Massas camponesas enfrentaram, cara a cara, o cerco militar para acessar a terra; a maioria da área sequer foi despejada
Uma grandiosa resistência de 800 famílias camponesas das Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira concluiu mais uma batalha da luta prolongada pela conquista da terra e para assentar as bases para um Novo Brasil. Enfrentamentos, manifestações, resistência a invasões policiais e muita organização (mesmo quando parte das famílias foi despejada na calada da noite) – assim podem ser resumidos os acontecimentos de outubro de 2021 em Rondônia.
No distrito de Nova Mutum Paraná, Porto Velho, milhares de camponeses estão dispostos a persistir na luta e até mesmo elevá-la a novos patamares. Enfrentando e derrotando o latifúndio, o movimento camponês cumpre a tarefa fundamental de prosseguir a Revolução Agrária. Tudo através da justa tática: tomar a terra do latifúndio, dividi-la em diferentes lotes e os distribuir às famílias de camponeses sem terra ou com pouca terra, sem guardar quaisquer ilusões com o velho Estado e sua falida “reforma agrária”.
Este momento da luta dos camponeses teve seu desfecho no dia 27 de outubro, quando parte dos trabalhadores que haviam sido expulsos retornou às suas terras. Isso aconteceu após enfrentarem, dias a fio, uma escancarada operação de guerra que promoveu procedimentos proibidos mesmo em tratados internacionais, como privação de água, alimento, tortura psicológica, dentre outros. Mais de 3 mil militares levaram aos camponeses o terror reacionário na Operação “Nova Mutum”, como parte de seu plano de desatar uma guerra de grandes proporções contra a luta camponesa.Os militares da Polícia Militar de Rondônia (PM-RO) de Marcos Rocha contaram com reforço da Força Nacional de Bolsonaro.
Entretanto, nos rostos dos homens, mulheres e crianças que enfrentavam a repressão podiam ser vistas a dureza e a determinação exigidas diante da situação apresentada.
Anuncia-se a Operação
No final de setembro foi emitida pela "justiça" uma nova ordem de despejo em favor do latifundiário e grileiro Antonio Martins (o “Galo Velho”). Na ocasião foi anunciado que um grande aparato repressivo seria dirigido à região. No dia 02/10, milhares de camponeses das Áreas se reuniram em Assembleia Popular para discutir sobre a defesa de suas terras frente aos preparativos deste novo massacre por parte dos reacionários.
A partir de 10/10, agentes encapuzados buscavam realizar uma série de investidas criminosas contra os camponeses enquanto tentavam avançar nas áreas durante a noite. Contudo, faziam-no morosamente, pois as famílias resistiram.
Na noite de 17/10, em ativa autodefesa, as massas camponesas se organizaram para queimar pontes e bloquear as vias de acesso para impedir a invasão bélica. Pontos de vigilância estratégicos foram montados para que os camponeses pudessem avisar a toda a área antecipadamente sobre o avanço das tropas.
Camponeses em pé de guerra!
O início oficial da Operação, 23/10, foi anunciada pelas forças de repressão como uma ação de despejo. Concretamente, ela buscava impedir o acesso à terra daquelas centenas de famílias já estabelecidas e produzindo nas terras antes paradas. Tal ação mobilizou forças de repressão auxiliares, porém já havia sido anunciada pelo próprio Bolsonaro e orquestrada pelas Forças Armadas reacionárias.
Como resposta, as famílias se mantiveram altivas e organizadas, impedindo que fossem realizados novos e maiores crimes do velho Estado e do latifúndio contra os trabalhadores. Em verdade, todas as tentativas da PM de promover o terror reacionário foram em vão: enquanto os militares buscavam atrapalhar o sono dos camponeses, lançando fogos e atirando durante a madrugada, as massas camponesas estavam já acordadas derrubando pontes e colocando imensos troncos para impedir a entrada das tropas na área. As táticas de resistência de massas – adotadas como única forma de garantir a posse das terras já conquistadas através da ocupação e do Corte Popular – surtiram efeitos: o avanço do imenso aparato repressivo foi lento, tamanho temor que sentiam os policiais de enfrentarem a organização decidida dos camponeses.
Apenas uma parte das famílias foi expulsa na calada da noite. Esta ação se deu sob a mira das armas dos policiais que promoveram terrorismo contra a massa de trabalhadores. A outra parte das famílias sequer foi alcançada pelas tropas pois, diante do bloqueio, os policiais só tinham como alternativa abrir novos caminhos. Por fim, não conseguiram ter acesso a muitas linhas. A maior parte das famílias prosseguiu na terra entregue pela Revolução Agrária combatendo ativamente as forças repressivas. O retorno das famílias se deu após 10 dias.
A cada novo dia no curso dessas duas semanas de batalhas e escaramuças, foi derrotada a tentativa de nova chacina das forças repressivas com a persistência na organização coletiva das massas. Reunidas em pontos em que as tropas não conseguiam invadir, centenas de famílias mobilizavam-se e discutiam os novos passos de sua luta.
No dia 23/10, os camponeses realizaram a maior manifestação de uma série, bloqueando a rodovia BR-364 em um trecho próximo à Área Dois Irmãos. Uma grande faixa com o nome da Área em letras vermelhas foi estendida, além de dezenas de bandeiras da Liga dos Camponeses Pobres (LCP). Um panfleto escrito a mão foi distribuído aos motoristas durante o ato. Em letras simples, os panfletos relatavam toda a situação enfrentada e chamava todos a denunciarem a covarde Operação.
Frente a frente com o cerco
Acompanhados por integrantes da Missão de Solidariedade, os camponeses que haviam sido despejados saíram do alojamento improvisado, no dia 26/10, em um grande comboio que tomou as rodovias com diversas motocicletas, carros, caminhonetes, ônibus e caminhões, para retornarem às suas terras.
Chegando na entrada da Área, se depararam com o ilegal e criminoso cerco militar. Diante das dezenas de agentes policiais armados com fuzis e sem identificação, que os provocavam e fustigavam, os camponeses mantiveram sua posição de retomar o que é deles.
As centenas de famílias formaram um mar de massas que entoava o Hino das Ligas dos Camponeses Pobres, Conquistar a Terra e suas palavras de ordem. Contando com o apoio dos trabalhadores do município e outros camponeses, as famílias receberam um boi de doação, que foi ali mesmo preparado para refeição, a única fonte de alimentação por horas.
Um camponês afirmou veementemente, enquanto era submetido à revista policial: “Nós entramos nesta terra e não vamos sair! Nosso lema é ocupar, resistir e produzir! A terra é nossa. É terra para quem nela vive e trabalha!”. Logo no início da noite do dia 27/10 todos estavam no “barracão” da Área Tiago Campin dos Santos, local onde acontece a Assembleia Popular.
Despejo suspenso: vitorioso retorno!
Diante de todas as ações de resistência frente às absurdas violações de direitos na operação de guerra contra os camponeses, uma liminar foi emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), assinada pela ministra Cármen Lúcia, na tarde de 21/10. O STF, pela heroica resistência das massas e pelo grau de confrontação que tal instituição possui com o fascista Bolsonaro, viu-se obrigado a determinar a suspensão do despejo de milhares de camponeses e também a imediata retirada das tropas policiais. As tropas reacionárias se recusaram, inicialmente, a acatar a decisão. Porém, cederam em seguida dada a desmoralização da Operação.
Ao chegarem dentro da Área, as massas camponesas, altivas e cheias de ânimo diante da vitória, somaram-se às outras que não haviam sido expulsas e iniciaram o preparo da refeição. Os trabalhadores que tiveram suas casas destruídas se abrigaram no barracão. Os alimentos arrecadados com as campanhas de solidariedade, bem como medicamentos, foram entregues às famílias. Embora felizes, as famílias sabem que a garantia temporária da terra não é o fim da luta por aquela terra e nem é o fim da grande jornada da Revolução Agrária. Trata-se apenas do começo. E, “por mais que demore”, o povo triunfará.