província de Arauco (comuna de Lota) um ônibus da grande empresa florestal Jordan foi incendiado às 7h da manhã, quando o ônibus ia buscar os trabalhadores do projeto Modernização e Ampliação da Planta Arauco (Mapa). O veículo foi interceptado por camponeses, que retiraram o motorista do ônibus e depois incendiaram o veículo vazio.
O projeto Mapa busca ampliar a exploração e produção de celulose em Arauco. Ele pertence ao imperialista italiano e bilionário Grupo Angelini. O grupo busca elevar a produção de celulose passando das atuais 800 mil toneladas para 2,1 milhões de toneladas ao ano.
Impotentes diante da fúria mapuche, os militares estão recorrendo à execução indiscriminada. Foi o que ocorreu no dia 04/11, quando um camponês mapuche de 22 anos, Yordan Llempi Machacan, foi assassinado à queima roupa por um militar da Marinha chilena. A companheira de Yordan, Danitza Herrera, estava na casa do jovem quando a execução sumária ocorreu e denunciou que a polícia mentiu ao justificar a morte do camponês.
Danitza também denuncia que foi negada assistência médica ao jovem pelos militares. A versão da polícia alega que o jovem teria sido atingido por uma “bala perdida” enquanto tentavam dispersar uma barricada construída numa estrada próxima, quando teriam sido atacados por mapuche armados em plena luz do dia.
Em resposta, um dia depois do assassinato, os camponeses incendiaram uma casa, três galpões, maquinários e veículos do deputado Jorge Rathgeb. Rathberg foi governador da Província de Malleco e secretário regional ministerial da Agricultura de La Araucanía no governo de Sebastián Piñera. No local, uma mensagem foi deixada pela CAM: Empresas florestais, fora do território mapuche! Fora milicos! Nossos mortos serão vingados. Liberdade aos P.P.M.! Wewaiñ marichiwew [Nós venceremos, dez vezes nós venceremos, na língua Mapuche].
No mesmo dia, nas terras da Florestal Hancock, em Los Ríos, camponeses mapuche armados queimaram ainda outras duas máquinas e um galpão de ferramentas. De acordo com o jornal El Ranco, a extensão das terras que atualmente pertencem a Hancock é de 62 mil hectares, nas regiões de Los Ríos, Los Lagos e no sul argentino. A Forestal Hancock é subsidiária de empresas imperialistas canadenses e ianques.
Trem carregado de celulose é descarrilhado e incendiado por camponeses no sul do Chile
Greve geral no Equador
Milhares de operários, camponeses e estudantes realizaram manifestações por todo o país no dia 26/10. As ações são parte de uma grande greve geral que bloqueou estradas contra os aumentos nos preços da gasolina e uma nova reforma trabalhista antipovo. Os atos em todo o país ocorrem após o presidente reacionário Guilherme Lasso ter decretado Estado de Exceção, sob a justificativa do “combate à criminalidade”.
Os manifestantes realizaram protestos do campo até a capital, mobilizando-se em províncias do interior até Quito, passando por dezenas de cidades da Serra ao litoral. Ao menos 37 manifestantes foram detidos durante os protestos em todo o país.
Lasso ordenou que subissem até 12% os preços dos combustíveis às vésperas dos protestos, no dia 22/10. O preço da gasolina subiu cerca de R$ 14,53 por galão (aproximadamente 3 litros) e o diesel passou para R$ 10,72. A gasolina e o diesel custavam respectivamente R$ 13,98 e R$ 9,45. O presidente declarou, ainda, o congelamento dos preços em alta.
Desde sua campanha, o banqueiro Lasso se comprometeu inteiramente aos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para cumprir a responsabilidade com o imperialismo, o velho Estado equatoriano, sob o governo Lasso, se comprometeu em outubro a aumentar os impostos cobrados ao povo para 1 bilhão de dólares para pagamento da dívida externa.
Também foi alvo dos protestos das massas a “reforma” trabalhista do governo. Caso aprovada, a medida vai impor uma situação de aumento da jornada de trabalho diária para 12 horas, contando inclusive com sábados e domingos. Também é prevista a retirada do direito à estabilidade laboral a partir de um ano de trabalho (passando a ser de quatro anos), além de autorizar contratos de meio período.
Em Quito, uma marcha de operários, camponeses e estudantes rumou em direção à praça em frente ao Palácio da presidência da República, o Carondolet, rompendo as grades construídas pela polícia. Para impedir que as massas atingissem o tradicional local de protestos, as forças de repressão do velho Estado lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão. Em resposta, manifestantes lançaram pedras contra a polícia. Cinco agentes ficaram feridos.
Em Atahualpa, ao norte de Quito, camponeses que se manifestavam bloqueando vias capturaram dois militares à paisana, que, segundo os agentes de repressão, “realizavam serviços logísticos de alimentação” aos militares que se encontravam na província para reprimir os protestos. Eles só foram liberados no dia posterior, 27/10.
Camponeses também se manifestaram em Otavalo, Imbabura, bloqueando a rodovia Pan-Americana que ruma à Quito. A Polícia Nacional reprimiu logo pela manhã camponeses que bloquearam uma via movimentada que atravessa a cidade, com bombas de gás lacrimogêneo. Na gravação transmitida pela Rádio comunitária Iluman, uma manifestante denuncia que, “como sempre”, são os policiais que buscam o confronto e “sempre nos culpam, nos acusam de criminosos”. Ao todo, nove pessoas foram detidas em Otavalo, uma cidade de 39 mil habitantes.
Motivados pela mobilização nacional contra o preço da gasolina e a reforma trabalhista, cerca de 50 camponeses em Los Ríos, na cidade de Babahoyo, realizaram uma manifestação em frente ao Ministério Público exigindo a devolução de vários instrumentos de trabalho que foram confiscados quando tentavam bloquear uma estrada em um protesto no dia 18/10. Após isso, os camponeses foram ao escritório da governadora de Los Ríos exigir melhores condições de venda das suas colheitas. A governadora disse que se reuniria com um grupo de cinco pessoas. Isso foi rejeitado pelos camponeses, que seguiram seu protesto.
No protesto que eclodiu em 18/10, os camponeses marcharam em Babahoyo contra as condições de venda da sua produção. De acordo com o preço mínimo das tabelas oficiais, um saco de 100 quilos (kg) de arroz custa R$ 165, no entanto, os camponeses denunciam que apenas recebem em torno de R$ 100 nas fábricas. Eles afirmam ainda que, sob essas condições, terão de vender suas terras para pagar suas dívidas e contra isso elevam seu grau de explosividade.