É interessante observar, com cuidado, as recentes pesquisas divulgadas sobre a avaliação do governo Bolsonaro. Não basta a fotografia dos números para chegar às conclusões corretas. Vejamos.
Segundo pesquisa Datafolha, divulgada no último dia 02/09, avaliam o governo como ruim ou péssimo 38% da população, ao passo que 29% classificam-no como ótimo ou bom. Estes foram os números menos desfavoráveis ao Planalto: sobre o mesmo tema, pesquisa da XP indica 41% contra 30% e do Atlas Político 39,8% contra 28,4%. Há, de fato (e isto é uma constatação), tendência de queda na popularidade, que já se expressava no esvaziamento dos atos pró-governo e pró “Lava Jato”, os quais, ainda que não sendo a mesma coisa, disputam efetivamente a mesma base social.
Como num círculo que se estreita, o sr. capitão do mato é cada vez mais dependente do seu núcleo-duro de extrema-direita, e a necessidade de alimentar quase que diariamente a sede de sangue das feras leva-o a recalcar barbaridades, que estreitam ainda mais sua base de apoio. Bolsonaro não perde apoio porque radicaliza seu discurso; radicaliza seu discurso porque perde apoio. Não abre mão, assim, da iniciativa, nem de jogar na ofensiva, mantendo seus maiores adversários – os que disputam seu próprio campo – permanentemente na defensiva, tendo que se esquivar das suas diatribes. Por enquanto, Sergio Moro e João Doria preparam terreno para alçar voos próprios, enquanto o Alto Comando das Forças Armadas, mais discreto, de fato governa com uma mão enquanto alimenta a “saída Mourão” com outra.
Bolsonaro, Mourão, Congresso de corruptos e Forças Armadas reacionárias são rechaçados nas manifestações populares em todo o Brasil. Belo Horizonte, 13/08/2019. Foto: Comitê de Apoio ao AND
Tão importante quanto o dado final são alguns dados intermediários (por estratos sociais). Assim, segundo o Datafolha, numa comparação questionável entre Bolsonaro e Haddad (já veremos porquê), aquele perdeu mais apoio entre os que ganham até dois salários mínimos, entre os desempregados e os jovens; manteve, contudo, a liderança entre os que ganham de cinco a dez salários mínimos, assim como entre os empresários. Bolsonaro também recuou entre pretos e pardos, mas mantém a liderança entre a população branca. E ainda ganha em todas as regiões do País, com exceção do Nordeste.
Qual a primeira conclusão?
A conclusão inequívoca é que a luta de classes se agudiza de forma inaudita no Brasil, e o processo político é expressão disso. Bolsonaro se aferra à sua base, que é coesa não apenas do ponto de vista da mobilização ideológica, mas é também relativamente homogênea quanto à composição social. É, basicamente, um governo dos patrões (não falo aqui do conteúdo do seu projeto econômico, mas da sua identidade política). A massa de trabalhadores e de jovens, que foi arrastada na onda bolsonarista do segundo turno, se distancia do governo, que assume de forma descarada seu projeto de classe anti-proletário e antipovo. Este governo promete aos ricaços do campo e da cidade uma gestão sem concessões aos operários e camponeses, e crê que o apoio daqueles setores, ao lado das tropas subalternas de polícias e das Forças Armadas, será suficiente para atravessar os próximos anos. É esta a sua aposta fundamental.
Não há, portanto, no horizonte próximo, nem como encenação, uma saída negociada na política, mormente se a crise econômica persiste. Iremos de tempestade em tempestade. Quem subestimar Bolsonaro não está entendendo o processo em curso, por incapacidade ou simplesmente por não querer ver.
Mas há um outro aspecto fundamental da questão que as pesquisas divulgadas ou não exploraram corretamente ou enviesaram de modo proposital. Veja o caso do Datafolha: opor ao governo de Bolsonaro a candidatura de Haddad é um truque sem nenhuma base na realidade. Como pretender comparar em quantidade fenômenos distintos na sua essência? Afinal, aquela situação do segundo semestre de 2018 não existe mais, morreu. De fato, esta “pesquisa” induz uma conclusão inteiramente falsa: a de que a base que Bolsonaro perde estaria migrando para o PT. Isto não é estatística, é mágica.
O próprio Datafolha indica que o número de pessoas que declaram que votariam branco ou nulo é de 20%, mantendo o altíssimo patamar de rejeição do sistema político-partidário visto no último pleito. A pesquisa da consultoria Atlas Político, por sua vez, mostra que a imagem de todos os políticos avaliados piorou, incluindo figuras que têm sido insufladas pelos monopólios de imprensa como João Doria e Rodrigo Maia. Sergio Moro ainda é o “mais bem avaliado”, contudo, sem crescer mais e com alta rejeição, como todos. No campo da oposição institucional o quadro é o mesmo. Assim, segundo o diretor responsável pela pesquisa:
“Outro aspecto surpreendente da queda de popularidade do presidente é que ela não resulta tampouco no avanço de nenhuma figura da oposição à esquerda. Os níveis de aprovação e desaprovação de Lula, Haddad e Ciro estão estagnados.”
Qual a segunda conclusão?
Há não só uma polarização política que expressa a exacerbação das contradições de classe na sociedade brasileira, cujo tecido social pseudo-democrático literalmente derreteu desde 2013, tendo como pano de fundo o aumento do desemprego, da concentração fundiária e da depredação dos direitos sociais e trabalhistas – processo iniciado sob a égide do PT; há também uma ampla descrença, e mesmo repúdio, de uma parcela crescente da população ao sistema político vigente, expressão concentrada, ao nível da superestrutura, da ordem vigente. Nenhum respeitável membro do parlamento, estes arautos de um “liberalismo” tupiniquim, condescendente com o assassinato de pobres e a exploração selvagem dos trabalhadores, escapa ao descrédito geral. Bolsonaro conseguiu angariar, durante a eleição, parte deste sentimento “antissistema”, mas agora, também ele, demonstra o compromisso com a casa grande, e dele se separa a plebe. Estamos falando de dezenas de milhões de brasileiros, pobres, desempregados, jovens, que experimentaram no governo todas as siglas do partido único da reação, sempre colhendo frustração, sempre tendo seus interesses pisoteados. Milhões e milhões que estão à deriva, e podem ser convocados tanto como tropa de choque da contrarrevolução (no que, mais cedo ou mais tarde, perceberiam que foram novamente traídos) como tropa de choque da luta combativa e revolucionária.
Este é o dado fundamental, a disputa que, do nosso ponto de vista, verdadeiramente importa.
Fontes:
1. Pesquisa Datafolha. Disponível na internet, em: https://www1.folha.uol.com.br/
2. Pesquisa Atlas Político. Disponível na internet em: https://brasil.elpais.com/