Agência Brasil
O agravamento da crise do capitalismo burocrático escancara os conluios do velho Estado e o latifúndio. Todavia, a luta indígena pela demarcação de seus territórios roubados se intensifica e a corporativização dos órgãos estatais, que agiam como freios da luta de classes em seu papel conciliador, não têm sido mais suficiente.
A transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, a série de exonerações e mudanças nos cargos de direção da Funai e entrada cada vez mais frequente de militares está envolta da convergência no que tange à extrema-direita e à direita em lotear a Amazônia e impulsionar na região a mineração, o agronegócio (latifúndio) e outros empreendimentos. A declarada guerra aos que lutam por terra ou por demarcação, que intensificou os ataques do latifúndio, se configura dentro do velho Estado com os mandos e desmandos a fim de aprofundar a exploração do campo.
Militares e os cargos na Funai
Em 27 de novembro, os povos indígenas Tikuna-Maguta e Kokama, do Alto Rio Solimões, oeste do estado do Amazonas, protestaram contra a nomeação do fuzileiro naval da reserva Jorge Gerson Baruf como coordenador regional do Alto Solimões da Funai de Tabatinga (AM). Os indígenas denunciam a ocupação cada vez mais frequente de cargos da Funai por militares e as ações do atual presidente da Funai.
Marcelo Augusto Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal chegou à presidência do órgão no final de julho, depois da exoneração do general da reserva do Exército, Franklimberg Ribeiro de Freitas, indicado no início do ano por Bolsonaro e que esteve à frente, entre 2012 e 2013, do Centro de Operações do Comando Militar da Amazônia (CMA).
A exoneração de Freitas, por sua vez, foi resultado da pressão do atual secretário nacional de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e amigo pessoal do fascista Bolsonaro, que planeja implementar a regularização fundiária autodeclarada, ou seja, feita pelos próprios ocupantes da terra. Há 32 milhões de hectares na Amazônia em situação indefinida (sem escritura), além de sobreposição de fazendas com terras indígenas, com áreas de proteção ambiental ou com terras públicas.
O atual presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, antes de assumir, atuou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai em 2016 como assessor; CPI criada para apurar supostas irregularidades cometidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pela Funai em processos de titulação de quilombos e de demarcação de Terras Indígenas. Em consonância com o plano do atual governo reacionário, o relatório final propôs a revisão de demarcações.
A comissão serviu para tentar criminalizar lideranças e organizações indígenas, entidades apoiadoras dos povos indígenas, antropólogos e servidores público. Como Ouvidor da Funai, em 2018, Xavier chegou a solicitar que policiais investigassem supostas “invasões” de indígenas em latifúndios no Mato Grosso do Sul. As denúncias mostraram-se sem fundamento e ele foi demitido.
Em 26 de novembro, Marcelo Augusto impôs à Procuradoria Especial Especializada a desistência da ordem judicial que mantém na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu os indígenas do povo Guarani Kaiowá situados em Mato Grosso do Sul. Caso semelhante aconteceu também em 6 de novembro, quando alegou desinteresse e desistiu de ação judicial abrindo caminho para despejo dos indígenas e anulação da demarcação da Terra Indígena Palmas, do povo Kaingang, localizada no município de Palmas, no Paraná.
Também no início de novembro os responsáveis diretos pela demarcação de Terras Indígenas (TI), a diretora de Proteção Territorial, Silmara Veiga de Souza, e o coordenador-geral de Identificação e Delimitação, Adriano Quost, foram exonerados no período de apenas dois dias. Estes foram nomeados e exonerados por Marcelo Augusto Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal que chegou à presidência do órgão no final de julho.
O motivo da exoneração pode estar associado ao vazamento feito pelo Intercept Brasil 48 horas antes do fato, onde foi revelado que o presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Gilson Machado Neto, pediu ao presidente da Funai, por meio de um documento oficial, o “encerramento” do procedimento demarcatório da TI Tupinambá de Olivença (BA), local onde visava construir um hotel de luxo.
Pode também estar associado ao fato de que foram criados três Grupos de Trabalho (GTs) para identificação de TIs, que são resultados diretos de uma ordem judicial e vão na contramão da declaração do governo do fascista Bolsonaro e dos generais, onde afirma que “não haverá mais nenhuma demarcação de terra indígena no país”. Esses GTs têm tido interferência direta do presidente da Funai, que trocou os responsáveis pela reavaliação das terras já demarcadas por uma equipe sem qualificação atestada, sendo um deles inclusive Joany Marcelo Arantes, ex-assessor parlamentar do deputado federal Homero Pereira, que presidiu a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e se posicionava contra as demarcações.
Para o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e dos guarani kaiowá, “a Funai entrega o despejo dos indígenas nas mãos dos fazendeiros que desejam a retirada dos indígenas em um cenário consolidado”.
A necessidade de espoliação do campo e a GLO
Soma-se a todos esses fatos a “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) do campo anunciada pelo fascista Bolsonaro, juntamente com o “excludente de ilicitude”, e agora o envio da Força Nacional para área de assassinato de indígenas no Maranhão autorizado pelo lambe-botas Sergio Moro, que tem como objetivo cada vez mais claro restabelecer o latifúndio em áreas retomadas através das Forças Armadas, usando-as contra os que lutam pela terra.
De acordo com a dirigente Xerente, Elza Nãmãdi, “está tendo invasão de mineração nos territórios e na Amazônia. Teve as queimadas e ninguém foi julgado. Não existe justiça para ser julgado, só existe para discriminar os povos indígenas”.
A sorrateira guerra reacionária que tem como um de seus elementos centrais a questão agrária, coloca entre seus alvos os povos indígenas, para servir à expansão territorial e a reestruturação espacial do capitalismo burocrático engendrado pelo imperialismo, principalmente ianque, no Brasil, expressa como nunca da forma mais explícita as contradições existentes em meio às classes dominantes.
Segundo o Comitê de Solidariedade aos Povos Indígenas, “questionar a ocupação de um território pelas nações originárias, que resiste há 519 anos à destruição de suas culturas e a espoliação das terras que sempre viveram, significa não só uma tomada de posição clara pelo latifúndio, e seu modo de subjugação nacional, como também, uma declaração de guerra contra aqueles que sobrevivem no seu pedaço de chão”.