Foi lançado há poucas semanas, final de fevereiro, pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), o livro Desconstruindo o racismo contra os povos indígenas no Brasil. Com 170 páginas, foi o resultado de um trabalho feito por várias aldeias do país (de modo remoto/virtual) durante o isolamento da pandemia de Covid-19.
Sendo uma obra coletiva, o grupo contou também com o apoio e participação de pessoas não-indígenas (estudiosos e simpatizantes da causa dos povos originários).
Obra é gratuita
Os autores definem o livro como um pequeno manual didático voltado para o público escolar infanto-juvenil e adulto, que pode acessá-lo facilmente na internet, pois seu PDF é grátis.
A obra, organizada pela historiadora e professora da UEG Poliene Soares dos Santos Bicalho, e publicada pela editora CRV, contém 46 artigos cujos títulos são frases preconceituosas, com as quais as tribos são comumente atacadas e ofendidas. Alguns exemplos:
_“Para que os índios querem terra, se eles não trabalham?”
_“É índio e tem TV em casa?”
_“O Brasil não vai para frente porque os índios atrapalham o desenvolvimento”.
_ “Índio fede bicho”.
_ “A dança indígena é de demônios”.
_ “Índio não gosta de trabalhar”.
_ “Índio troca qualquer coisa por cachaça”.
_ “Índio só quer vida mansa”.
Terra para quem não trabalha?
“A maioria das pessoas acha que a terra indígena deveria ser melhor explorada, mas não é assim que os indígenas pensam. Para eles é importante preservar, manter a vida de todos os animais e plantas, pois os seres humanos são/estão conectados ao meio ambiente.
Ou, para mencionar Daniel Munduruku (2009), os povos nativos brasileiros não querem a terra para si no sentido capitalista, como uma forma de posse.
A prioridade das atividades desenvolvidas (dentro das aldeias) está orientada para o bem viver e para a preservação da biodiversidade, e não para o acúmulo de bens e valores”. “Para que os índios querem terra, se eles não trabalham?” (*) (**)
Fedor sem inocência
“A confusão tomou conta dos europeus quando iniciaram a invasão da América e estabeleceram os primeiros contatos com os povos ameríndios. Não só essas terras eram ‘novas’ aos seus olhos, mas também o povo que as habitava. (...) Entre os debates ocorridos (entre os invasores) um dos mais famosos foi o de ‘decidir’ se os indígenas tinham ou não ‘alma’, se eram humanos (ou não-humanos).
Embora a decisão final tenha sido positiva, a verdade é que (...) duvidar da humanidade dos indígenas, descrevendo-os com características animais, monstruosas e irracionais, tornava-os um alvo ‘mais fácil’ de eliminar. (...) por isso a aparente ‘inocência’ de um insulto, como dizer (ainda na atualidade) que o indígena ‘fede a bicho’ esconde uma série de lógicas desumanizantes que legitimam todo tipo de violência, expulsão, exploração e roubo (contra os povos indígenas)”. “Índio fede a bicho” (***)
Autores indígenas
Entre os escritores indígenas do livro estão: 1) Sinvaldo Oliveira Saraiva Wahuka (etnia Iny Karajá, do Rio Araguaia/ GO/TO/MT), professor da educação básica; 2) Vanessa Hãtxu de Moura Karajá (etnia Iny Karajá, do Rio Araguaia/ GO/TO/MT), pedagoga e mestranda em Letras na Universidade Federal do Tocantins; 3) Kamutaja Silva Ãwa (etnia Avá-Canoeiro, do Tocantins), graduação em Pedagogia na Universidade Federal do Tocantins; 4) Cristovão Tserero Odi Tsoropre (povo A’Uwe Xavante /MT), graduado em História, com ênfase em História Latino-Americana, na Faculdade Unidas do Vale do Araguaia/MT, Tutor da Educação Indígena nas Escolas Públicas de Aragarças/GO, Conselheiro Municipal de Educação em Barra do Garças/MT, professor na aldeia São Marcos (Barra do Garças/ MT); 5) Cláudio do Nascimento Brito (povo Kanela do Araguaia/MT, pós-graduado em Direitos Humanos e Garantias Fundamentais na Universidade do Estado do MT/UNEMAT; 6) Eunice da Rocha Moraes Rodrigues (povo Tapuia do Carretão/GO) graduada em Licenciatura Intercultural em Linguagem na Universidade Federal de GO/UFG, atual graduanda em Pedagogia na UniBF/União Brasileira de Faculdades e doutoranda em Direitos Humanos na UFG.
(*) Sinvaldo Oliveira Saraiva Wahuka (etnia Iny Karajá, do Rio Araguaia/ GO/TO/MT), professor da educação básica.
(**) Fernanda Alves da Silva Oliveira (graduada em História pela UEG e Pedagogia pela Faculdade Paulista S.José, mestrada em Ciências Sociais e Humanidades pela UEG, professora municipal em Nova Mutum/MT).
(***) Carlos Benitez Trinidad (espanhol, historiador pela Universidade de Cádiz/Espanha, doutorado pela Universidade Federal da Bahia/UFBA, pós- doutorado pela Universidade Nova de Lisboa/Portugal e Universidade de Santiago de Compostela/Espanha, onde atualmente é pesquisador).