O entreguismo antecede a tragédia: Rio Grande do Sul diante de projetos de mineração genocidas

O entreguismo antecede a tragédia: Rio Grande do Sul diante de projetos de mineração genocidas

O estado do Rio Grande do Sul, apesar de não ter uma tradição mineradora, é novo alvo de interesse de empresas nacionais e internacionais. Dentre essas empresas, se destacam quatro grandes projetos milionários em diversas localidades gaúchas, onde se encontram diversidade ambiental, povos indígenas, camponeses, locais turísticos, fontes naturais de lazer e trabalho, entre outras coisas. Os projetos, com dimensões gigantescas, apresentam óbvio e iminente risco para as populações locais, e do Rio Grande do Sul em geral, que podem, futuramente, sofrer como os mineiros em Brumadinho.

O aumento de interesse das empresas na região está relacionado à movimentação entreguista dos governos estaduais de Sartori e, atualmente, Leite. Esse último deixou claro que seu governo receberia de braços abertos a iniciativa privada – com todo seu rastro de sangue junto – no estado e, inclusive, deseja retirar da constituição estadual a necessidade de um plebiscito para a venda de estatais, entre elas, a Companhia Riograndense de Mineração (CRM).

De acordo com a ONG “O Eco”, de jornalismo ambiental, “o projeto em estágio mais avançado é o Retiro, que pretende extrair minerais pesados da faixa de areia localizada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, no município de São José do Norte, no litoral sul gaúcho. Os minérios são usados na produção de pigmentos de tintas. A RGM (Rio Grande Mineração SA) conseguiu a licença prévia do Ibama, mas ainda aguarda as licenças de instalação e de operação. Os demais projetos ainda buscam a licença prévia junto à Fepam, órgão de licenciamento estadual. Em Charqueadas, o objetivo é a instalação da Mina Guaíba, um projeto da Copelmi com investimento chinês e norte-americano que pretende extrair carvão mineral, areia e cascalho de uma área junto ao Rio Jacuí. Às margens do Rio Camaquã, em Caçapava do Sul, a empresa Nexa Resources (multinacional do Grupo Votorantim) tenta autorização para extrair zinco, chumbo e cobre de uma mina a céu aberto com vida útil de 20 anos e investimento inicial de R$ 371 milhões. Já em Lavras do Sul o alvo é o fosfato, matéria prima para fertilizantes. O projeto – que prevê investimentos de mais de US$ 100 milhões ao longo de 50 anos de exploração – inclui uma barragem de rejeitos” (sublinhado nosso). O empreendimento em Camaquã deverá ficar em área de 388 hectares no Passo do Cação, a 5 quilômetros da Vila Minas do Camaquã e a 9 quilômetros das formações rochosas Guaritas.

De acordo com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), no Rio Grande do Sul, atualmente há 166 projetos de mineração e que, se todos eles forem instalados, o estado passaria a ser provavelmente o terceiro ou quarto estado minerador do país. E alerta que os chineses estão enfrentando muitos problemas ambientais e de saúde em função do polo siderúrgico que têm. Esses problemas estão atingindo níveis insuportáveis para a população. Em função disso, a China está mandando parte de sua produção mundial para outros territórios, entre eles a América Latina. O Rio Grande do Sul está nesta rota, pois aqui há muito carvão e uma rede logística de transporte pronta. Esse interesse da potência social-imperialista se manifesta em seu projeto em Charqueadas.

Alto da Casa de Pedra, em Palmas. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Os pesquisadores se posicionam contra exploração

Paulo Brack, biólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), frisa que as áreas dos projetos pertencem ao Pampa, “segundo bioma mais desprotegido do país”, e ao Mapa Federal das Áreas Prioritárias para Biodiversidade. Nesses locais existem espécies de flora e fauna ameaçadas.

“É um contrassenso erguerem megaempreendimentos de mineração justamente em áreas com dezenas de espécies endêmicas (que só ocorrem ali)”. Ele destaca que na região existem projetos de criação de unidades de conservação, compatíveis com a pecuária familiar, turismo rural e ecológico. “Isso tudo seria jogado para escanteio e correríamos riscos imensos à nossa saúde.”

A pesquisadora Jaqueline Durigon lembra da decadência de outras localidades gaúchas que já serviram como fonte exploração. “Caçapava do Sul já viveu um processo de mineração. Uma jazida de cobre, chamada Minas do Camaquã, foi explorada por mais de 100 anos, de 1865 a 1996. A vila de Minas do Camaquã chegou a ter cinco mil habitantes. Quando a mina fechou, em 1996, tinha apenas cerca de 600 pessoas e deixou como legado um lago contaminado e um passivo ambiental.”, falou a bióloga.

Já a professora da UFRGS, pesquisadora do tema da mineração, a peruana Adriana Peñafiel, acompanhou de perto essa prática em seu país e os seus impactos sociais e ambientais. “Na década de 1990, durante a ditadura civil de Fujimori, houve uma proliferação de minas a céu aberto no Peru. Foram criados mecanismos, como incentivos tributários por períodos prolongados, para atrair grandes investimentos nesta área. Esse período também foi marcado por muitos conflitos sociais relacionados à mineração”.

Traça-se um paralelo com o ex-governo de José Ivo Sartori (MDB) que, aproveitando Medidas Provisórias (MP) publicadas pelo governo Michel Temer para impulsionar a atividade de mineração no país, deu novamente as caras de seu entreguismo. Essas três MPs visaram “facilitar a expansão das atividades de mineração no país” e tratavam da criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), da modificação do Código de Mineração e da revisão da legislação que abordava a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais.

Rio Grande do Sul pode virar um novo Carajás

De acordo com o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), há pelo menos 88 assentamentos destinados à “reforma agrária”, localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre e na área do Pampa, que entram em confronto com os projetos de mineração. Mais de quatro mil famílias vivem nestes assentamentos e podem ser afetadas. Esse número poderia ser ainda maior, pois mais de cem assentamentos no Estado não têm georreferenciamento (definição de sua forma, dimensão e localização, por meio de métodos de levantamento topográfico).
“Observando o território do Rio Grande do Sul, vemos que a metade sul e a Região Metropolitana estão mapeadas por projetos de mineração. As duas margens do Jacuí e um cinturão em volta de Porto Alegre estão mapeadas para mineração de carvão.”, assinala Victor Salgueiro, do MAM. O projeto do polo carboquímico, por exemplo, pega os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul, mas também atinge Porto Alegre, Viamão e outros municípios da região que também possuem áreas de mineração de areia. Só esse projeto, afirma, “trará conflitos territoriais em sete assentamentos da região”.

Victor também cita os casos de São José do Norte, onde o território do município e alguns pontos do Oceano Atlântico estão mapeados por projetos de mineração, e da região de Hulha Negra e Candiota, onde também há planos para a ampliação da mineração de carvão. Nesta área existem cerca de 20 assentamentos cujos territórios também estão sendo disputados pela mineração. Além dos projetos já conhecidos, o mapa confeccionado pela Organização também aponta as áreas na região do Camaquã, onde há estudos para mineração de ouro e prata.

A grande maioria das 78 famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho (Eldorado do Sul) e das cerca de 200 famílias que vivem em Guaíba City têm uma posição contrária ao projeto de mineração de carvão na região, pois acaba com seu modo de vida e de produção. Guaíba City é uma comunidade em Eldorado do Sul que começou a ser construída na década de 1960. O assentamento é mais recente, com cerca de 15 anos de vida. “Eles não têm a mínima ideia para onde serão levados caso a mina de carvão vire realidade, nem que condições irão vivenciar. Há comunidades quilombolas e de pescadores nesta região que podem viver a mesma situação. Pelo relato que recebemos de pescadores, cerca de 600 famílias serão afetadas diretamente em seu modo de vida e de sobrevivência econômica”, diz Victor.

O assentamento Apolônio é a segunda maior unidade produtora de arroz orgânico do estado depois de Viamão, e envolve 72 famílias de agricultores, em 700 hectares de cultivo de arroz e também na produção de hortaliças. E, no dia 15 de março desse ano, as comunidades do local protestaram contra a mineração em uma audiência pública. Elas foram recebidos pela empresa Copelmi com agentes de repressão do velho Estado e uma negação (ilusória) de qualquer impacto social e ambiental causados pela exploração.

Entretanto, as perspectivas de resistência para a população são grandes. “Aqui há uma possibilidade de travar esses projetos até porque os territórios são muito articulados entre si. Se há um bloco minerador, também há um bloco de povos que estão nele. Temos 166 projetos de mineração. No entanto, os quatro principais deles se situam em regiões onde a população está articulada e tem fortes vínculos sociais e culturais. A grande maioria do campesinato daqui é contra a mineração, pois sabe que o vínculo dele de realização social, econômica e cultural vai ser aniquilado caso ela se instale”, afirmam.

O movimento também denuncia: “Neste processo, o Incra, na prática, foi aliado das mineradoras porque abriu espaço dos assentamentos para pesquisa, assim como ocorreu em outras regiões”.

Imagem retirada do vídeo “A luta da comunidade de Palmas contra a mineração”, do portal Sul21

Mineração aqui, não!

O projeto de mineração no Rio Camaquã tem sido alvo de intensa resistência por parte das comunidades indígenas, camponesas, da população e pesquisadores sobre a geografia e biodiversidade gaúchas. Contra esse projeto assassino, tanto para a população, quanto para o meio ambiente, os moradores gritam em alto e bom tom: Mineração aqui, não!

A população local tem se organizado através de vários grupos para defender sua terra das empresas sanguessugas de minério. A denominada Frente de Autodefesa do Camaquã (FAC) é formada por moradores, pesquisadores, professores, pequenos e grandes produtores, advogados e agentes culturais, entre outros. O grupo, de acordo com um dos integrantes, é formado por pessoas que já apreciavam a região, dela vivem e produzem ou a tem como seu campo de estudos pela riqueza e exuberância de sua biodiversidade. “Essa região corresponde à porção mais preservada do Bioma Pampa.”, diz um dos integrantes.

Moradores da região também criaram a União pela Preservação do Camaquã (UPP) que vem procurando articular várias comunidades na luta contra a implementação do projeto minerador. “Nós conhecemos de perto o que significam essas promessas. Tivemos uma experiência direta. A Companhia Brasileira de Cobre (CBC) contaminou o Camaquã em 1988 e 1989 e o rio sofre até hoje os prejuízos. Foi uma tristeza ver os peixes desaparecendo. Nós vamos lutar até o fim, enquanto tivermos uma gota de sangue, contra esse projeto.”, diz Márcia Collares, moradora de Palmas e integrante da UPP.

Esses grupos também contribuíram com um documentário dirigido por Tiago Rodrigues chamado “Dossiê dos viventes: o Pampa Viverá”, que retrata a situação da população local sob a ameaça de exploração de minérios.

Símbolo usado pela UPP. “Peleia” no Rio Grande do Sul é conhecido como luta. “Não tá morto quem peleia” é um ditado popular no estado

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