Professor Heiberle (à esquerda) junto aos indígenas
O Núcleo de Estudos Interdisciplinares com Povos Indígenas (NEIPI – ABA) junto ao curso de Ciências da Religião realizaram o evento “Semana Indígena Unimontes” (Universidade Estadual de Montes Claros), que, dentre suas atividades, contou com uma concorrida palestra promovida por representantes do povo Xacriabá. Representando tal povo indígena, que possui seu território localizado entre os municípios de São João das Missões e Itacarambi, estiveram presentes o cacique Hilário, que também é membro da Articulação Rosalino, e Giusney, representante da juventude Xacriabá e professor em uma escola indígena dentro do território Xacriabá.
A palestra foi mediada pelo professor Dr. Heiberle Hirsgberg Horácio, pós-doutor em Ciências Sociais, membro do NEIPI – ABA e coordenador do curso de Ciências da Religião da Unimontes. Em sua breve fala, o Dr. Heiberle mencionou o recente episódio em que o governador de Minas, Zema/Novo, fugiu da comunidade acadêmica e afirmou: “O governador não é bem-vindo aqui na Unimontes, mas vocês são mais do que bem-vindos.”
O evento contou com a participação mais de 200 pessoas, que lotaram o auditório do Centro de Ciências Humanas (CCH), entre estudantes, professores, pesquisadores e pessoas externas à comunidade acadêmica. Um ponto que merece destaque na realização do evento foi o respeito que os organizadores tiveram para com as lideranças indígenas. O professor Dr. Heiberle Horácio apenas apresentou as lideranças indígenas e mediou o espaço com os participantes. Nesse sentido, com razão, os próprios indígenas foram os professores sobre seu modo de vida, cultura, religião e, principalmente, sobre as lutas que têm travado contra o latifúndio e o velho Estado brasileiro, particularmente neste cenário de golpe de Estado contrarrevolucionário em curso preventivo ao inevitável levantamento das massas, presidido, no atual momento, pelo gerenciamento latifundista, anti-operário, obscurantista e vende-pátria de Jair Bolsonaro, tutelado pelo Alto Comando das Forças Armadas reacionárias.
Estudantes, professores e pesquisadores lotam auditório para ouvir liderança Xacriabá
O evento foi iniciado com um pequeno documentário produzido pelos próprios Xacriabás. O cacique Hilário remontou a história de resistência de seu povo, destacando a necessidade de manter viva sua cultura e religião. Nesse sentido, o cacique foi enfático: “O território é a base! Tudo parte dele!”, e, citando um dizer da cultura Xacriabá, afirmou: “A certeza de herança que nós indígenas vamos deixar para os filhos é a luta!” (para saber mais confira a matéria exclusiva de AND).
O cacique Hilário também falou sobre o atual cenário político de ataque aos direitos dos povos indígenas e aos seus territórios. A pedido do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Augusto Heleno, o ministro Sergio Moro, por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União, autorizou o uso da Força Nacional de Segurança por 33 dias, a partir do dia 17/04, em Brasília, mais especificamente na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes. Numa clara tentativa de intimidar e se opor, por meio da violência de Estado, à realização do já tradicional Acampamento Terra Livre (ATL), promovido, há vários anos, por diferentes povos indígenas e que, nesta edição, entre os próximos dias 24 e 26 de abril, já está prevista a presença de mais de 10.000 participantes entre indígenas e apoiadores de sua justa causa.
Encerramento do evento
Ainda abordando sobre o atual cenário político e as perspectivas de resistência dos povos indígenas, o cacique afirmou: “Se rasgarem a Constituição vamos continuar resistindo, podemos até morrer…. mas não pensamos em recuar. Novas sementes vão nascer. Não precisamos de papel para dizer que existimos!”. O cacique Hilário ainda afirmou que estão mobilizando vários ônibus de seu povo e convocou os apoiadores a contribuírem com a Vakinha online que estão realizando para custear as despesas com a viagem e o evento.
Em sua fala, Giusney, representante da juventude Xacriabá e professor, denunciou a precarização dos serviços de saúde e educação já sentida durante estes pouco mais de 100 dias do gerenciamento Bolsonaro, citando a situação das escolas dentro do território Xacriabá. O professor afirma que está ocorrendo o fechamento de turmas, com a consequente imposição de salas de aula multisseriadas lotadas com mais de 40 alunos. Giusney denunciou ainda as dificuldades que enfrentaram para que o poder municipal, quando da efetivação das escolas indígenas, contratasse os professores Xacriabás, os tratando como “menos capazes que os homens brancos”. Ressaltou ainda a importância de espaços como o que estava ocorrendo e a necessidade de se lutar por uma política que assegure aos povos indígenas o acesso ao ensino superior público e gratuito.
Um representante do Comitê de Apoio à Luta pela Terra fez o uso da palavra, lendo uma mensagem em solidariedade e apoio à luta do povo Xacriabá e a realização do evento enviada pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Norte de Minas e Sul da Bahia e distribuindo dezenas de panfletos assinados pela Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres, intitulado “Contra a invasão de territórios indígenas! Todo apoio a resistência dos povos indígenas!”.
Cacique Hilário e professor Giusney
Ao final do evento, membros do Comitê de Apoio ao Jornal A Nova Democracia procuraram as lideranças indígenas e entregaram dois números da atual edição do jornal, explicando a linha editorial do AND e a nossa disposição em seguir propagandeando a luta por terra e território de todos os camponeses, povos indígenas e quilombolas.
A mensagem da LCP
Segue, na íntegra, a mensagem enviada ao evento pela Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia:
“Desde o início do ano se intensificaram os ataques aos povos originários. Só em janeiro foram mais de 8 invasões a terras indígenas além de diversos ataques de bandos armados do latifúndio e agentes do velho Estado.
A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL), tutelado pelo Alto Comando das Forças Armadas, suas medidas e manifestação pública contra os povos indígenas, quilombolas e camponeses encorajam as ações dos bandidos latifundiários (especuladores e agronegócio), banqueiros, empreiteiras, e monopólios estrangeiros (especialmente os ligados a madeira, construção de hidrelétricas e mineração como a criminosa Vale) que visando o lucro máximo, não medem esforços em expulsar os verdadeiros donos da terra, rasgam as próprias leis de seu genocida Estado de grandes burgueses e latifundiários e passam o rolo compressor sobre quem se tornar obstáculo aos seus planos criminosos de exploração e pilhagem das nossas riquezas.
Esses grileiros a soldo de latifundiários e politiqueiros locais querem se adonar da madeira e de vastas extensões de terras com riquezas ainda intocadas. Para isso buscam forçar a redução e revisão da homologação de terras indígenas, assentados no discurso fascista de Bolsonaro de que “há muita terra pra pouco índio”. O gerenciamento de Bolsonaro é governo de latifundiários, anti-povo, obscurantista e vende-pátria. E não se pode esperar desse gerenciamento nada a favor dos povos indígenas a não ser o aumento de modificações na legislação ameaçando os já pouco reconhecidos direitos dos povos indígenas, e a cobertura e legitimidade para o incremento das agressões e genocídio.
Reconhecemos na questão indígena não uma mera questão de direito à demarcação de terras. A questão indígena, questão dos povos originários destas terras, é o problema de minorias étnicas e nacionais. As populações indígenas em todo território dos continentes americanos resultam de trágica e heroica resistência ao genocídio continuado e à cultura de dominação, exploração e destruição da empresa de conquista e de colonização das classes dominantes europeias, ao longo de mais de 500 anos, política esta aprofundada pelo domínio colonial/semicolonial norte-americano nos últimos 200 anos.
Dr. Cássio Alexandre da Silva presenteia Xacriabá com mapa emoldurado de seu território
A partir do reconhecimento desta condição dos povos indígenas verificamos que eles, junto do restante das massas populares, têm um inimigo comum, o velho Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo, principalmente ianque. As causas de cada um são parte integrante da luta de libertação de nosso povo e nossa pátria.
Por isso a luta das Ligas de Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia, que se inicia com a luta pela conquista da terra, pela Revolução Agrária e destruição do latifúndio, e a luta dos povos indígenas têm o mesmo inimigo comum e imediato: os latifundiários. Classe usurpadora das terras indígenas e quilombolas e grileiras das terras juridicamente da União; classe mais reacionária e bandidesca que compõe o velho Estado há séculos. Os latifundiários, estes sim os verdadeiros ladrões de terra, maiores exploradores e genocidas, classe que é enaltecida pela publicidade da rede globo, mas que é a principal responsável pelo atraso e infelicidade dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais pobres do campo e cidade.
Um exemplo concreto disso do que estamos falando é a tentativa do latifundiário-grileiro Valter Santana Arantes (dono do Supermercado BH) de expulsar as 50 famílias camponesas da Comunidade Olaria Barra do Mirador, em Miravânia, que faz divisa com o território dos companheiros e , há 19 anos, trabalham e produzem naquelas terras antes abandonadas. Este latifundiário “Valtinho” está envolvido em várias tentativas de expulsão de comunidades camponesas, quilombolas e ribeirinhas da região, muitas vezes, se utilizando de grupos paramilitares que contam com o apoio e a participação de policiais, com a cumplicidade do judiciário e de todo aparato do velho Estado burguês-latifundiário. Este mesmo “Valtinho”, que foi preso no ano passado na “operação Lava Jato” por roubar dinheiro público (lavagem de dinheiro), agora quer continuar roubando o povo, tomando as nossas terras e territórios!
Por fim reafirmamos nossa decisão de perseguir o objetivo de tomar todas as terras do latifúndio, cortar em pequenas parcelas e entregar aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra!
Reafirmamos nosso reconhecimento ao direito à autodeterminação dos povos indígenas!
Reafirmamos nosso repúdio a qualquer invasão de territórios indígenas!
E reafirmamos nossa decisão de apoiar a luta e resistência dos povos indígenas, de buscar alianças e efetivar esse apoio nos fatos, nos dispondo a lutar ombro a ombro na defesa de seus territórios ameaçados!”