O presidente fascista do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente reacionário do Peru, Pedro Castillo, se encontraram em Rondônia em 3 de fevereiro. Quando dois chefes de Estado de países dominados encontram-se, pouca importância pode ter seus encontros, sobretudo quando se trata de dois políticos que estão francamente fenecendo. Tanto Bolsonaro quanto Castillo foram obrigados a aceitar alianças indesejáveis com setores os quais, durante as respectivas campanhas eleitorais, juraram jamais se associar.
Deste modo, o encontro guarda certas singularidades. Primeiro pelo contexto de grave crise econômica em todo o subcontinente, que já há muito desenvolveu-se para crise política e, dentro de determinadas circunstâncias e com o tempo, ameaça rumar para uma crise no sistema de Poder.
A segunda singularidade são as semelhanças entre ambos. Em que pese a indigestão que sente todo o oportunismo em torno de Castillo – que longe de representar alguma “viragem à esquerda” de todo subcontinente latino-americano (“fenômeno” real somente nos editoriais dos jornalões do monopólio de imprensa reacionário), consolidou-se no seu governo como um fraco –, é preciso reconhecer que trata-se de tipos similares: dois pigmeus contrarrevolucionários que persistiram por mais de 30 anos na política oficial.
Ambos conseguiram, num determinado momento da crise política, alçar o topo da gerência. Longe de resolver a crise e alcançar o propalado “desenvolvimento econômico”, tanto Bolsonaro como Castillo estão a desenvolver crises para se aproveitar. Assim como Bolsonaro, Castillo também foi eleito por uma minoria: menos de 11% dos peruanos aptos a votar escolheram-no.
O rondero oportunista
Pedro Castillo era um dos sindicalistas amarelos, reformistas e divisionistas, que durante a greve nacional dos professores peruanos em 2017 aliou-se ao governo e aos patrões. Castillo, junto com outros pelegos, defendeu que o Sindicato Unificado dos Trabalhadores em Educação do Peru (Sutep) deveria dissolver-se e dar lugar a uma federação sem unidade programática ou orgânica, uma posição que atentava contra os princípios do Sindicato classista e que foi derrotada em Cuzco em 1972.
Durante a própria greve, Castillo já era denunciado por professores classistas, progressistas e democráticos em geral , por promover desvios oportunistas na condução da justa luta grevista dos professores.
Buscando instaurar a burocracia sindical como condição de promover-se, Castillo fez da justa luta dos professores um mero trampolim eleitoral. Desde então, Castillo já levantava a posição de “nova constituinte”, distanciando-se da luta dos professores peruanos por melhores condições de exercer o seu trabalho.
Agente da contrarrevolução
Castillo não nasceu em 2017, mas em 1969. Durante os anos 1990, tinha mais de 20 anos. Foi quando associou-se a organizações impulsionadas, dentro dos critérios do imperialismo ianque (Estados Unidos, USA) de “guerra de baixa intensidade”, por latifundiários peruanos, pelo velho Estado através de suas Forças Armadas, pela Igreja Católica e pela CIA (Agência Central de Inteligência do USA). Pedro Castillo empenhou-se nas rondas campesinas, grupo contrarrevolucionário que atuava através do patrulhamento rural e que foi especialmente ativo na década de 1980, quando desempenhou um papel na luta contra o Partido Comunista do Peru (PCP). Este seu envolvimento no combate à guerra popular foi um dos trunfos que utilizou para confirmar às classes dominantes peruanas que seria, sim, um fiel servo ao que manda o establishment.
Este foi um dos motivos que levou um grupo de revisionistas peruanos, organizados em torno do Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (Movadef, na sigla original), a empenhar-se na sua candidatura. O grupo é atualmente o principal representante da Linha Oportunista de Direita revisionista e capitulacionista (LOD r e c), dirigida por ratazanas e traidores e ex-dirigentes do PCP que capitularam da luta revolucionária e atualmente defendem a velha ordem e negam tudo que fora estabelecido pelo Partido.
O governo de crises
Castillo desatou no início de fevereiro sua quarta reforma ministerial em menos de seis meses de mandato, após o presidente do Conselho de Ministros do Peru, Héctor Valer Pinto, demitir-se enquanto Castillo se encontrava com Bolsonaro. Ele ficou somente quatro dias no cargo e foi o quarto a pedir demissão. Valer foi do Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra), partido fascista do ex-presidente Alan García Pérez, e nos últimos meses associou-se a uma sigla da extrema-direita peruana e ingressou, em seguida, em um partido da centro-direita peruana. Com sua nomeação, Castillo tinha dado sinais de uma aproximação íntima aos seus críticos.
O rondero enfrenta crises políticas sucessivas que lhe forçam dar meia-volta e entregar espaços de seu governo. A semelhança com o Brasil em torno da troca de ministros (em três anos de mandato, Bolsonaro trocou 24 vezes de ministro e Castillo teve de trocar 17 ministros em seis meses) expressa a crise geral que se processa em ambos países. No início do seu mandato, Castillo precisou comprovar-se como um fiel servo do establishment peruano. Foram afastados toda sorte de revisionistas e oportunistas que haviam embarcado no apoio ao sindicalista amarillo.
A julgar pelas suas atitudes, Pedro Castillo está buscando o caos para promover-se. Mais especificamente, deseja uma cassação de seu mandato, à semelhança do processo sofrido pelo ex-presidente peruano Martín Vizcarra em 2020. Para tanto, Castillo eleva as brigas com o Parlamento (ele não conseguiu montar qualquer base parlamentar, mínima que fosse) para, no momento oportuno, acusar de golpistas e de putsch a seus opositores. A Associação de Nova Democracia Nuevo Peru em Hamburgo (Alemanha) afirmou que, neste caso, “Castillo retornaria ao palácio como Cristo andando sobre as águas e, posteriormente, abriria as portas para a saída reacionária da Constituinte, a saída chilena”.
Comprovação disto é que, antes de ir embora do governo Castillo, Héctor Valer ameaçou o Parlamento em torno do “voto de confiança” (dispositivo oriundo da Constituição fascista de Fujimori que, em última instância, permite ao Executivo dissolver o Parlamento): “Se não nos derem o voto de confiança, cumpriremos o que diz o Congresso: iremos embora”, referindo-se ao gabinete nomeado por Castillo, “e se reestruturará o gabinete”. Prosseguiu sua ameaça: “Vocês terão perdido sua primeira bala de prata no Congresso, para que logo o presidente utilize sua bala de ouro e dissolva o congresso.”.
Dois pigmeus
Em torno de promessas não cumpridas, Pedro Castillo assemelha-se ao fascista Jair Bolsonaro. Sem exatamente corresponderem entre si em termos, são, contudo, idênticos. Enquanto um empenhou-se nas incursões financiadas pela contrarrevolução no Peru (Igreja Católica, latifundiários, governo peruanos e CIA-ianque), o outro foi fundo no planejamento e na execução de ações da extrema-direita que, limada do gerenciamento militar, buscava dificultar as ações da direita militar e sua linha da transição lenta, gradual e segura.
Faces da mesma moeda. Ao fim e ao cabo, o corporativismo na base das torturas, estupros e perseguições políticas dos elementos conscientes do campesinato peruano buscava o mesmíssimo objetivo daquele que nos fins do regime militar brasileiro não aceitava a derrocada do regime de terror instaurado após o AI-5. Pôr fim ao perigo de derrota do velho Estado e vitória da revolução eram os objetivos tanto de um, como de outro. O encontro é mesmo uma expressão de uma redenção maldita para ambos.