O pianista Hercules Gomes tem realizado importante pesquisa sobre a música brasileira
Pianista e compositor com foco na música brasileira, pesquisador de autores como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth: Hercules Gomes, capixaba e radicado em São Paulo, é considerado um dos mais expressivos pianistas brasileiros contemporâneos, pela sua virtuose no instrumento e a sua escolha de repertório. Com três CDs gravados, incluindo clássicos do choro e composições próprias, Hercules se prepara para lançar em Janeiro próximo o EP Sarau Tupinambá.
— Nasci em Vitória, ES, em uma família que gosta muito de música. Meu pai também toca e, apesar da sua preferência musical ser diferente da minha, sempre teve muitos discos de choro na minha casa, LPs, e ouvíamos rádio. Comecei a minha vida de músico tocando teclado na igreja, com cerca de 13 anos de idade. Depois toquei em bandas que atuavam no cenário musical capixaba e aos 19 anos fui cursar bacharelado em música popular na Unicamp, em Campinas — conta Hercules.
— Encontrei muitos amigos e professores na Unicamp que de alguma forma me influenciaram. Através deles tive contato com todo tipo de música que eu não conhecia até então, e passei a me aprofundar um pouco mais na música instrumental. Tive vários grupos de música instrumental na faculdade, todos voltados para a música brasileira, e isso foi para mim um grande laboratório de composição, interpretação e produção musical — continua.
— Mas ainda não era o tipo de música que toco hoje, por exemplo, na faculdade nós não estudávamos choro, baião, frevo, a metodologia era mais voltada para o jazz. Então os meus grupos, apesar de serem focados na música instrumental brasileira improvisada e já valorizar bem mais os ritmos brasileiros, não faziam a sonoridade que eu faço hoje — relata.
Depois de cursar a universidade, Hercules foi para a capital de São Paulo e gravou o seu primeiro disco, Pianismo.
— Foi nesse momento, depois da gravação do disco, que assumi realmente essa bandeira da música popular brasileira instrumental focada no piano, que descobri essa identidade e vi que esse era realmente o meu caminho. Em 2018 gravei No tempo da Chiquinha, um álbum totalmente dedicado à Chiquinha Gonzaga. A maioria das composições são suas, somente duas obras não são da Chiquinha, mas são dedicadas à ela: uma do Joaquim Callado e a outra do Laércio de Freitas.
Percorrendo a via da música popular
— Apesar de amar as obras da Chiquinha, do Ernesto Nazareth, etc., comecei a trabalhar com essa música meio que por acaso, quando o Wandrei Braga, que cuida do site da Chiquinha, me pediu para fazer um arranjo para um evento. Depois o Wandrei me convidou para fazer um outro evento, um outro arranjo para uma música da Chiquinha Gonzaga, e eu gostei muito disso — conta Hercules.
— Um trabalho foi puxando o outro e quando eu vi já tinha seis arranjos, quer dizer, quase que um álbum pronto, e assim decidi gravar um disco em homenagem à Chiquinha Gonzaga. Por causa dessa decisão me aprofundei mais ainda na sua obra, por exemplo, No tempo da Chiquinha tem a música Querida por todos que Joaquim Calado fez em sua homenagem e que quase não foi tocada, muito pouco conhecida — continua.
— E tem músicas da Chiquinha que eram inéditas, nunca tinham sido gravadas, por exemplo, Walkyria e a polca Cintilante, que estava desaparecida. Um resgate muito interessante também é um registro de voz da Chiquinha, que é o único existente. Esse registro foi descoberto aqui em São Paulo, o Instituto Moreira Salles recuperou e eu o inseri no meu disco — conta.
Em 2020 Hercules gravou Tia Amélia Para Sempre, uma homenagem à pianista e compositora Amélia Brandão Nery, mais conhecida como Tia Amélia.
— Desde que ouvi pela primeira vez a Tia Amélia tocar, em 2014, gostei do seu estilo, foi muito impactante para mim. É um jeito de tocar piano muito brasileiro, original, e essa característica é assim marcada com muito ritmo e com uma possibilidade, que ela criava ali, de imitar um grupo de choro, que é o nosso mais autêntico gênero, um dos primeiros gêneros autênticos da música brasileira urbana. E ao mesmo tempo que ela imitava um violão, ela imitava um cavaquinho, com muito balanço, muito gingado, muito ritmo — explica.
— É por isso que o piano da Tia Amélia era muito brasileiro e logo que eu o ouvi pela primeira vez já sonhava em fazer algum trabalho em sua homenagem, até que apareceu o convite e conseguimos uma parceria com o selo Sesc, que lançou o disco. Gravamos várias músicas da Tia Amélia, que apesar de ter sido uma grande pianista estava meio esquecida, e depois dei continuidade ao resgate escrevendo partituras, compilando todos os áudios que encontrei, de gravações comerciais e não comerciais suas — continua.
— Comecei a fazer o resgate desses compositores mais antigos sempre no objetivo de tocar piano melhor, de montar esse quebra-cabeças que é o piano brasileiro, com gingado, com essa técnica da música brasileira, dos ritmos. E uma grande peça desse quebra-cabeças está nesses pianistas mais antigos, especialmente quando falamos do choro, eles tocavam e compunham muito choro — declara Hercules.
— Resgatar esses músicos, tanto os pianistas quanto outros músicos da mesma época, que estão esquecidos, é resgatar parte da nossa história que está perdida, é montar o quebra-cabeças da nossa identidade, da nossa cultura, de como chegamos até aqui. Um povo sem história, sem memória não é nada. Encaro dessa forma e sinto muito prazer em fazer trabalhos de resgate, e ainda aprendo muito com as obras deles — continua.
Hercules conta que acabou de gravar o EP Sarau Tupinambá, com previsão de lançamento para janeiro próximo.
— O disco é fruto de uma campanha de financiamento coletivo, quer dizer, o próprio público patrocinou o projeto. Tem quatro músicas do Marcelo Tupinambá, que é um compositor brasileiro contemporâneo do Ernesto Nazareth, do Zequinha de Abreu e até da Chiquinha Gonzaga, e que também foi muito importante para a criação dessa identidade musical e cultural brasileira.
— Depois, ao longo do ano de 2022, a cada dois meses eu pretendo lançar uma música e disponibilizá-la nas plataformas digitais. São composições minhas, do João Bosco, Zequinha de Abreu e por aí vai — finaliza Hercules Gomes.
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