Nova Ferroeste: O Trem da Expansão Imperialista na América do Sul

Nova Ferroeste: No ano de 2023, o Governo Federal inclui no Projeto de Aceleração do Crescimento II (PAC II) a construção de uma malha ferroviária que, ao todo, compreende 1567 km, ligando os centros latifundiários produtores de soja ao porto de Paranaguá.
Resistência sertaneja tomba locomotiva ao longo da Ferrovia da linha São Paulo-Rio Grande. Foto: SOARES E SOARES, 1987.

Nova Ferroeste: O Trem da Expansão Imperialista na América do Sul

Nova Ferroeste: No ano de 2023, o Governo Federal inclui no Projeto de Aceleração do Crescimento II (PAC II) a construção de uma malha ferroviária que, ao todo, compreende 1567 km, ligando os centros latifundiários produtores de soja ao porto de Paranaguá.

No ano de 2023, o Governo Federal incluiu no Projeto de Aceleração do Crescimento II (PAC II) a construção de uma malha ferroviária de 1567 km, ligando os centros produtores de soja no Mato Grosso do Sul ao porto de Paranaguá. O projeto tem sido rechaçado nas audiências públicas, com demandas da população centradas na mudança do traçado, que inclui ramais partindo de Cascavel para Chapecó e Foz do Iguaçu. Recentemente, o leilão para a concessão da Nova Ferroeste foi adiado para 2025, em um movimento que reflete a pressão das massas populares e dos movimentos sociais contra o projeto.

O investimento total está estimado em 35,8 bilhões de reais, com o objetivo de tornar o Paraná um centro logístico da América do Sul. Ao longo do projeto, é previsto o emprego de aproximadamente 30 mil trabalhadores nas quatro fases, para construir, além do ramal ferroviário, no mínimo 9 terminais de carga entre os dois estados, 74 pátios de cruzamento, 23 viadutos rodoviários, 137 pontes e 54 túneis ferroviários, em um prazo de 15 anos.

A construção tem como principal objetivo beneficiar o latifúndio agro-exportador de soja por todo o eixo da região inicial percorrida, do Mato Grosso do Sul até o Porto de Paranaguá. No entanto, a perspectiva é que pelo menos 43 aldeias indígenas sejam impactadas diretamente ou indiretamente pelo traçado da ferrovia, localizadas nos 49 municípios onde a ferrovia passará, considerando o entorno de até 10 km da malha ferroviária.

Traçado da Nova Ferroeste. Fonte: novaferroeste.pr.gov.br

Investimentos e interesses imperialistas

Em agosto de 2022, começaram as primeiras conversas de Ratinho Júnior – o então governador do Paraná – com executivos da China Railway, para discutir exatamente os projetos da Nova Ferroeste. Nesse sentido, o projeto que vai a leilão em 2025, adiado por pressões sociais em torno das insuficiências do projeto, tem no imperialismo chinês seu principal interessado.

A presença da China Railway no Brasil é marcada pela sua participação nas obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) na Bahia, prevista para ser inaugurada em 2027. Essa ferrovia visa escoar grãos da região de Matopiba, que inclui Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Além disso, um terminal portuário será construído para expandir a exportação de bens primários do latifúndio.

No porto de Paranaguá, a China Merchants Group adquiriu 90% do terminal de contêineres em 2017, com um investimento de 925 milhões de dólares. Essa aquisição reflete a estratégia chinesa de fortalecer sua presença nos principais portos brasileiros, facilitando o escoamento de produtos para o mercado chinês.

Em outro movimento estratégico, a COFCO (China Oil and Foodstuffs Corporation) venceu o leilão para construir o terminal STS 11 em Santos, com um investimento de 764 milhões de reais, previsto para ser entregue em 2025. Esse terminal será crucial para o aumento das exportações de grãos e outros produtos agrícolas.

A dependência da China em relação ao Brasil é significativa, especialmente no que diz respeito à soja. Cerca de 44% das necessidades totais de soja da China são atendidas pelo Brasil. Além disso, o país também é um fornecedor importante de açúcar e carne para a China. Essa dependência torna o Brasil uma extensão estratégica para a economia chinesa, justificando os investimentos em infraestrutura.

Além dos interesses chineses, outras nações também têm participação significativa no projeto. Empresas do Reino Unido, Japão e Emirados Árabes têm demonstrado interesse em investir na Nova Ferroeste. Esses investimentos estrangeiros são vistos como essenciais para potencializar o transporte de grãos e proteína.


Consultas públicas: uma farsa para o povo

Diferentemente da época do Contestado, em que as desocupações eram impostas de forma imediata e violenta, a Nova Ferroeste adota uma postura mais sutil. O projeto inclui consultas públicas e um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) milionário, que custou 13,4 milhões de reais. No entanto, essas consultas são vistas como uma farsa, pois camponeses, indígenas e demais comunidades envolvidas foram praticamente ignoradas no processo.

A repórter Isadora Stentzler, do Brasil de Fato, entrevistou representantes de três aldeias diferentes, que afirmaram não ter sido procurados por nenhum dos órgãos para a elaboração do EIA. O Cacique Ilson Soares, da Tekoha Y’hovy, em Guaíra, destacou que o traçado da ferrovia irá percorrer dentro do território, beirando as comunidades. No Oeste do Paraná, existem cerca de cinco mil indígenas Guarani, em 24 tekohas diferentes. Em entrevista, o cacique alertou:

“Essa estrada de ferro vai passar, praticamente, no meio da Terra Indígena Guasu Guavirá. Como é uma demarcação contínua, ficará uma parte de um lado e outra parte do outro. Não sabemos como serão os impactos físicos e sociais: trazendo mais gente para o município, que é um município muito racista e preconceituoso. Já tivemos muitos problemas com a sociedade ao redor e isso só irá piorar um pouco mais as coisas.”

O Cacique Anatalio Ortiz, da Tekoha Jevy e Tekoha Hite, também afirmou não ter sido consultado e destacou que a construção de áreas de transbordo e pontilhões causará impactos sonoros e na pesca de subsistência das comunidades.

Resistência popular e danos irreparáveis

As massas do entorno da Serra da Prata, que serão afetadas pelo traçado da ferrovia, rechaçam o projeto de forma veemente. Eles apontam para os danos irreversíveis às comunidades do Sambaqui, Rio Sagrado, Mundo Novo e Floresta, no município de Morretes, bem como à fauna e flora da região. O movimento “Na Serra Não” tem sido uma força importante na resistência, envolvendo entidades democráticas como APRUMUS (Associação dos Produtores Rurais e Moradores do Mundo Novo do Saquarema) e GEAS (Grupo de Estudos e Ações para a Serra do Mar).

Em entrevista para a TV Trapiche, um camponês da região de Rio Sagrado, seu Antônio Fontura Nogueira, afirmou:

“Eles podem tentar amenizar, esconder de alguma forma, mas a gente que mora ali, a gente conhece e não é de ontem. Então o problema ali é grave, é mais grave do que a gente pensa. Que na verdade eles estão pensando neles, né, e não na população. Nós estamos pensando na população, pois a decadência vai vir, a desgraça vai vir e depois não tem conserto.”

Essa afirmação resume o eixo do movimento na região, que destaca os danos irreparáveis causados pelo projeto. As pessoas das regiões afetadas, além de não serem consultadas, são ignoradas pelos estudos de impacto e pelos gestores estaduais e federais. As cartas enviadas ao presidente da república não receberam resposta significativa, reforçando a sensação de desconsideração.

O movimento “Na Serra Não” enviou uma carta aberta ao governo, destacando que o projeto da Nova Ferroeste é baseado em uma “sustentabilidade falaciosa”, que prioriza os interesses de compradores estrangeiros de commodities e ruralistas, em detrimento do meio ambiente e dos trabalhadores. A carta aponta que o trecho final da ferrovia, entre São José dos Pinhais e Paranaguá, cortará a Serra do Mar, afetando o maior remanescente de vegetação nativa no Paraná. Essa região é habitada por populações tradicionais e áreas indígenas, que podem ser afetadas por deslizamentos, incêndios e contaminação de rios e solos em caso de acidentes.

Além disso, a carta destaca que a especulação imobiliária e a diminuição do turismo afetarão economicamente os moradores, além de reduzir a qualidade de vida devido à proximidade à rota ferroviária. Outros impactos incluem o aterramento de nascentes, supressão de vegetação e efeitos adversos à fauna e flora. Diante desses danos, o movimento “Na Serra Não” exige a interrupção imediata do projeto, considerando-o inadmissível em um dos biomas mais biodiversos e ameaçados do mundo.

Traçado da Nova Ferroeste. Fonte: novaferroeste.pr.gov.br

Um projeto de destruição ambiental

A Nova Ferroeste, além de seus impactos sociais, também traz sérios riscos ambientais. O projeto prevê a construção de trilhos que atravessarão a Serra do Mar, uma das regiões mais biodiversas do Brasil. Especialistas alertam que a ferrovia pode causar catástrofes ambientais, incluindo deslizamentos e erosão, devido ao alto risco de erosividade e instabilidade do solo na região.

De acordo com um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a Nova Ferroeste produzirá 437 passivos ambientais, com 90,85% deles impactando o Paraná, especialmente nos municípios de Guarapuava, Irati e São José dos Pinhais. Os principais riscos incluem supressão de vegetação, perda de biodiversidade e impactos negativos na qualidade da água, que já é um problema significativo no Paraná devido à contaminação por agrotóxicos.

A bióloga Jaqueline Oliveira, em um painel durante a Jornada da Agroecologia em Curitiba, criticou a “propaganda mentirosa” do governo sobre a sustentabilidade do projeto. Ela destacou que os impactos ambientais para a Serra do Mar poderão ser enormes e que o projeto poderia ser mais viável economicamente se o trecho fosse desviado da serra, conforme reportado pelo site Plural. Essa crítica reflete a visão de muitos ambientalistas, que veem a Nova Ferroeste como um exemplo da exploração predatória do meio ambiente em favor dos interesses do capital.

O historiador Renato Mocellin também expressou preocupações sobre o alto custo humano e ambiental da obra, questionando se a destruição da Serra do Mar compensa economicamente. Ele afirmou que estamos na contramão da história em termos de preservação ambiental, conforme divulgado pelo mesmo veículo. Essa postura é típica do social-imperialismo chinês, que prioriza a expansão econômica sobre a preservação ambiental e social.

Além disso, a construção da ferrovia obrigará a realocação de 372 casas e afetará 2.655 estabelecimentos agropecuários, principalmente pequenos produtores locais. Os impactos incluem a possibilidade de acúmulo de lixo e matéria orgânica nos rios, aumento do assoreamento e riscos de alagamentos em caso de chuvas intensas. Esses efeitos serão de duração permanente, afetando o modo de vida das comunidades com ruídos, vibrações, exposição a gases e particulados, além do risco de acidentes.

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