No dia 17 de março, três militares foram presos: Jussielson Gonçalves Silva, militar inativo da Marinha e coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) da regional no interior do Mato Grosso (MT), de Gerrard Maxmiliano Rodrigues de Souza sargento da Polícia Militar (PM) e Enoque Bento de Souza ex-policial militar do Amazonas. A prisão ocorreu após denúncias do Ministério Público Federal (MPF) de que o trio integra um grupo de paramilitares responsáveis por um esquema milionário de arrendamento ilegal de terras indígenas Xavante Marãiwatsédé.
Os roubos das terras dos indígenas envolviam ainda latifundiários da região. As terras estão localizadas no município de Ribeirão Cascalheira, a 1.064 km de Cuiabá.
Jussielson Gonçalves Silva militar inativo da Marinha e coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) da regional no interior do Mato Grosso (MT). Foto: Reprodução
A denúncia
No dia 14 de setembro de 2021, em uma sala de atendimento ao cidadão do MPF de Cuiabá, o cacique Damião denunciou e pediu a demissão do coordenador da Funai, após ter conhecimento de um depósito de R$ 50 mil feito por um latifundiário na conta bancária de uma funcionária da Funai. O líder indígena considerou essa ação da Funai como um crime contra a comunidade de Marãiwatsédé.
Na negociação estava envolvido Gelson Pereira Barros, latifundiário pecuarista e ex-vereador da Câmara Municipal de Serra Nova Dourada. O latifundiário relatou que teria arrendado parte da Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé no valor de R$ 50 mil que foi pago ao coordenador da Funai Jussielson, na presença do sargento da PM Gerard. O ex-vereador Gelson apresentou como prova uma transferência bancária realizada na conta de Thaiana Ribeiro Viana, funcionária da Funai e esposa de Gerrard.
Gelson afirmou que, após solicitar a devolução do montante pago, foi ameaçado pelo grupo que realizava as negociações. O latifundiário parou de realizar as cobranças depois que o PM Gerrard, enviou uma fotografia de um revólver. Amedrontado, Gelson denunciou o esquema.
Após a denúncia, a Polícia Federal (PF) realizou busca e apreensão na sede da Funai de Ribeirão Cascalheira (MT). A PF apontou que alguns servidores do órgão eram responsáveis por cobrar valores de latifundiários da região e intermediar os arrendamentos das terras indígenas.
São denunciados como participantes do esquema: Aldemy Bento da Rocha, Bruno Peres de Lima, Claudio Ferreira da Costa, Derso Portilho Vieira, Ivo Vilela de Medeiros Junior, Gilsom Nunes da Silva, Ivonei Vilela Medeiros, João Victor Borges Correia, Justino Agapito de Oliveira Xerente, Marcos Alves Gomes, Manoel Pinto de Araujo, Osmair Cintra dos Passos, Saconele Zaercio Fagundes Golveia, Thaiana Ribeiro Viana e Wilian Paiva Rodrigues. Penalizados com medidas cautelares.
Sistema de arredamento ilegal
Nos últimos 10 anos, cerca de 2,4 mil pessoas foram expulsas da TI Marãiwatsédé. De acordo com o MPF, os arrendamentos ilegais teriam começado em 2017.
Segundo a própria PF, os "arrendatários” são pessoas com elevado poder aquisitivo residentes de outras cidades. Ou seja: poderosos que em conluio com outros latifundiários buscam adquirir terras das reservas indígenas.
No total, trata-se de ao menos 15 arrendamentos ilegais em terras indígenas. O judiciário determinou 45 dias para a retirada de 70 mil cabeças de gado avaliadas em R$ 210 milhões. Em quatro dos arrendamentos ilegais os “danos ambientais” na TI estão estimados em R$ 58 milhões de reais.
De acordo com a denúncia, no dia 15 de cada mês ocorriam os pagamentos, em transferências bancárias ou em espécie. O coordenador da Funai recebia 10% por cada medição, além de receber outro montante para selecionar os latifundiários que arrendariam ilegalmente a TI. Também era paga propina a outros servidores da Funai, mas ainda não se sabe o valor exato.
O inimigo em comum
As prisões dos militares no comando da Funai que agiam em conluio com o latifúndio explicita o que a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), vêm denunciando: a promíscua relação entre o latifúndio e o velho Estado.
O movimento camponês define os latifundiários como: “Classe usurpadora das terras indígenas e quilombolas e grileiras das terras juridicamente da União; classe mais reacionária e bandidesca que compõe o velho Estado há séculos”.
A LCP afirma também que há muito se comprovou a falência de uma política fundiária que garanta a manutenção e reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas. A Liga em nota declarou que os camponeses e os povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais pobres do campo e cidade têm o mesmo inimigo: os latifundiários e que estes são “os verdadeiros ladrões de terra, maiores exploradores e genocidas”.