Em 1979, em Florianópolis/SC, o povo deu empurrões e sopapos na comitiva do presidente da República, ditador general João Figueiredo.
As emissoras de TV tiveram todas as filmagens confiscadas, menos certas fitas de videocassete que foram escondidas num banheiro da RBS, afiliada da Rede Globo, por uma funcionária.
Neste mês a UFSC comemora a célebre indignação popular com uma exposição no salão de entrada da Biblioteca Universitária.
Confusão no Senadinho
A chamada Novembrada, que ocorreu dia 30 daquele mês em 1979 foi um ato de revolta popular contra a ditadura instalada no país desde o golpe militar-civil (1964).
Em tal data, o então presidente da República, general João Batista Figueiredo esteve na capital catarinense para participar de solenidades, como o descerramento de uma placa em homenagem ao marechal Floriano Peixoto no centro da cidade.
A recepção ao presidente-general foi feita pelos políticos do partido governista ARENA, Esperidião Amin e Jorge Bornhausen, que tentaram camuflar o ambiente hostil que se formou na capital.
Hostilidade devido ao fato histórico de que o marechal Floriano (1839-1895) cometeu as mesmas arbitrariedades que as do regime militar vigente. Este enfoque foi difundido nos meios estudantis locais, granjeando adeptos entre a população até para uma proposta da troca do nome “Florianópolis”. Que acabou não vingando.
Após ser recepcionado no Palácio Cruz e Sousa, Figueiredo dirigiu-se ao “Café do Senadinho”, tradicional ponto de encontro no centro da cidade. No pequeno trajeto entre o Palácio e a cafeteria, Figueiredo foi hostilizado e dispôs-se a discutir.
Sua agressividade indignou o público presente, que reagiu atacando a comitiva com empurrões e sopapos. Entre a praça central XV de Novembro e o local da confusão havia cerca de 4 mil pessoas, reunidas por uma manifestação estudantil organizada pelo DCE da UFSC.
As imagens escondidas
A fita de vídeo bruta, com as cenas daquele dia é um dos arquivos mais antigos do acervo da RBS-TV, afiliada da Globo, que tinha sido recém-inaugurada em SC. “A relíquia chegou a ficar em um esconderijo para que não fosse confiscada pelos militares. Foi escondida na casa de uma editora”, contou o repórter televisivo que cobriu o episódio, Walter Souza, há poucos anos em uma entrevista. Mesmo com a pressão da censura, o caso foi ao ar pela RBS e ainda chegou a ser exibido no Jornal Nacional.
Eu (Rosana Bond) confirmo o relato do Walter, que era repórter da equipe que eu dirigia. Como editora do telejornalismo, escondi as fitas brutas no banheiro da emissora e em seguida as levei para minha casa, para protegê-las caso os agentes da repressão voltassem à TV de madrugada. Foram as únicas imagens em vídeo que sobraram, pois as da TV Cultura eles conseguiram apreender.
A mãe do general
Walter Souza ficou cara a cara com o general e fez a pergunta que entrou para a história. “O senhor gostaria de conversar com eles (estudantes e pessoas do povo)?”, indagou ele, que logo recebeu a seguinte resposta: “Eu gostaria de perguntar por que a minha mãe está em pauta. Eles ofenderam minha mãe. Por que isso? Por que essa baixeza?”.
O repórter contou que recebeu um “cutucão” de um homem da Marinha para cortar a entrevista. “Ok, presidente, obrigado” é que eu recebi um cutucão de um cara da Marinha ali por baixo e sou obrigado a encerrar”.
Povo libertou os presos
As manifestações daquele dia foram abafadas pela PM, resultando em violência e prisão dos/das estudantes Adolfo Luiz Dias, Amilton Alexandre, Geraldo Barbosa, Lígia Giovanella, Marize Lippel, Newton Vasconcelos Jr. e Rosângela Koerich de Souza, que foram indiciados/as pela Lei de Segurança Nacional
Nas semanas que seguiram várias manifestações foram organizadas exigindo a libertação dos/das estudantes presos/as. Algumas contaram com até 10 mil pessoas (número muito relevante se comparado com a população florianopolitana na época). O povo na rua, assim, conseguiu libertar os/as prisioneiros/as.
UFSC rememora
A exposição Tempos de utopia e resistência: 45 anos da Novembrada estará aberta para visitação até 28 de novembro, na Galeria Expositiva do hall de entrada da Biblioteca Universitária da Univers. Federal de SC (BU/UFSC). O evento é organizado pelo Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH) da Universidade.
Serão expostas fotografias do jornalista Celso Martins e da Agência de Comunicação da UFSC (Agecom) e documentos do Acervo do IMDH e da Hemeroteca Digital Catarinense, que remetem ao dia da Novembrada, bem como ao seu contexto prévio e posterior, evidenciando as lutas dos movimentos estudantis e populares pela derrubada da ditadura.
Rosana Bond é escritora e jornalista, autora de mais de 20 livros sobre conflitos na América Latina e a saga dos povos ameríndio. Entre seus livros mais conhecidos estão “Nicarágua: a bala na agulha” (1985), “Sendero luminoso: fogo nos Andes” (1991), “A civilização inca” (1993).
Esse texto expressa a opinião do(a) autor(a).