Jorge Dimitrov (18 de junho de 1882 – 2 de julho de 1949)
“Mas a característica da vitória do fascismo é precisamente a circunstância de que esta vitória mostra, por um lado, a debilidade do proletariado, desorganizado e paralisado pela política divisionista social-democrata de colaboração de classe com a burguesia, e, por outro lado, revela a debilidade da própria burguesia (…) [que] não está em condições de manter sua ditadura sobre as massas com os antigos métodos da democracia burguesa e o parlamentarismo.”
(A Ofensiva Fascista e as Tarefas da Internacional Comunista na Luta da Classe Operária Contra o Fascismo, Jorge Dimitrov [1])
Há 70 anos atrás, morria, em Sofia, o dirigente búlgaro Jorge Dimitrov, e a história o cimentou numa posição marcante para o Movimento Comunista Internacional. O propósito deste texto é realizar uma pequena homenagem a este “martelo de ouro da classe operária” (2), teórico do antifascismo e último coordenador da Internacional Comunista.
Jorge Mikhailovitch Dimitrov nasceu em 18 de Junho de 1882 na cidade de Radomir. Com somente 15 anos de idade, Dimitrov ingressou no sindicato dos trabalhadores tipógrafos e em 1902, no Partido Social Democrata dos Trabalhadores Búlgaros. Em 1903 o partido, como muitos partidos social democratas do período, enfrentaram intensa luta de duas linhas, e Dimitrov tomou parte da linha de esquerda (conhecida como “estreita”) na ruptura do partido; em 1909 sendo eleito para seu Comitê Central. Durante esse primeiro período de sua vida, Dimitrov foi um destacado líder sindical, estando à frente de grandes greves, como a Greve de Mineiros em Pernik (1906), as greves de trabalhadores têxteis (1908), de operários de uma fábrica de palitos de fósforo (1989) e tipógrafos (1913). Essas atividades o deram prestígio no movimento operário búlgaro e ele foi eleito secretário da Aliança de Sindicatos Revolucionários da Bulgária, posto que manteve até a dissolução do movimento pelos fascistas em 1923.
No período dos anos 20, que no mundo foi marcado por várias insurreições inspiradas na Revolução de Outubro de 1917, seu partido mobilizou uma insurreição armada em 1923, e como consequência foi condenado à morte pela junta militar pró-Mussolini, que tinha assaltado o poder, e, portanto, teve de emigrar de seu país. Ainda assim, permaneceu um revolucionário profissional, agora como liderança da COMINTERN (Internacional Comunista), mantendo relações bem próximas com Stalin.
Em seu exílio em Berlim, Dimitrov foi preso pelo estado fascista em 1933 no farsesco julgamento do Incêndio no Reichstag (parlamento alemão), que os nazistas responderam com centenas de prisões, incluindo a do próprio Dimitrov, suspendendo a constituição e a liberdade de imprensa dos jornais de esquerda.
No famoso julgamento em Leipzig – cujo propósito ideológico era o de provar ao mundo que a Alemanha tinha salvado a Europa da ameaça Bolchevique – Dimitrov mostrou-se inquebrável perante a provocação fascista e, num feito de heroísmo internacionalmente reconhecido, virou o julgamento contra os próprios acusadores, expondo a farsa do julgamento, os motivos espúrios do nazismo, propagandeando a linha da COMINTERN e defendendo sua moral comunista.
Mesmo sendo silenciado por mais de 30 vezes em uma sessão, sua fala ecoou pela imprensa internacional e o heroísmo dela incendiou o coração de trabalhadores ao redor do planeta – é um exemplo histórico de conduta comunista perante a tribuna do inimigo. Em outras circunstâncias, podemos ver exemplos similares nos desafiadores discursos de Chiang Ching contra a perseguição dos revisionistas e do Estado social-imperialista chinês e do Presidente Gonzalo quando foi apresentado por Fujimori à imprensa nacional e internacional numa jaula.
Frente a Goebbels, Goering e a toda corja nazista que o encarava, suas palavras foram desafiadoras (3):
“Eu admito que meu tom seja duro e sombrio. A luta de minha vida sempre foi dura e sombria. Meu tom é franco e aberto. Fui acostumado a chamar uma espada de espada. Não sou um advogado aparecendo perante esta corte no mero exercício de sua profissão. Estou me defendendo, um Comunista acusado. Estou defendendo minha honra política, minha honra como um revolucionário. Estou defendendo minha ideologia Comunista, meus ideais.
Estou defendendo o conteúdo e significado de minha vida inteira.
(…) Chegará uma hora em que tais propostas serão cobradas, com juros. A elucidação do incêndio no Reichstag e a identificação correta dos incendiários é uma tarefa que caberá às Cortes Populares da futura ditadura do proletariado.
No século XVII o fundador das ciências físicas, Galileu, foi acusado perante à rígida Corte da Inquisição que tinham de condená-lo à morte como herege. Com profunda convicção e determinação ele exclamou: ‘Eppur si muove!’ (No entanto ela [a terra] se move!). Essa lei científica posteriormente tornou-se conhecida por toda humanidade. Não menos determinado que o velho Galileu nós, Comunistas, declaramos hoje: ‘Eppur si muove!’
A roda da história se movimenta em direção a uma Europa Soviética, a uma União Mundial de Repúblicas Soviéticas. E quaisquer meios de exterminação, prisões ou sentenças de morte não serão suficientes para parar essa roda, dirigida pelo proletariado sob a liderança da Internacional Comunista. Ela se move e move em direção à vitória final do Comunismo.”
Seu prestígio como revolucionário e antifascista consuma-se em sua eleição a Secretário Geral do Comitê Executivo da COMINTERN, em 1935, cargo que ocuparia até sua dissolução. Neste período, Dimitrov foi essencial na consolidação do antifascismo como campo teórico próprio do Marxismo-Leninismo, planteando um importante processo de síntese de toda a luta que os partidos comunistas europeus e asiáticos estavam então desenvolvendo contra a ameaça fascista e a iminente guerra de rapina. Processo de síntese, pois, apesar das bases para o antifascismo já serem apresentadas desde os primeiros congressos da COMINTERN e a experiência prática dessa luta já estar sendo desenvolvida (como na Espanha, China e Alemanha, por exemplo), foi no período após 1935 que, sob liderança de Dimitrov, a COMINTERN iniciou uma síntese inacabada de todo o conhecimento sobre o fascismo (e sobre como combatê-lo) adquirido através de árduo confronto, luta de linhas e pioneiras análises por membros influentes como Clara Zetkin, Palme Dutt e outros. Inacabada, pois o necessário balanço da experiência e de suas consequências em longo prazo não foi suficiente nem possível, pois a COMINTERN se dissolve em 1943. Como escrito pelo Núcleo de Estudos M-L-M:
“(…) era questão chave tirar lições das experiências destes grandes acontecimentos para poder se preparar para a nova situação criada no pós-guerra, separar marxismo de revisionismo e estabelecer a linha geral para o movimento comunista internacional. A ausência deste balanço (síntese) de forma organizada não permitiu assimilar toda a riqueza dos erros e acertos para impulsionar a ofensiva da revolução proletária, terminando por favorecer a ação do revisionismo moderno que se gestara desde o início dos anos de 1940. (4) Já em 1935, Dimitrov, em seu famoso relatório para o VII Congresso da COMINTERN, ‘A Ofensiva Fascista e as Tarefas da Internacional Comunista na Luta da Classe Operária Contra o Fascismo’, planteia alguns elementos hoje considerados centrais na definição comunista do fascismo (a especificidade de sua economia política, o caráter do terrorismo fascista, as correlações de classe numa sociedade fascista), assim como os três elementos fundamentais de combate ao fascismo: a Frente Única, a força combatente antifascista e o estado revolucionário de Democracia Popular.
Apesar de nosso texto ser uma homenagem e não querer tratar de considerações críticas mais profundas, devemos notar que esse processo de síntese ocorreu meio a necessidades imediatas de mobilização das massas contra o embrutecimento crescente do fascismo e iminência bélica, e que ocorreram problemas de análise, insuficiências e anacronismos que foram facilmente tergiversados por elementos revisionistas como Browder, Toggliati e Thorez, estes que liquidaram a luta revolucionária em seus países e transformaram Dimitrov em um “ícone vazio”.
Um balanço definitivo desse período, de seus avanços e retrocessos, ainda são pendentes no MCI.
Também é válido ressaltar que muitas dessas insuficiências foram aperfeiçoadas e/ou corrigidas no decorrer da Revolução Chinesa, e muito do que consideramos pilares básicos do maoísmo, como a Nova Democracia, a tese de independência na Frente Única e as especificidades do fascismo no regime de capitalismo burocrático, foram respostas diretas à limites das teses da COMINTERN (posições formuladas pelo Presidente Mao e que na luta interna, eram representadas pelo delegado do Partido Comunista da China Wang Ming).
Nesse rico relatório, Dimitrov também planteia a correlação entre a luta antifascista e a luta de libertação nacional, especialmente interessado nas experiências em desenvolvimento na China, Índia e Brasil; no último caso sendo observador da formação da ANL (Aliança Nacional Libertadora), liderada pelo PCB de Prestes. Sobre ela, diz:
“No Brasil, o Partido Comunista, tendo estabelecido uma base correta para o desenvolvimento da Frente Única Anti-imperialista pelo estabelecimento da Aliança Nacional Libertadora, deve convocar todos os esforços para ampliar essa frente atraindo em primeiro lugar os milhões de camponeses, levando à formação de unidades de um exército revolucionário popular, totalmente dedicado à revolução e ao estabelecimento de um governo da Aliança Nacional Libertadora.”(5) Através da COMINTERN, Dimitrov foi instrumental no desenvolvimento das Frentes Únicas ao redor da Europa, e em seu país natal, Bulgária. Após a derrota da besta fera nazista que ocupava Sofia, vencida em conjunto pelas forças insurretas e o Exército Vermelho Soviético, a Frente Patriótica Búlgara assume o poder e, elegendo Dimitrov como seu presidente após 22 anos de seu exílio, passa à construção da Democracia Popular do País. Dimitrov assume este cargo até sua morte em 1949, sem deixar, contudo, de exercer sua função internacionalista, aconselhando partidos ao redor do mundo e participando da luta de duas linhas que se desenvolve contra o revisionismo Iugoslavo. Após sua morte, infelizmente, seu legado foi manchado pelos oportunistas de seu partido, que alguns anos após, se unirão à camarilha de Kruschov a nível internacional e acabarão com os ganhos revolucionários e democráticos em seu país.
Na história do MCI, a posição histórica deste comunista búlgaro é ponto de fricção. Quando não é abertamente omitido, é tergiversado por seus críticos de “esquerda” e deturpado oportunisticamente pelos direitistas. Ver um dirigente comunista de seu peso, com sua importância histórica e internacional ser tratado como mera curiosidade histórica por muitos comunistas é algo espantoso. Ainda mais ao se tratar de uma peça essencial na luta internacional contra o fascismo. Hoje, estudar seu pensamento também é de suma importância para compreender a inovação contida em muitas teses do Presidente Mao, mas também para compreender o verdadeiro legado dessa figura tão difamada pela “esquerda” e sofismada pela direita na história do MCI.
70 anos depois da morte de um dos principais sintetizadores de uma teoria comunista do Antifascismo, essa palavra maldita volta à boca de todos, pois, como dizia Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio” e ao que tudo indica, ela está prenha. O Partido Comunista da Índia (maoísta) (6) refere-se ao regime de Modi como fascista; da mesma forma o faz o Partido Comunista das Filipinas e a Frente Nacional Democrática (7) quanto a Duterte. O Partido Comunista Maoísta, da França, em sua constituição (8), identifica uma crescente força fascista se acumulando em torno da família Le Pen e seu partido. A ascensão e consolidação de forças fascistas na Ucrânia, na Hungria e na Itália são de amplo conhecimento, mesmo para quem não é comunista.
Como relatado no sexto congresso da COMINTERN, “de forma mais ou menos desenvolvida, as tendências fascistas e os germes de um movimento fascista podem ser encontrados em quase toda parte” (9), e em 1926 isso condizia ao pós-guerra, à reação ao movimento revolucionário dos trabalhadores e à crescente crise financeira que resultaria no crash. Em 2019, 90 anos depois do crash, comparativamente, uma crescente força fascista no mundo tem raízes no fim da Guerra Fria – com o expansionismo das forças imperialistas sobre os espólios de guerras civis e bancarrotas de estados nacionais; na crise financeira de 2008 e na futura crise internacional que se aproxima, prevista mesmo por economistas burgueses.
Em contrapartida, o PCm (França) pontua que uma notável diferença é “a ausência de um campo socialista, a traição revisionista e a atual fraqueza das forças proletárias organizadas” (10). Essa constatação não é apenas uma pequena nota de rodapé, pois a análise histórica do caráter de classe do fascismo atesta que o antagonismo com a crescente organização popular é um dos pilares que sustenta a aberração fascista, assim apresentada como contrarrevolução remediada ou preventiva. As massas hoje, portanto, se veem na possibilidade de uma crise ainda maior quanto a um porvir fascista, pois lhes faltam os instrumentos e estratégias de guerra que à época eram concedidas por suas forças revolucionárias já consolidadas.
Portanto, neste ano, no centenário da fundação do COMINTERN pelo grande Lenin e a 70 anos da morte de Dimitrov, um chamado para o estudo do legado histórico do MCI na luta contra o fascismo é justificado. Seja pra lembrarmos de nossa história coletiva como comunistas e democratas, seja pra realizarmos as sínteses por muito postergadas. Em homenagem à memória de Dimitrov, em 1954 o Presidente Mao Tsetung escreve um texto intitulado “Jorge Dimitrov e o Povo Chinês” (11), onde discorre sobre a influência do pensamento de Dimitrov para a Revolução Chinesa (especialmente no desenvolvimento da luta contra a invasão japonesa). Sobre ele, diz:
“O Camarada Dimitrov nos deixou para sempre. A revolução Chinesa, que ele apoiou com tanto entusiasmo, é vitoriosa. A República Popular da Bulgária, da qual foi separado por sua morte, está bravamente caminhando pelo caminho do socialismo e criou forte amizade com a República Popular da China. Todas essas vitórias são o maior tributo ao Camarada Dimitrov que agora descansa em paz.”
O Camarada Dimitrov é Imortal!
Ecoemos as palavras do Presidente Mao aos 70 anos de aniversário dessa grande figura.
Anexo:
Trecho do ‘Relatório Dimitrov’ no VII Congresso da COMINTERN (12)
Qual é a fonte da influência do fascismo sobre as massas? O fascismo é capaz de atrair as massas porque demagogicamente apela às suas necessidades e demandas mais urgentes. O fascismo não só inflama preconceitos que estão profundamente enraizados nas massas, mas também atua sobre os melhores sentimentos das massas, sobre seu senso de justiça e, às vezes, sobre suas tradições revolucionárias. Por que os fascistas alemães, aqueles lacaios da burguesia e inimigos mortais do socialismo, se representam para as massas como “socialistas” e retratam sua ascensão ao poder como uma “revolução”? Porque eles tentam explorar a fé na revolução e o impulso ao socialismo que vive nos corações da massa de trabalhadores na Alemanha.
O fascismo atua no interesse dos imperialistas extremos, mas se apresenta às massas disfarçado de campeão de uma nação maltratada, e apela a sentimentos nacionais ultrajados, como o fascismo alemão, por exemplo, quando conquistou o apoio das massas da pequena burguesia com o slogan “Abaixo o Tratado de Versalhes”.
O fascismo visa a exploração mais desenfreada das massas, mas se aproxima delas com a demagogia anticapitalista mais engenhosa, aproveitando o ódio profundo do povo trabalhador contra a burguesia saqueadora, os bancos, trustes e magnatas financeiros, e avançando esses slogans que no momento dado são mais atraentes para as massas politicamente imaturas. Na Alemanha – “O bem-estar geral é maior que o bem-estar do indivíduo”, na Itália – “Nosso estado não é capitalista, mas um estado corporativo”, no Japão – “Para um Japão sem exploração”, nos Estados Unidos – “Compartilhar a riqueza” e assim por diante.
O fascismo entrega o povo para ser devorado pelos elementos mais corruptos e venais, mas se põe perante a eles com a demanda por “um governo honesto e incorruptível”. Especulando sobre a profunda desilusão das massas nos governos democrático-burgueses, o fascismo denuncia hipocritamente a corrupção.
É no interesse dos círculos mais reacionários da burguesia que o fascismo intercepta as massas desapontadas que abandonam os velhos partidos burgueses. Mas impressiona essas massas pela veemência de seus ataques aos governos burgueses e sua atitude irreconciliável com os antigos partidos burgueses.
Ultrapassando em seu cinismo e hipocrisia todas as outras variedades de reação burguesa, o fascismo adapta sua demagogia às peculiaridades nacionais de cada país e até às peculiaridades dos vários estratos sociais em um mesmo país. E a massa da pequena burguesia e até mesmo um setor dos trabalhadores, reduzidos ao desespero pela carência, pelo desemprego e pela insegurança de sua existência, são vítimas da demagogia social e chauvinista do fascismo.
Notas:
1- Em https://www.
2- Assim chamado pelo dirigente pernambucano das Ligas Camponesas Francisco Julião. Ref:
https://anovademocracia.com.
camponesa
3- Em https://www.marxists.org/
4- Em https://anovademocracia.com.
mantiqueira-e-as-ilusoes-
5- Em https://www.
6- Em http://bannedthought.net/
InquiryFindings-Eng.pdf
7- Em https://www.ndfp.org/unite-
8- Em http://www.pcmaoiste.org/nos-
danalyse-du-fascisme/
9- Em https://www.
10-Ver a nota 3.
11- Em https://www.
12- Em https://www.