Novos dados mostram que índios são memória da espécie humana

Novos dados mostram que índios são memória da espécie humana

Quatro a cada 10 terras indígenas não tiveram demarcação iniciada

Por que os povos indígenas são a memória da espécie? Foto: Reprodução.

Publicado no fim de julho, o artigo do biólogo mexicano Victor M. Toledo responde a uma pergunta feita pelo próprio autor no título: Por que os povos indígenas são a memória da espécie?* Ele anuncia que os Relatórios e Informes internacionais mais recentes, de poucos meses atrás, mostram a existência de 7.151 línguas hoje, no mundo, sendo que 98% correspondem a povos indígenas que, apesar de todos os pesares, as preservaram.

Toledo diz que os novos dados também mostraram que em 40 regiões do planeta, que representam apenas 8,4% da superfície terrestre, se localizam 67% das espécies de plantas e mais da metade de todos os mamíferos, aves, répteis e anfíbios.”Em uma pesquisa seminal se determinou que 4.824 povos indígenas habitam essas regiões, ou seja 68% do total de línguas identificadas.”

Memória biocultural de 295 mil anos

E prossegue Toledo: “O principal traço de um povo indígena é sua longa presença em um território determinado. Assm, os maias de Yucatán, os warao da Venezuela e os kayapós do Brasil têm uma antiguidade comprovada de 3 mil anos, enquanto os bosquímanos do Kalahari 18 mil, os aborígenes australianos 40 mil e os pigmeus africanos 60 mil.”

“Como mostramos em nosso livro La memoria biocultural para toda cultura, cada ciclo anual implica um aperfeiçoamento quanto ao ano anterior. O tempo para esses povos não é circular (como comumente se diz) mas sim elíptico e simulando uma espiral. Existe uma recordação da experiência adquirida. E hoje em dia, (os índios) são o único segmento da sociedade que guarda as lembranças das longas batalhas da espécie humana pela sobrevivência. Uma longuíssima batalha de 295 mil anos.”

Uma modernidade desmemoriada

Continua Toledo: “Nestes tempos da humanidade em crise, alguma coisa devem saber os povos originários sobre as relações entre eles mesmos e a Natureza, que seja de utilidade para uma civilização moderna que apenas chega a 300 anos, e tem como uma de suas características a perda da memória.”

Lições a aprender

Conforme Toledo afirma, os povos indígenas “aportam muitas lições”, embora seu conceito supremo seja o “Bem Viver”, que é definido assim pelos índios mexicanos tseltales, de Chiapas: “(Praticar o) Lekil Kuxlejal é estar em equilíbrio com si mesmo, com os ‘outros’, com a Mãe Natureza e com o mistério, a imanência e a inteligência cósmica.”

Já o jornalista e professor da UFRJ Sidimir Sanches, num artigo publicado em 2020 no site Food Forum incluiu também os seguintes aprendizados:

  1. A) Práticas agrícolas tradicionais se adaptam facilmente às mudanças climáticas: “Ao longo dos séculos, os povos indígenas desenvolveram técnicas agrícolas adaptadas a ambientes extremos, como as altas altitudes dos Andes ou as pastagens secas do Quênia. Técnicas comprovadamente eficazes – como terraços para evitar a erosão do solo ou jardins flutuantes para fazer uso de campos inundados – são adequadas para os eventos climáticos cada vez mais extremos e o aumento permanente da temperatura no planeta.”
  2. B) Conservam e restauram florestas e recursos naturais: “Os povos indígenas se vêem conectados à natureza como parte do mesmo sistema. Eles adaptaram seus estilos de vida para se adequar e respeitar seus ambientes. Nas montanhas, desenvolvem uma gestão da paisagem que preserva o solo, reduz a erosão, conserva a água e diminui os riscos de desastres. Nas pastagens, cuidam do pastoreio de gado e do cultivo de maneira sustentável, atuando na conservação da biodiversidade. Na Amazônia, a diversidade biológica dos ecossistemas melhora nas regiões habitadas por povos indígenas.”
  3. C) Alimentos e tradições indígenas podem ajudar a expandir e diversificar as dietas: “Atualmente, o mundo se baseia em um determinado conjunto de culturas básicas. Apenas cinco safras – arroz, trigo, milho, painço e sorgo – são responsáveis pela provisão de cerca de 50% das nossas necessidades energéticas. Repletos de cultivos nativos nutritivos como a quinoa, os sistemas alimentares dos povos indígenas podem ajudar a humanidade a expandir sua estreita base alimentar para incorporar variedades extremamente nutritivas de ervas, grãos, frutas e peixes.”
  4. D) Cultivam safras mais resistentes às mudanças climáticas: “Como muitos povos indígenas vivem em ambientes extremos, eles optaram por culturas nativas que também se adaptam a condições adversas, resistentes à seca, altitude, inundações e outras condições extremas. Usadas de forma mais ampla na agricultura, essas safras podem ajudar a construir a resiliência das localidades que agora enfrentam mudanças climáticas mais drásticas.”
  5. E) Gerenciam grande parte da biodiversidade mundial: “Territórios indígenas tradicionais abrangem (cerca de) 28% da superfície terrestre do mundo, mas hospedam (cerca de) 80% da biodiversidade do planeta. Preservá-la é essencial para a segurança alimentar e nutricional do ser humano. O acervo genético de espécies vegetais e animais é encontrado em todos os biomas terrestres, tais como rios, lagos e áreas marinhas. Baseados em um estilo de vida (verdadeiramente)sustentável, os povos indígenas preservam esses espaços, ajudando a manter a variedade das plantas e animais na natureza.”

Um capitalismo maquiado de verde

Daniel Costa, doutorado em Planejamento Regional e Urbano pela UFRJ, publicou em AND em julho de 2012 o combativo e esclarecedor artigo Desenvolvimento sustentável: para que e para quem? do qual fazemos o seguinte resumo/adaptação:

“A crer nos ‘interlocutores’ da humanidade que têm acesso privilegiado à mídia, estamos mergulhados numa brutal crise ambiental. Será que suas causas têm origem na natureza? Para enfrentar essa crise, os ‘interlocutores’ sugerem ajustes no processo de desenvolvimento, tornando-o sustentável.”

“Os movimentos sociais surgidos a partir de 1960 foram acompanhados por debates intelectuais que buscavam novas bases para as Ciências Sociais. Dentre os debates, tentou-se superar a dicotomia natureza-cultura. Os esforços para a superação desta dicotomia ligavam-se ao surgimento de uma crítica ambiental da sociedade industrial emanada de um movimento simultaneamente político e acadêmico denominado ‘ecologia política”.

Oposição ao “progresso”

“A postura crítica desse movimento ia além da análise das contradições do modo de produção capitalista para denunciar uma alienação mais radical que a simples expropriação da mais-valia, qual seja, a alienação entre a sociedade industrial e a natureza. Essa postura suscitou reações por parte daqueles que viam na industrialização um processo de evolução inevitável e, por isso, uma onda de desqualificação dos ecologistas foi desencadeada, rotulando-os de opositores do progresso”.

“No entanto, a crítica da ecologia política aos problemas relativos à poluição ambiental e, principalmente, à escassez dos recursos para a produção industrial, serviu aos paladinos do desenvolvimentismo para criarem a categoria de ‘variáveis ambientais’, dando legitimidade ao debate sobre a sociedade industrial. Nesse sentido, houve uma despolitização do debate ecológico. Isto porque os defensores da industrialização só reconheciam aqueles temas ambientais que não colocavam em cheque o modelo de sociedade vigente.”

Reconhece crise ecológica mas não questiona capitalismo

“Segundo Henri Acserald no livro Re-volta da Ecologia Política, a consagração do termo ‘desenvolvimento sustentável’, a partir de 1990, atendeu a esse quesito, uma vez que reconhecia a ‘crise ambiental’ em escala planetária, mas não questionava o modo capitalista de produção e consumo. A concepção de ‘desenvolvimento sustentável’ considera a ‘natureza’ como uma variável manejável e gerida na velha tradição racionalista-iluminista, de maneira a não obstaculizar a concepção (capitalista) hegemônica de ‘desenvolvimento’ e, nesse passo, a natureza, a sociedade e as relações sociais passam a ser incorporadas como recursos para a produção.Portanto, o ponto de partida para a crítica ao modelo de desenvolvimento deve ser econômico, uma vez que se propaga ser a atividade produtiva a principal responsável pela crise ambiental que se encontra mergulhada a humanidade.”

Padrão ianque torna planeta inabitável

“A partir de 1992, com o Earth Summit no Rio de Janeiro, ocasião em que se reuniram chefes de Estado, entidades e organizações da sociedade civil num fórum global, para discutir o destino do planeta Terra, ficou evidente à humanidade que as condições ambientais resultantes da exploração de recursos e da geração de rejeitos seguindo um padrão material de vida norte-americano deixaria o planeta em condições inabitáveis.”

“No entanto, uma discussão séria sobre essa evidência evocaria questões que radicalizariam o debate e, por isso, introduziu-se o discurso do ‘desenvolvimento sustentável’, a fim de amenizar consequências políticas e econômicas.É importante que os problemas ambientais (…) sejam seriamente debatidos. Entretanto, o discurso da sustentabilidade tem servido de filtro para escamotear a (verdadeira) natureza dos problemas ambientais. (Há uma ocultação das)conexões entre a lógica e a dinâmica do processo de acumulação capitalista e os seus impactos sobre o meio ambiente e, consequentemente, sobre a saúde humana.”

Disfarçando os poluidores

“Em 2008, o relatório da OMS – Organização Mundial da Saúde (sobre desenvolvimento e saúde), inicia se com as palavras ‘Justiça social é um assunto de vida e morte’. O documento concentra-se na questão da desigualdade e sua relação com a saúde e conclama os governos, no período de uma geração, a superar o fosso entre ricos e pobres.”

“No entanto, pouco se fala da indústria de mineração e petroquímicas que, entre outras, são responsáveis pelo despejo ou descarga de resíduos químicos letais (mercúrio, benzeno, enxofre etc.) nos solos e rios, causando impactos muitas vezes irreversíveis na saúde das populações (vizinhas).Outra grave ameaça ao meio ambiente, mas encoberta pelo capitalismo verde, origina-se nos produtos alimentícios fornecidos por uma agricultura praticada em larga escala, baseada numa poderosa indústria de agrotóxicos, pesticidas e fertilizantes químicos que contaminam seus produtores e consumidores. Além disso, é importante mencionar a introdução de transgênicos (cujos) riscos à saúde humana e animal, devido às pressões das grandes empresas produtoras, não têm sido apresentados à sociedade.”

“(…) o que deve ficar claro é que os limites naturais constituem-se em problemas sérios à acumulação e expansão capitalista, o que torna a discussão do atual modelo de desenvolvimento um problema mais profundo do que simplesmente adjetivá-lo com a expressão: ‘sustentável”.

Culpa é da natureza esgotada

“Por isso, os capitalistas (maquiados de verde) na busca dos seus próprios interesses de curto prazo, constantemente impelidos pelas leis da competição, atribuem ao esgotamento da natureza e não ao modo capitalista de produzir, os limites e barreiras que serão responsáveis pelos baixos padrões de vida.”

“Segundo Marx, em O capital, o capitalismo gera pobreza em virtude de suas relações de classe e sua necessidade imperiosa de manter um excedente de trabalhadores empobrecidos para exploração futura. E Harvey, no livro “O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo” chama a atenção para o fato de que, sempre, em tempos de turbulência, a fim de mascarar as causas reais do modo de produção capitalista, as explicações ambientais assumem a “agenda do dia”.

Interesses por trás da emergência e alarmismo

“(…) Portanto, não surpreende que na turbulência iniciada em 2006, nos países desenvolvidos, os fenômenos naturais que ocorrem há centenas de milhões de anos e contra os quais a humanidade, além de adaptar-se adequadamente a eles, pouco pode fazer, sejam convertidos em (falsa) emergência mundial, a fim de explicar as dificuldades econômicas atuais (geradas pelo próprio capitalismo)”.

“A quem interessa o discurso de um desenvolvimento sustentável, onde os pilares da acumulação capitalista não apresentam alteração? Através da ideia de que desenvolvimento é um processo complexo, com lugar num dado espaço social e num certo tempo histórico, percebe-se que o alarmismo em torno da crise ambiental é promovido por interesses políticos e econômicos, que transformaram o debate científico sério e imparcial numa verdadeira indústria da crise ambiental, que aponta como solução inevitável o desenvolvimento sustentável, escamoteando a lógica que governa o processo de acumulação de capital.”

A coruja de Minerva

“(…)a economia dos países industrialmente mais desenvolvidos não poderá continuar servindo de modelo para os outros países, simplesmente porque não haverá recursos naturais em quantidade suficiente. É claro que, além do discurso da sustentabilidade escamotear relações capitalistas perversas, a relação entre a economia e a biologia carece de análises mais apuradas para que se chegue a propostas mais realistas.”

“Lamentavelmente, qualquer período histórico só pode ser compreendido quando está no fim e, nesse sentido, Hegel certa vez comparou a filosofia com a coruja da deusa Minerva, que carrega toda a sabedoria do mundo, mas só voa ao anoitecer, quando não há mais luz para aproveitá-la.”

“Portanto, além de interpretar o mundo, devemos tentar mudá-lo, reivindicando um vôo mais consequente da coruja para um aproveitamento mais prático da sua sabedoria, a fim de vencer o vasto abismo que separa a filosofia da prática cotidiana.”

“Nesse sentido, é imperativo que a humanidade passe a questionar os valores da sociedade capitalista, rejeitando um modelo de desenvolvimento produtor de valores de troca e predador de recursos. Caso contrário, o que nos restará a fazer senão assistirmos a ordem global ganhar dimensões que recoloquem no horizonte a alternativa da barbárie?”

Notas:

*  Site cubano Rebelión 

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