O açúcar amargo do patrão – Apontamentos entre cinema, memória e política

O açúcar amargo do patrão – Apontamentos entre cinema, memória e política

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… Eu entrego ao divino,
o cretino que me mata na fila do feijão,
não tem condição.
Eu entrego ao Senhor,
o doutor que deu fim ao meu dinheiro,
o ano inteiro.
Só não entrego ao diabo,
pois desconfio que o diabo
é o diabo do patrão.

Luiz Gonzaga Jr.

I

          Fernando Krichmar, documentarista argentino do Coletivo Cine Insurgente, nos conta que entre os caminhos do açúcar transitava uma lenda, uma ameaça misteriosa que atendia por um curioso nome, El Familiar. Sob a forma de um cão negro, ou um gato, ou um pássaro, ou de um vento rasteiro, um ruído estridente; por vezes, El Familiar assume o corpo de um homem alto, vestido com uma capa escura e um sombreiro negro; noutras, ele está com o rosto coberto e dirige uma caminhonete; há quem a ele se remeta como se fora um gendarme, um demônio repressor, um militar fardado. Sob estas ou sob tantas outras roupagens, o diabo se transfigura a aterrorizar os operários que trabalhavam nos engenhos de cana de açúcar no noroeste argentino. Inúmeros são os relatos das gentes simples de Jujuy, Salta, Tucumán, Catamarca, Santiago del Estero e La Rioja. Krichmar escolherá a província de Jujuy, e mais especificamente os limites do centenário Engenho Ledesma para situar o seu trabalho de investigação. 

          Adiantamos que a escolha de Fernando Krichmar não é gratuita – ainda que o fenômeno que ele recobrirá, o da opressão genocida aos operários açucareiros, se multiplique de forma regular e planificada, sob distintas matizes, por diversos engenhos da região, numa espécie de tessitura causal talhada pelo êxodo migratório, pelo desemprego e desalojo, pelas inóspitas condições de trabalho, e pela fome tenebrosa que tomava de arrasto, sobretudo, às crianças e idosos. 

          Dentre os dispositivos de que se utiliza para a composição da estrutura narrativa de Diablo, familia y propiedad (1999), está a evocação a esta lenda popular a partir de relatos tomados aos personagens que entrevista – e o que parece assumir ‘lugar comum’ nestes depoimentos é o registro do medo, do terror que paralisa, que atormenta, que provoca silêncio e resignação. 

   O Engenho Ledesma foi, desde os fins do século XIX, o destino de levas de imigrantes que atravessavam a região desértica do Chaco, a pé, vindos da Bolívia, numa viagem que levava cerca de dois meses, e na qual a principal tarefa que lhes cabia era a de sobreviver.  Ao menos até chegar à região de Pichanal onde tomavam um trem sob a custódia da Chefatura da Segurança de Fronteira, que havia firmado um contrato com os proprietários do Engenho afim de garantir ‘a segurança dos imigrantes’ que eram recrutados para o trabalho. Importante destacar que a condição de ser recrutado era ser aprovado nos exames de seleção médica – custeada sob a forma de adiantamento em empréstimo pelos proprietários do Engenho e a ser, posteriormente, somada às outras dívidas que, à revelia, pesarão sobre as costas dos operários da unidade de produção. Todavia, os cuidados médicos não excediam a esta etapa de recrutamento; selecionados os que estavam aptos, seguiam viagem. 

          Chegados à região, se lhes destinavam palhoças, nos montes localizados entre os 380.000 hectares da propriedade, e todos os dias eles desciam e subiam os mesmos caminhos do açúcar, e o mais comum que ficamos sabendo, através dos relatos colhidos por Fernando Krichmar, era de que a morte rondava, cotidianamente, tal percurso – desde o monte, passando pelo sótão da Casa Grande, e espraiando-se sobre os campos de plantio e colheita. Nos meses de outubro a dezembro, sobrelevava-se o seu número com as epidemias de cólera, malária, e as diarreias estivais. Destaque-se ainda que é durante o período de safra que El Familiar se fazia onipresente; ‘fiscalizando’ o ritmo de produção, açodando os operários a que trabalhem até a extenuação.

          Se se pergunta pelo porquê das mortes a estes operários do açúcar, não se costuma escutar como resposta que fora resultado da insalubridade das condições de vida a que estão expostos; tampouco a rigidez do trabalho em jornadas diárias de mais de doze horas quando à temporada de plantio ou colheita; ou aos costumeiros acidentes de trabalho junto ao maquinário da usina ou às elevadíssimas temperaturas da casa das caldeiras e das fornalhas para o longo processo de cozimento e purificação do açúcar. Aos seus olhos humildes e desavisados, a morte não remetia à extenuação do corpo, sequer a proliferação dos contágios através da ingestão de água ou alimentos contaminados. Em geral, a causa de tais mortes era depositada à vigilância, a um só tempo, austera e pontualíssima do El familiar com seu faro rasteiro, sua voracidade implacável e insaciável apetite de sangue e carne humana.

Foto: Reprodução

2

          Em 1972, Octavio Getino dará início as filmagens de El Familiar – um longa-metragem ficcional no que a lenda do demônio transfigurado será também o tema de seu ensaio alegórico. Quando descem as primeiras cartelas, se adverte ao público que o filme estava condicionado pelas circunstâncias que todo o povo conhece. Ao expectador corresponde saber o que ainda se mantém vigente de àquela época, hoje, superada na nova situação nacional. A data que encerra a cartela é a de 1974. Talvez que antes do 1º de Maio quando, em plena Plaza de Mayo, desde os balcões da Casa Rosada, Perón publicizava se enlace umbilical para com os setores direitistas que ocupavam altos cargos no seu governo, assim como à burocracia sindical historicamente encastelada à CGT nacional. Ou ainda, talvez que as palavras da cartela não prefigurassem os intentos futuros do General que, certa feita sugeriu, para efeito de distensão política, a necessária conformação de uma organização paramilitar que se assemelhasse ao Somatén espanhol. Todavia, deixemos este ponto de lado. Voltemos, por ora, ao filme de Getino.

          El Familiar é descrito como aquele que violou a terra e semeou a morte. Espalhando-a pelas cidades e pelos campos. Mesmo ao deserto, para onde se recolhe Juan Pampa, ele provocará os seus estragos como quando lhe assalta em definitivo a mulher, tomada de febre e tremores. Juan Pampa jura a vingança ainda ao leito no qual expirara sua companheira. Irá cortar o vento rasteiro de que se traveste Zupay, o diabo. Irá cerrar, sob o afiado da peixeira, o arbusto seco plantado no deserto; irá perfurar a terra com a lâmina fina do punhal. Em meio a fúria cega na que Juan Pampa parece mimetizar a dança de Corisco, lhe surge a figura do administrador das terras; não o proprietário, não o dono de tudo, mas, um enviado deste, um seu porta-voz, o capataz, ou o administrador – como ele se autodenominará. O que dirá tal personagem frente a desmesura febril de Juan Pampa? Que El Familiar não é inimigo de Juan Pampa. Não é contra Ele que Juan Pampa deveria mover a sua fúria e força; o administrador dirá que seu verdadeiro inimigo é o atraso, a miséria, é a fúria incivilizada que ele carrega no peito, sua condição de bárbaro e inculto. Porém, o administrador acrescenta: o atraso, a miséria, a barbárie não são apenas inimigas tua, é inimiga da Corporação – a que ele, o administrador, atende em alto cargo, como um partner de primeira hora. E o administrador lhe atirará ao colo, como que em uma oferenda a Juan Pampa, as seguintes palavras: é que se demovido da fúria encarniçada e se empenhando em recrutar a chusma ao trabalho, o que lhe virá, em troca e paga, seriam todas as mulheres, e dentre estas, a mais bela; e, você,  Juan Pampa poderia vir a ter uma casa com instalações sanitárias, e não a palhoça na que vive; e, você, Juan Pampa poderia gerar filhos com a mulher que escolhesse, e teus filhos poderiam viver o conforto desta casa na que pudessem assistir TV; e que, você, Juan Pampa poderia ter quantos filhos quisesse ter, e que os filhos poderão vir a ‘cagar como gente’.  Mas Juan Pampa, teso de vontade e obstinação, dirá ‘não’.

          Cortemos neste ponto o ensaio alegórico de Getino. Retomemos o relato de El Familiar porque nos parece restar uma questão: a que parece se prestar a figura d’ El Familiar? Tão somente um mito, uma lenda distante, imaterial, edificadora de costumes? Um relato mágico-religioso típico do universo encantado dos povos originários à região do noroeste argentino? Não é isto o que sacamos dos relatos do filme de Fernando Krichmar, Diablo familia y propriedade. Tampouco o que parece sugerir o ensaio alegórico de Octavio Getino. 

          No filme de Getino, já dissemos, ouve-se da boca do administrador da Corporação que não era o demônio, presença imaterial, àquele que ceifara a mulher de Juan Pampa, mas o atraso, a miséria e a barbárie. E onde que a isto, El Familiar? Não seria ele o cão negro, o gato de olhos faiscantes, o vento rasteiro, o arbusto seco, a maleita repentina, o potro indomado, o homem sem rosto, o gendarme armado, o sicário a soldo – situado entre o monte onde vivem os trabalhadores do açúcar e os campos largos de hectares em que se alastra o plantio? Não seria ele o fazedor do fim, o demiurgo às avessas na tessitura dos pontos do novelo em trama? Não seria ele algo tão real como a obrigação de acordar cedo todos os dias e de ir trabalhar a cana? Algo tão material como a fome que grita a fazer eco naquele que irá morrer? Não era ele um companheiro de hospedagem ao sótão da Casa Grande do Patrão, caminhando junto na observância da docilidade servil daqueles que trabalham? Não seria ele o arcabouço de justificação, aos olhos dos operários açucareiros, a ocupar o lugar dos verdadeiros atores responsáveis pelas mortes e desaparecimentos – sempre que for necessários uma justa, uma reprimenda, o rigor temperado do exemplo?! 

          No seu documentário, Fernando Krichmar nos oferece, desde os testemunhos colhidos aos personagens, a certeza de que El Familiar é aquele que resolve a morte – seja pelo crivo das balas, seja pelo corte de serra elétrica – que estraçalha os corpos, deixando sobre a terra apenas a córnea baça e esvaziada dos olhos que viram a morte tão de perto que não lhes restou outra coisa senão sucumbir a ela; isto quando o corpo do trabalhador, atacado impiedosamente pela fúria do cão endiabrado, simplesmente não desaparece. Para nunca mais.

3

          O reflexo das receitas econômicas ditadas pelo FMI e pelo Banco Mundial desde a segunda metade dos anos 50, na Argentina, havia deixado o seu rebatimento no débil governo de Arturo Illia, eleito com apenas 25% de votos, em 07 de julho de 1963. De forma sintética, tratava-se, entre outros, da alta taxa de desemprego (9%); da diminuição em cerca de 20% dos níveis de participação dos trabalhadores na distribuição da renda se comparada aos primeiros anos da década anterior (36%); do nível rebaixado da capacidade produtiva interna que beirava o índice de 55%; da dívida externa contraída pelos ‘empréstimos’ em acordos lesa-pátria a superar a cifra de mais de 2 bilhões de dólares. 

          Buscando tocar um plano de governo ancorado nos limites de um nacionalismo agrarista e defensivo, não levou tempo, por um lado, para que se fizesse perceber as primeiras rusgas para com os interesses imperialistas e oligárquicos enquistados nas diversas instituições da República, assim como nos setores que correspondiam aos agentes econômicos e financeiros. Todavia, Illia levou adiante, no mês seguinte ao de sua assunção presidencial, em novembro de 63, as promessas de campanha no que dizia respeito à anulação dos contratos petroleiros que espoliavam a riqueza nacional em sua capacidade de autoabastecimento, e que haviam sido firmados durante o governo anterior de Arturo Frondizi. Outro ponto a ser destacado nos conflitos de interesses desatados por medidas tomadas pelo governo de Arturo Illia com relação aos grandes monopólios internacionais (e seus sócios de menor escala local) foi o projeto que limitava a remessa de lucros ao exterior pelos laboratórios farmacêuticos transnacionais, assim como o congelamento de preços de medicamentos e a restrição dos fundos utilizados por tais laboratórios em suas campanhas publicitárias. Em síntese, podemos dizer que se costurava a trama de sua derrocada no que tange às perspectivas do grande capital e de parte substancial da burguesia local.

          Por outro lado, fundado em certa incompreensão acerca do estágio de desenvolvimento interno das forças produtivas, que lhe demandava avanços no planejamento econômico para alavancar a industrialização, o governo de Illia patinava em sua pública e notória inoperância. Herdeiro da tradição yrigoyenista sem claro está, arrebanhar consigo o espólio de uma política de massas que, àquela altura, havia se voltado à experiência histórica do peronismo; o governo de Arturo Illia se firmava sob o rescaldo de interesses que atendiam a setores enfraquecidos das classes médias urbanas e rurais. Algo bastante insuficiente, para não dizer insustentável em um cenário no qual a Argentina dos anos 60 em nada se assemelhava àquela dos anos 1916-30 – quando do auge dos governos da União Cívica Radical (UCR), agremiação partidária de Illia. 

          Tratava-se agora de operar a um novo estágio da acumulação de capital, assim como em uma nova configuração da luta de classes – tendo, numa das bandas, a conformação e estruturação de interesses que imbricavam a burguesia industrial ao capital estrangeiro e à oligarquia agroexportadora. Isto porque – com a crescente abertura da economia, desde a segunda metade dos anos 50, aos investimentos estrangeiros em bens de capital e tecnologias avançadas para a suposta competição em igualdade de condições nos mercados internacionais, desmantelou-se por completo o ímpeto (ainda que débil) de setores da burguesia industrial nacional em um projeto de desenvolvimento autônomo para o qual teria ela, como aliado contingencial, os trabalhadores organizados sob um centralismo sindical atrelado à malha institucional e burocrática do Estado burguês. Com a derrocada do governo de Juan Domingo Perón pelo golpe de Estado de 1955, tal projeto se esboroara. Como correlato, é importante elencar que o peronismo enquanto movimento de massas, assim como suas organizações políticas, se mantinha proscrito desde o assalto ao poder pelos militares na autodenominada Revolução Libertadora. Tal condição de proscrição, claro está, conferia ao processo eleitoral, no que Arturo Illia fora consagrado presidente, sua ilegitimidade de origem. Este é um dos pontos a ser destacado.  

          Outro ponto, deste derivado, é que na conformação desta nova tessitura urdida, em forma horizontal, da aliança de classes, o que restou de fora do tabuleiro dos acordos, conquistas, acúmulos e repartições fora a classe trabalhadora – urbana e rural. Entretanto, será sobre ela e suas organizações que caberá o peso do fardo carregado às costas – os salários de fome arrochados pela âncora inflacionária, o desemprego e a falta de perspectivas, a diminuição temporária das taxas de mais-valia rebatidas, de imediato, no enxugamento dos postos de trabalho; uma vez mais, será sobre os produtores da riqueza nacional que será depositada a conta dos gastos, do saqueio, da expropriação – conta esta que lhes chegará seja sob os modos da cooptação de várias de suas lideranças seduzidas pelo aburguesamento de novos ‘estilos’ de vida; seja sob a forma da forquilha estrutural que as paralisava nos acordos de cúpula (e cópula) de uma burocracia sindical que, num crescendo, se desapegava dos anseios e demandas dos que supunham representar, as bases no chão de fábrica; seja sob a letra austera e judicante dos tribunais e dos decretos voltados às bases gremiais as mais combativas – sempre que estas tomavam a si a tarefa de construção de planos de lutas à revelia dos ‘pelegos’ que tramavam em contra; seja sob a afronta direta e violenta exercida com uso do arsenal de armamento, custeado pelo povo e voltado contra este mesmo povo, pelas forças de repressão do Estado, fardadas ou não. E para tal, o governo débil de Arturo Illia dispunha do famigerado Plan Conintes – Plan de conmoción interna del Estado, gestado durante o governo de Frondizi e mantido intocado no curto período em que José María Guido esteve ao poder. Noutros termos, tratava-se de dispositivo de exceção a funcionar de forma regular ainda que durante um período de legalidade constitucional – dispositivo este que conferia às Forças Armadas o direito de “autuar, deter e interrogar aos sindicalistas e opositores, em geral denominados pelos militares como elementos subversivos.

           Durante o ano de 1964, o acirramento da luta de classes se espelha sob a forma de um plano de luta sindical que incrementará como elemento tático a ocupação das fábricas. Num crescendo, entre maio e junho deste ano, serão mais de 8.000 fábricas ocupadas pelos trabalhadores. O governo tenta abrandar os ânimos com o aceno da lei do salário-mínimo e o congelamento de preços. A repressão, a este momento no pêndulo de tensionamento interno, será sob a forma da lei – imputando penas a vários dirigentes sindicais. Entretanto, não tardará a esquentar a fornalha da repressão. Sobretudo quando do Operativo Retorno – que previa o regresso de Perón a Argentina, em dezembro de 1964. De fato, Juan Domingo Perón embarcará desde Madrid, em escala diversa, pousando em uma última parada, antes de desembarcar em Buenos Aires, no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro. Todavia não se efetivará o retorno do líder justicialista ao solo argentino. Numa operação conjunta envolvendo o governo dos Estados Unidos e diversos países da região além, claro está, dos militares brasileiros, o avião em que estava Perón será revistado, esvaziado, e reencaminhado a Madrid, com Juan Domingo Perón e sua comitiva.

          Aos protestos populares levantados pela CGT naquele mesmo dezembro de 1964, lhes sobrevirá a violência armada encetada pelas forças de repressão – agora já dispondo em seu cardápio da ação de sequestro de lideranças e delegados levados nos furgões da força policial.

          Eis o cadafalso estreito, irregular, fragilíssimo no que se situava o governo de Arturo Illia:  por um lado, as tensões agravadas pela pressão imperialista e oligárquica, e por outro, pelas pressões do movimento de massas sob a baqueta oscilante das burocracias sindicais – que, com toda certeza, não se furtavam de negociar internamente com setores das Forças Armadas argentina no intuito da desestabilização em contínuo da presidência de Arturo Illia. Como num jogo de pernas bambas ao tombadilho, restará, a este governo, precipitar a reabertura das comportas eleitorais a representantes do peronismo como que no intento de abrandar o tensionamento do arco, deixando que a corda se esticasse na dilação do tempo. Entretanto, era de uma réstia este tempo – que se alongava.  No plano da geopolítica continental, entre as pressões movidas pelos acontecimentos de hora – será a invasão ianque a Santo Domingo, em abril de 1965, e o seu rebatimento interno em mobilizações massivas em defesa da não-intervenção estadunidense em um território livre de Nuestra América que fará transbordar o copo d’água. Pressionado por todas as partes, o governo de Illia assinará o Programa de Assistência Militar com os Estados Unidos. Isto logo após uma greve geral coordenada pela CGT e a tomada do Frigorífico Smithfield por seiscentos operários. Nos jornais, se noticia que a Argentina pagará indenizações no montante de 21 milhões de dólares em indenizações pela quebra de contratos com empresas estrangeiras. A Shell será uma destas beneficiárias. O tempo se encurta. Se estreita. As bases de sustentação faltam ao acorde das horas.

  28 de junho de 1966 será a data do golpe de Estado – que implantará a chamada Revolução Argentina, primeira metade das ditaduras regidas pela Doutrina de Segurança Nacional. No dia 29 de junho, assume a presidência de facto, o General Juan Carlos Onganía. Seu intento era o de permanecer cerca de 20 anos no poder para melhor executar o saneamento político social e econômico de que a Argentina estava necessitando desde há muito, conforme é transcrito nas primeiras consignas militares pós golpe.

          Dentre as medidas as mais urgentes estará a modernização do parque industrial argentino. Suas medidas deverão ser urgentes e austeras – porque não haveria tempo a ser perdido uma vez o elevado grau de estancamento a que se encontrava o desenvolvimento econômico interno. E, como não poderia faltar dentre os argumentos de justificação desta política de choque, o elevadíssimo grau de corrupção que se instaurara durante o governo caído de Arturo Illia. 

          Em Madrid, em uma entrevista a Tomás Eloy Martinez para a revista Primera Plana no dia 28 de junho de 1966, Juan Domingo Perón dará o seu aval a iniciativa militar. Serão estas as palavras de Perón: Para mim, é um movimento simpático porque rompeu com uma situação que não podia continuar. Cada argentino sentia isso. Onganía pôs fim a uma etapa de verdadeira corrupção. Illia havia aprisionado o país querendo impor estruturas arcaicas que remetiam ao ano de mil e oitocentos -, quando surgiu o demoliberalismo burguês, atomizando aos partidos políticos. Se o novo governo proceder bem, triunfará. É a última oportunidade da Argentina para evitar que a guerra civil se transforme na única saída. Ou de forma resumida, a um reclamo que se tornou histórico, Juan Domingo Perón, como condutor de um movimento de massas, se voltando aos dirigentes e delegados, assim como a todos que se reconheciam como peronistas, sugeriu que era hora de baixar as rédeas imenso retesadas, seria necessário distensionar. Nos seus termos: Desensillar hasta que aclare.

4

          Era o dia 12 de janeiro de 1967, Hilda Guerrero de Molina fora assassinada por um disparo de arma de fogo. Não morrera na hora do balaço a penetrar em seu corpo gorducho. Fora levada às pressas para o Hospital Padilha de San Miguel de Tucumán. Eram 17:40 horas quando os sinais vitais se apagaram no seu corpo. Os olhos fechados. O cabelo empapado em sangue e suor. Como se ainda estivesse com pressa, mobilizada, ativa, mas que nada, estava atada ao leito hospitalar, sob intervenção uma cirúrgica malfadada. Hilda tinha 36 anos, era oriunda de Santa Lucía, mãe de 4 filhos menores, esposa de um dos operários da cana-de-açúcar, desempregado de há pouco. Hilda não morrera sozinha. Quando fora baleada pelas forças da repressão, estava, entre tantos companheiros, com seu esposo e filho mais velho. Hilda Guerrero de Molina militava no setor feminino do peronismo de base. Era uma das principais mobilizadoras das Ollas Populares – que atendiam a uma quantidade crescente de operários que, àquele instante, vinham sucumbindo à fome e a miséria. Hilda convocava a que todos se multiplicassem nestas tarefas básicas, fundamentais, imprescindíveis – porque se os patrões, amparados por seus títeres no governo de turno, lhes matava de fome, era necessário fazê-los reviver diariamente. Era preciso lhes fazer revigorar as forças, lhes reacender o moral para as jornadas urgentes que se lhes acercava. Houvesse tempo hábil ao recolhimento de seu testemunho, na certa que Hilda Guerrero concordaria com Miguel Herrera, ex-operário ferroviário nas oficinas de Tafí Viejo, em seu relato sobre as lutas operárias do noroeste argentino aos finais dos 1960’. São palavras de Miguel Herrera: Uma greve de fome favorece ao inimigo porque morre o lutador… Se se faz uma greve de fome e não é interrompida, te pega a desnutrição até que se morre. (…) E se não se morre, ficas famélico, frágil como soldado da luta. Por outro lado, na Olla Popular, se alimenta o soldado, o lutador tem alimento, se alimenta às pessoas que participam. (…) E é disso que se trata a luta, se têm que molestar ao poder… ser um problema para o poder… Nas ‘Ollas’, se gera o clima para a discussão, para o debate, para a elaboração de planos, e o soldado estando bem alimentado, não estará débil nem famélico.

Foto: Reprodução

   Hilda não estava só. Não fora de um espontaneísmo de ocasião que ela se fizera alvo fácil aos atiradores da ordem. Tampouco que fora de um gesto tonto, voluntarioso e individualista, Hilda a se colocar à frente dos outros como quem vislumbra a possibilidade prévia do martírio, e quem sabe vir a ser protagonista de uma história coletiva. Será que Hilda pensara em tomar de susto, à calada da noite, descendo corrida, lépida, fugaz, aos atropelos, escorregando da encosta dos montes, tropeçando, ferindo os joelhos, levantando-se, voltando a correr, a ver se topava El Familiar pelas costas, lhe passando de pronto no pescoço peludo a lâmina desembainhada e desempregada dos engenhos de fogo morto? Uma Hilda mártir, uma Hilda destemida, a se embrenhar entre as folhas altas da cana, a voltar em fúria e fogo a totalidade de sua força ao atentado derradeiro? El Familiar exausto, capenga, dobrando-se em reza murcha e autocomiseração? Nada que isso! Era inteiramente outro o cenário no que Hilda Guerrero de Molina estivera àquele 12 de janeiro de 1967 – porque Hilda Guerrero de Molina nunca pleiteara a si um lugar de exceção. Era tão somente uma companheira entre companheiros em luta.

5

          De certa forma, Juan Domingo Perón errara em sua aposta. Afinal, não seriam todos os argentinos que estariam convidados à bonança dos dividendos do governo de Juan Carlos Onganía. Não demoraria muito para que se soubesse que o golpe de Estado de 12 de junho de 1966 trazia à gola do paletó nome e sobrenome dos credores e avalistas muito bem ajuizados quanto as suas expectativas e demandas. Dentre as primeiras medidas, Onganía dissolvera o Congresso Nacional, proibira a atuação dos partidos políticos, dissolvera os centros estudantis, tornara ilegal os grêmios sindicais, congelando suas contas bancárias e cooptando lideranças.

          Sob o pretexto de que era mister a modernização da economia argentina e de suas plantas industriais; de que o problema açucareiro era resultado da irresponsável condução administrativa de algumas empresas; que o distúrbio social e, sobretudo, laboral, no noroeste argentino, estava umbilicalmente associado ao fato do não pagamento dos salários de seus operários, empregados e provedores privados e públicos; que a inadimplência fiscal e o acumulado das dívidas junto às instituições bancárias era inaceitável e de um indubitável sacrifício para a Nação; a ditadura militar recém inaugurada tomou como um de seus primeiros alvos os engenhos de Tucumán. O Decreto Lei n.16.926, fora assinado no dia 22 de agosto, e publicado dois dias depois no Boletim Oficial da República Argentina. Segue abaixo o texto do Decreto-Lei:

Artigo 1º.: Declara-se a intervenção ampla e total dos engenhos açucareiros denominados Bella Vista, Esperanza, La Florida, Lastenia, La Trinidad, Nueva Baviera e Santa Ana, todos eles situados nos limites do Estado de Tucumán.

Artigo 2º.: O Ministério de Economia da Nação designará de imediato os interventores respectivos, e determinará as funções, atribuições e remunerações deles.

Artigo 3º.: Em salvaguarda dos direitos patrimoniais das pessoas ou sociedades proprietárias dos engenhos açucareiros a que se refere o Artigo 1º os respectivos interventores efetuarão, de imediato, com intervenção dos legítimos proprietários dos engenhos ou seus representantes, um inventário completo de seu ativo e passivo.   

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Artigo 4º.: O Ministério de Economia da Nação orientará aos respectivos interventores para o cumprimento do convênio subscrito na data com o Estado de Tucumán.

Artigo 5º.: Em razão de ordem pública e benefício de interesse comum a que se volta a presente lei, os empregados e operários dependentes dos engenhos a que se refere o Artigo 4º, deverão prestar serviços nas tarefas que se lhes atribua, indistintamente dentro ou fora dos respectivos engenhos.

Artigo 6º.: Comunique-se, publique-se, entregue-se a Direção Nacional do Registro Oficial e arquive-se. 

GAL JUAN CARLOS ONGANÍA – Jorge N. Salimei – Mario O. Galimberti

           PS: Segundo a investigadora Silvia Nassif, as consequências na perda de emprego não afetaram exclusivamente aos trabalhadores da indústria açucareira. Ao final do ano de 1966, a FEIA (Federación de Empleados de la Indústria Azucarera) contabilizava o número de habitantes de populações de cidades vizinhas que se viram afetadas pelo fechamento dos engenhos: 18.500 em Nova Baviera, 25.000 em Lastenia, 37.500 em La Trinidad, 12.000 em La Florida, 20.000 em Santa Ana, 14.200 em San Antonio. Totalizando cerca de 127.200 habitantes prejudicados diretamente pela medida de modernização e saneamento econômico, aplicado pelo governo de Juan Carlos Onganía.

6

          Hilda Guerrero de Molina, seu esposo, seus quatro filhos, e tantos outros companheiros eram apenas alguns dentre os tantos afetados por aquela medida arbitrária, embora não gratuita. O fechamento das unidades produtivas lançara ao desemprego, ao desalojo e à fome enorme quantidade de operários que já vinham sofrendo do rebatimento da crise de superprodução desde o ano de 1965. O drama do êxodo populacional se tornou fluxo contínuo na região, e em especial, em Tucumán, uma vez que a agroindústria açucareira era a sua principal atividade econômica. Se a princípio, a ditadura militar fechara 07 engenhos, outros quatro seguiram o mesmo prumo, deixando sem trabalho a 50 mil operários. 

          Em contrapartida ao aprofundamento das políticas de ‘racionalização’ impostas pelo plano econômico da ditadura, divulgado em novembro de 1966; no dia 03 de janeiro do ano de 1967, em plenária com diversos delegados sindicais de FOTIA, foi definido um plano de luta que irá ganhar repercussão nacional. Dentre as medidas a serem colocadas na ordem do dia, exigia-se a revisão total da política açucareira, o pagamento das dívidas salariais e sociais, a reativação agroindustrial sem fechamento ou sucateamento das unidades de produção, a promulgação de uma lei açucareira com participação operária, além de impedimentos legislativos na proteção dos postos de trabalho e, por fim, a retirada imediata da Polícia Federal que fazia a custódia das áreas relativas aos engenhos sob intervenção. Deliberara-se também por um trabalho exaustivo de propaganda e agitação no dia 10 de janeiro, com realização de assembleias em todos os sindicatos, e por fim, a conflagração de uma greve geral de 24 horas com mobilização massiva partindo de todos os povoados próximos aos engenhos numa marcha até a capital de Tucumán.

          Dia 11 de janeiro, Hilda Guerrero de Molina partiu num grupo de cerca de 50 companheiros de Santa Lucía. A caminhada, em região inóspita, varou a madrugada – atravessando canaviais, cruzando o rio Famaillá, em um esforço inumano para desviar das forças policiais orientadas por sua Chefatura para impedir a realização de qualquer ato público, marchas, ou assembleias sob o pretexto de garantir a ordem e a tranquilidade social. Hilda Guerrero e seus companheiros haviam partido às 21 horas de sua região, chegando a Bella Vista às 6 horas da manhã. 

          Dia 12 de janeiro de 1969. Hilda Molina esteve entre os companheiros que foram recebidos com gases lacrimogênio, balas de borracha, surras de cassetetes, e disparo de armas de fogo.  Àquele grupo inicial de 50 pessoas, outros grupos provindos de regiões distintas foram se juntando, se assomando. Hilda que já havia sido molestada durante a marcha, quando policiais tentaram arrancar dela a bandeira argentina com que recobria o seu corpo; Hilda que conseguira, mesmo que depois de derrubada ao chão, levantar-se e arrancar de volta a bandeira, e seguir em frente, será agora o alvo principal, a destinação do balaço certeiro. 

A 56 años del cierre masivo de los ingenios azucareros en Tucumán

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          Fernando Krichmar conta, em seu documentário Diablo, familia y propiedad, que era da tradição dos engenhos o acionar da sirene da fábrica toda vez que El Familiar fazia desaparecer a algum operário de entre o mato alto dos canaviais. Segundo o relato de diversos trabalhadores, o som estridente da sirene representava, a um só tempo, a presença e a ausência; a presença imaterial e aterrorizante do diabo a atender aos interesses do patrão; e a ausência física e concreta do companheiro que fora devorado como lição e reprimenda. Ao ouvir a sirene, eles contam que o corpo parecia automatizar-se, seguir em frente como se fosse uma máquina, procurando duplicar, triplicar a produção. Comportamento sensório-motor que imenso convinha aos intentos patronais. Celeridade cega, surda e muda – tangida pela dor e pelo medo.

Foto: Reprodução

          Sobre Hilda Guerrero de Molina, as últimas palavras. No dia de sua morte, seus companheiros se reuniram em assembleia. Eram 2.000 operários – segundo os cálculos da polícia relatados pela imprensa local. Enquanto a Chefatura, os órgãos de informação oficiais e esta mesma imprensa corrosiva, buscavam de todas as formas se eximir de responsabilidades pela morte de Hilda atribuindo-a a quem fosse; seja a um confronto entre os grupos operários de matizes ideológicos distintos; seja ao bode expiatório da hora, seja a uma bala perdida, uma pedrada um objeto cortante ou outra coisa qualquer – lhes fora impossível negar que a greve fora total em Aguilares, Bella Vista, Concepción, San José, Santa Lucía, Santa Bárbara, Santa Rosa, Cruz Alta, La Corona, San Pablo, La Fronterita, La Providencia, San Juan e Leales. Na assembleia, consternada, aguerrida, inflamada, revoltada, se decidiu seguir em marcha até a capital – tal como estava planejado. Os jornais e noticiários de televisão vociferavam a todo instante que Tucumán era o barril de pólvora argentino. 

          Hilda Guerrero de Molina fora sepultada em sua casa em Santa Lucía, e seu corpo seguiu, num cortejo fúnebre, por 7 kms. Uma multidão de cerca de 2.500 pessoas a acompanharam. Silvia Nassif conta que durante o sepultamento, as sirenes de todas as fábricas açucareiras do país foram acionadas por cinco minutos ininterruptos. Todavia, a este acionar, o que se lhe vinha não era o automatismo da produção, o corpo retesado do trabalhador, no chão da fábrica, tomado em susto e pavor. Já não eram àqueles companheiros de luta refém de qualquer demônio da produção. Era a mesma sirene, apenas que a soar outro estribilho. De um estampido que nunca até então fora ouvido – algo como uma convocatória, um brado filo-harmônico. Foram cinco minutos de sirenaço – a lembrar da companheira caída, e a deflagrar fôlego ódio fúria contra aqueles que (nos) matam todos os dias.

André Queiroz – Escritor, ensaísta e realizador cinematográfico. Professor Titular no Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS/UFF) 


[1]  Cf. Link do documentário Diablo, família y propiedad (Direção: Fernando Krichmar, 1999): https://www.youtube.com/watch?v=fk7INFvo5o0&t=829s; Ver também a entrevista de Fernando Krichmar, no programa da Radio Nacional Mendoza, em 12 de julho de 2012 – Link: https://www.youtube.com/watch?v=X24SUfd3Cx8  

[2] Cf. link do filme El Familiar (Direção: Octávio Getino, 1975): https://www.youtube.com/watch?v=9NTN4V5zMNM&t=11s

[3] Getino está se referindo ao terceiro governo constitucional de Juan Domingo Perón, iniciado em 12 de outubro de 1973 – resultado de uma luta política encetada por amplos setores populares organizados em torno de organizações tais como Montoneros, Juventud Peronista, Juventud Universitaria Peronista, Unión de Estudiantes Secundarios (UES), Juventud de Trabajadores Peronistas (JTP), Movimientos de Inquilinos, além de setores combativos da CGT e também, a sua burocracia. Importante destacar que se o filme fora filmado em 1972, apenas será lançado em 1975.

[4] No que tange ao tensionamento das polarizações entre a tendência revolucionária peronista (de cujas Organizações Político-Militares, Perón costumava chamar de Formaciones especiales) e os agrupamentos protofascistas da extrema-direita peronista, vejamos o que descreve Carlos Piñeiro Iñíguez sobre um certo posicionamento de Juan Domingo Perón: “Na realidade, o problema que emergia com destinos trágicos ao final de 1973, já se mostrava presente desde o início deste ano, quando um relato de Miguel Bonasso, durante uma viagem a China que realizara Perón na companhia de López Rega, o membro da P-2 italiana Giancarlo Elia Valori, o futuro governador de Buenos Aires, Oscar Bidegain – um nacionalista de direita tão logo deposto por Perón sob o argumento de incapacidade para conter a esquerda peronista – y a filha de este último, Gloria – militante de da Juventude Peronista -, o General se manifestou muito negativamente sobre os setores revolucionários. Chegou, inclusive, a propor a criação de uma espécie de Somatén (grupo repressivo organizado na Espanha durante a ditadura do General Miguel Primo de Rivera) para solucionar o problema”. Cf. IÑÍGUEZ, C.P. Hernández Arregui – Una interpretación marxista del peronismo. Buenos Aires: Continente, 2013 (p.98). Furtemo-nos de associar tal menção sugestiva de Perón à conformação da banda paramilitar Triple A (Alianza Anticomunista Argentina) sob as expensas do seu Ministro de Bem-estar Social, José López Rega.

[5] Personagem protagonista do filme de Octavio Getino.

[6] Personagem do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.

[7] Nos termos do historiador Felipe Pigna: “Os principais pontos do convênio com o Fundo Monetário Internacional (FMI) consistiam no aumento de 150% nas tarifas do transporte, aumento nas tarifas elétricas, aumento de 200% do preço do barril de petróleo, demissão de 15% do funcionalismo público e 15% dos empregados ferroviários; eliminação de ramais, eliminação de todos os controles de preços; congelamento dos salários por dois anos; unificação do mercado cambiário e liberação do valor do dólar”. IN: PIGNA, F. Lo Pasado pensado. Entrevistas con la historia argentina (1955-1983). Buenos Aires: Planeta, 2005 (p.75).

[8] A posse de Arturo Illia havia se dado no dia 12 de outubro de 1963.

[9] Sobre tal medida, se manifestará ninguém menos do que Álvaro Alsogaray, ministro da indústria do governo de facto de Pedro Eugénio Aramburu (1955-56); ministro da fazenda de Arturo Frondizi (1959 61) e ministro da economia do governo títere de José María Guido (1962). Importante destacar que Alsogaray, um americanófilo de primeira hora, fora o principal impulsionador do Plan Larkin – que resultou no abandono de mais de um terço da malha ferroviária nacional, resultando na demissão de cerca de 70 mil ferroviários. Defensor contumaz das políticas de choque impostas pelo Fundo Monetário Internacional, Alsogaray dirá acerca da anulação dos contratos antinacionais que vilipendiavam economicamente a Argentina no que tange à extração de seu próprio recurso energético: “A Argentina será rebaixada ao segundo escalão na consideração dos organismos internacionais responsáveis e aos grandes investidores” (Cf. GALASSO, N. “El gobierno de Illia”. IN: HISTORIA DE LA ARGENTINA – tomo II. Buenos Aires: Colihue, 2012 (p.409). Por seus serviços prestados, Alsogaray, depois do golpe de Estado de 1966, será alçado à condição de Embaixador argentino nos Estados Unidos (1966-68).

[10]  Relativo ao período compreendido entre 1916 a 1930, em que se sucederam três mandatos presidenciais de governos radicais (Unión Civica Radical: UCR), sendo que – em dois destes governos, esteve à presidência Hipólito Yrigoyen, entre 1916-22 e 1928-30, quando seu governo foi derrubado pelo primeiro dos golpes militares na Argentina do século XX. Nos termos do historiador Rodolfo Puiggrós: “O yrigoyenismo foi gestado como rebeldia das classes sociais excluídas frente ao regime de minorias incompatível com a sociedade transformada pela colonização capitalista. Surgiu das contradições internas da ordem social concebida em 1853, e moldada pela colonização capitalista procurou estabelecer a harmonia entre o Estado e a soberania popular (…). O yrigoyenismo não cristalizou no movimento nacional e popular concebido por seu fundador, e foi vencido pela coalização dos liberais, devido a causas inerentes a própria natureza originária do meio social que o promoveu e o afundou”. Cf. PUIGGRÓS, R. El Yrigogenismo. IN: HISTORIA CRITICA DE LOS PARTIDOS POLÍTICOS ARGENTINOS. Buenos Aires: Galerna, 2006 (p.71).

[11] Cf. PERALTA RAMOS, M. Etapas de acumulación y alianzas de clases en la Argentina (1930-1970). Buenos Aires: Siglo XXI, 1973.

[12] IN: PIGNA, F. Op.cit (p.75-76).

[13] Cf. trecho da Carta de Perón a José León Suárez, de 28/12/1964: “Não poderíamos contar que os gorilas tivessem tal conduta que, indubitavelmente, não provém deles, mas de seus mandantes, os malditos ianques, com relação aos quais os brasileiros têm demonstrado ser pobres cipaios”. IN: GALASSO, N. Op.cit. (p.413).

[14] GALASSO, N. Op. Cit (p.415).

[15] GALASSO, N. Op. Cit (p.415).

[16] Vejamos este trecho da entrevista. São palavras de Perón: “Chegou o momento dos argentinos chegar a um acordo. Se não, terá chegado o de pegar as armas e lutar. O caminho da união é cada vez mais difícil; o caminho das armas, cada vez mais fácil. Os argentinos devemos nos por de acordo, porque a disjuntiva é a guerra civil. Se permaneci impassível durante dez anos face ao retrocesso nacional, é porque não creio na violência nem na destruição das obras realizadas, porque o que já está feito pode vir a prosperar. Tive importantes oferecimento de armas e de tropas, porém me neguei para não entregar a alma ao diabo nem provocar derramamento de sangue. O novo governo demonstra boa intenção”. 

[17] Cf. NASSIF, S. Resistencia obrera y popular en Tucumán en los inicios de la ditadura de Onganía: asesinato de Hilda Guerrero de Molina y pueblada en Bella Vista. IN: Trabajo y Sociedad, n. 29. Santiago del Estero: invierno de 2017 (p.206). Link do artigo: https://www.unse.edu.ar/trabajoysociedad/29%20NASSIF%20SILVIA%20%20FOTIA.pdf 

[18] Cf. NASSIF, S. “Ni Trabajo ni diversificación agro-industrial. El impacto del cierre de los ingenios tucumanos durante la ditadura de la ‘Revolución Argentina’ (1966-1973). IN: Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios n.43, 2º. Semestre de 2015. Link de acesso: https://ri.conicet.gov.ar/handle/11336/45857

[19] Em seu minucioso trabalho de investigação acerca da luta de classes no noroeste argentino, Silvia Nassif descreve que, desde 1965, a indústria açucareira agonizava de uma crise de superprodução – na que os industriais descarregaram sobre as costas dos seus operários as custas do excedente não comercializado, suspendendo temporariamente o pagamento de seus salários, e diminuindo os postos de trabalho. Os trabalhadores organizados, em FOTIA (Federación Obrera Tucumana de la Indústria Azucarera), radicalizaram o conflito, ocupando alguns dos engenhos, e como se pode bem imaginar, as forças policiais não hesitaram em cumprir a sua função repressiva em nome dos interesses patronais. (Cf.p.96).

[20] Segundo o historiador Roberto Pucci, as causas do Decreto Lei não devem ser buscadas na economia e na sociedade tucumana. Esta é apenas a sua cortina de fumaça. Tratava-se de gerar um ‘vazio legislativo’ que desse margem à política de centralização monopólica à indústria açucareira, transferindo recursos e atividades às unidades produtivas de matrizes transnacionais, como no caso do Engenho Ledesma e outros mais, em Jujuy e Salta. (Cf. NASSIF, S. idem, p.97). 

[21] Cf. NASSIF, S (2017), p.203.

[22] Cf. NASSIF, S. (2017), p.214-15.

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