Associação Vila Verde. Foto: Comitê de Apoio de Porto Alegre/RS
No dia 13 de fevereiro, membros do Comitê de Apoio de Porto Alegre (RS) estiveram visitando a Associação Vila Verde (em Atlântida Sul, município de Osório), ocupação cujos moradores realizaram protesto semanas antes. Eles bloquearam a RS-389 por cerca de 30 minutos, os moradores exigiram condições dignas de moradia, e manifestaram sentimento de revolta diante da série de ameaças de despejo que vêm sofrendo. Os membros do Comitê ouviram relatos das lideranças da Associação, e, na ocasião, conversaram sobre a linha do jornal e distribuíram edições impressas aos membros da comunidade.
Há cerca de 12 anos atrás, trabalhadores vindos de diversos municípios do litoral do Rio Grande do Sul adquiriram e ocuparam terrenos na região de Mariápolis, em Osório, revela o vice-presidente da Associação, Roberto César, trabalhador de 41 anos que mora há 10 anos na ocupação. Enquanto novos trabalhadores ocuparam outras partes do terreno abandonado recentemente, muitos adquiriram de donos anteriores, que já ocupavam o terreno há mais de 10 anos.
Aos moradores de Vila Verde, não está claro quem vem a ser o “proprietário legal” das terras. Segundo César, fontes atribuem a posse das terras à prefeitura, outras à Guerra Investimentos e, mais recentemente, à Andora Construções, que teria adquirido os títulos da Guerra. No entanto, continua ele, o processo de reintegração de posses, promulgado em 2020, está sob o nome da Guerra Investimentos.
Após indagar às "autoridades" locais sobre o processo em aberto, a resposta que os líderes da Associação receberam foi a de que os moradores seriam "realocados" a terrenos individuais distribuídos pela prefeitura. No entanto, se tratam de terrenos vazios, quando, no local em que vivem agora, os habitantes já possuem moradias estruturadas. Tal é o caso, a transferência dos moradores só não foi (ainda) firmada porque, pela jurisdição, no contexto pandêmico, eles não poderiam ser deixados aglomerados em espaço aberto, sem teto.
Hoje, a ocupação conta com cerca de 500 casas, tendo cerca de 3 mil moradores. No entanto, o que se nota entre eles é um sentimento generalizado de incerteza, o que faz com que vários deles abandonem suas moradas, tanto moradores novos como os que lá estão há vários anos.
Em entrevista ao Comitê, os líderes da Associação revelam que grupos armados rondam o local, intimidando os moradores pelas ruas da comunidade, seja através de ameaças verbais ou expondo suas armas, além de tirarem fotos do local. Afirmando trabalhar para a Andora Construções, estes homens armados circulam a comunidade demarcando o terreno. Receosos, os moradores alegam se tratar de policiais à paisana.
Não apenas grupos armados rondam as ruas da comunidade, mas a própria polícia o faz, monitorando a comunidade, ameaçando os moradores e, inclusive, proibindo-os de filmar suas ações, constantes durante quase todas semanas. Também, os líderes da Associação denunciam que a polícia invade as casas dos moradores, chutando suas portas. Cabe pontuar que isto se dá sem nenhum mandato, algo que os oficiais justificam através da não-posse legal das propriedades, que priva os moradores de escrituras e reconhecimento jurídico. Ainda durante a invasão de moradias, denunciam os líderes, os policiais realizam práticas de intimidação, usando a alcunha difamatória de que os trabalhadores da comunidade são “traficantes”.
Em revolta, os moradores realizaram uma manifestação no dia 29 de janeiro, bloqueando a estrada em direção ao litoral, queimando pneus e impedindo a passagem. Na ocasião, cerca de 70 viaturas da polícia, incluindo tropa de choque e cachorros, foram para reprimir a manifestação. Uma das lideranças da Associação denunciou mesmo que a polícia chegou a querer impedir de filmar o protesto, além de darem dois tiros como ameaça.
No protesto, os moradores exigiam uma resposta concreta às suas demandas, a saber, a regularização da Associação Vila Verde, há muito exigida pelos moradores, e urbanização.
A regularização das moradias é uma das mais importantes para os moradores, uma vez que afirmam não terem acesso a escolas e creches para seus filhos, devido à falta de comprovação de residência, falta que os priva ou compromete de ter atendimento em postos de saúde e hospitais e de encontrar emprego.
Os moradores também exigem urbanização do território ocupado, uma vez que a região não tem acesso à água potável da prefeitura, ou mesmo à luz elétrica regularizada. O limitado acesso que os moradores têm a ambos provém do esforço próprio, após trabalharem em conjunto.
Apesar das bravatas do prefeito Roger Caputi (MDB), os moradores continuam sem resposta alguma do mesmo desde o protesto do dia 29/01, apesar deste já ter afirmado que legalizaria a ocupação até fevereiro do presente ano. O mesmo prefeito, em ocasião passada, chegou a afirmar para os moradores que “não sabia de nada” a respeito da ocupação, mesmo sendo vereador da câmara de Osório por dois mandatos e ter estabelecido contato com os moradores.
Independente das inúmeras ameaças de despejo nos 12 anos de existência da ocupação, os moradores não se amedrontam, reafirmando sua confiança na luta, e seu desejo de prosseguir lutando pelos seus direitos à moradia. Segundo Luis Fabiano, trabalhador de 44 anos, “um deputado ganhar 33 mil reais por mês, mais auxílio paletó, mais auxílio moradia, mais alimentação – não é justo, enquanto o povo tem que se ferrar com 1100 por mês. Só queremos a dignidade de cada um”, afirmou o trabalhador.