Uma velha demanda do imperialismo junto às semicolônias da América Latina voltou à tona com toda força, desta feita na Argentina. Trata-se da exigência de que tenhamos, em nosso continente, banco centrais ditos "independentes", o que na prática significa que estejam diretamente subordinados às ordens dos monopólios e do capital financeiro transnacional, sem a necessidade de intermediação de gerências políticas potencialmente problemáticas para os especuladores e para as transnacionais.
Em países como o Brasil, o grito pela independência jurídica do Banco Central já foi mais estridente, dado que a subordinação de fato da instituição aos interesses da rapina imperialista acabou sendo um compromisso assumido pela gerência petista para se viabilizar enquanto alternativa não ao, mas para o imperialismo. Tanto que Henrique Meireles está empoleirado lá, estável que só, desde janeiro de 2003, quando Luiz Inácio assumiu a gerência da semicolônia Brasil.
Na Argentina acontece exatamente o contrário. Lá, o Banco Central é "independente" desde 1994, por obra e graça do ex-gerente Carlos Menem, mas no último mês de janeiro a atual "presidente" do país, Cristina Kirchner, invocou-se com a recusa do gerente Martin Redrado, mandatário da vez do BC argentino, em liberar recursos extras para que a Casa Rosada pudesse pagar encargos do endividamento público, iniciando uma verdadeira ofensiva governamental para removê-lo do cargo, com o séquito dos Kirchners se empenhando em forçar uma demissão que não poderia acontecer pela via de uma simples canetada do poder executivo — o que Cristina Kirchner até tentou, mas foi impedida por uma decisão judicial.
Neste imbróglio, a verdadeira cara dos envolvidos na queda de braço veio logo à tona. Redrado denunciou uma operação cambial infame realizada por Nestor Kirchner às vésperas de uma desvalorização do peso frente ao dólar, quando comprou US$ 2 milhões se valendo de informações privilegiadas (quando denunciado, disse que a grana era para comprar um hotel na Patagônia). E a imprensa chapa branca fez circular que a juíza que prontamente garantiu Redrado na chefia do Banco Central, Maria José Sarmiento, é filha do tenente-coronel Luis Sarmiento, antigo delegado da agência estatal de sabotagem Side (Secretaria de Inteligência de Estado), velho contra-revolucionário formado na famigerada Escola das Américas, centro de treinamento de assassinos mantido pelo USA na América Central.
O fato de pipocarem denúncias como estas, entretanto, não significa que haja ali alguém que esteja do lado do povo da Argentina. A peleja em torno do controle do Banco Central do país é uma briga entre os oportunistas da velha estirpe, demagogos falsamente identificados com a esquerda autêntica que cacarejam em nome do povo enquanto prestam serviços muito bem remunerados aos inimigos das classes populares, e a direita repaginada, personificada em figuras como o próprio Redrado, ou seja, jovens financistas que vivem a arrotar decisões "técnicas", fazendo-o também em nome do povo, como o próprio ao negar a liberação dos fundos requisitados por Cristina Kirchner. Formado nas fileiras da direita peronista, Redrado certamente iria alardear toda a sua técnica para dizer que o melhor seria liberar o dinheiro caso o grupo solicitante instalado na Casa Rosada não fosse seu adversário na disputa eleitoral que se aproxima, disputa pelo direito de gerenciar a Argentina para os monopólios.
Por fim, no início de fevereiro, Redrado renunciou à chefia do Banco Central da Argentina. Mas não houve vitoriosos. O desfecho do caso não evidencia outra coisa senão o nível avançado de deterioração em que se encontram a estruturas do Estado semicolonial. Essa história deixou à mostra uma verdade inconveniente para o imperialismo e seus lacaios: nem mesmo a "moderna" autonomia jurídica do Banco Central — ou outra panacéia qualquer inventada para azeitar velhas e enferrujadas engrenagens — é salvação para os Estados burocráticos latino-americanos, carcomidos e em desmoronamento.