O golpe militar preventivo de sempre

O golpe militar preventivo de sempre


Artigo do professor Fausto Arruda, diretor geral do jornal A Nova Democracia, publicado na Edição Impressa nº 222. 


João Goulart (Jango) era um próspero estancieiro gaúcho, cria de Getúlio Vargas e formado na escola do populismo trabalhista. Como a maioria dos trabalhistas do velho Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tinha ilusões “desenvolvimentistas” à sombra da dominação semicolonial ianque. Politicamente, representava os interesses da burguesia nacional, precisamente de sua ala esquerda. Era um nacionalista em busca de levar o país ao patamar das nações independentes, pela via de reformas, e não da revolução. Era um democrata e patriota, e não socialista de qualquer matiz.

As chamadas “reformas de base” (agrária, urbana, bancária, universitária e administrativa), principal projeto de desenvolvimento de Jango, tinham como objetivo adequar as instituições a padrões modernos de funcionamento, garantidas a independência e a soberania nacionais. A principal delas, a “reforma agrária”, se propunha a criar milhões de pequenos proprietários em substituição ao monopólio da terra, concentrada nas mãos de um punhado de latifundiários empresas. A criação de milhões de pequenos proprietários significaria a criação de um mercado consumidor, tão abrangente, que necessitaria multiplicar o parque industrial brasileiro por números inimagináveis para a realidade de então, ademais de fortalecer o capital nacional estatal e não estatal.

Para que isto pudesse acontecer, segundo seu plano das “reformas de base”, seria necessário estimular investimentos internos e externos, que estavam aprisionados numa política econômica de liberação de remessas de lucros para o exterior. A solução apresentada foi a de limitar a remessa de lucro em até 10% do capital registrado das empresas estrangeiras atuantes no país, ficando o restante do lucro para ser aplicado na expansão do parque industrial do país, resultado da “reforma agrária” e consequente fortalecimento do capital nacional.

Medida importante dentro da Reforma Urbana era a que daria direito ao inquilino adquirir o imóvel alugado, através do governo, que pagaria ao proprietário em Letras do Tesouro.

É de suma importância destacar que as “reformas de base” nada tinham de socialistas, cujo propósito era apenas o de “modernizar” o país nos marcos das relações capitalistas, voltadas a expandir o mercado. Esperava-se assim criar propriedades, atendendo ao crescimento urbano e industrial do país e de seu campesinato, do proletariado, da média burguesia (burguesia nacional) e da pequena burguesia urbana, as chamadas “classes médias”.

Só mesmo portadores de mentes obtusas ou de pura estupidez política, energúmenos e canalhas, poderiam acusar tais reformas de socialistas. Tratava-se, isto sim, de impulsionar o capitalismo burocrático engendrado no país pelo imperialismo europeu, no apagar do século XIX e início do XX, através dos senhores de terra, os barões do café e coronéis dos engenhos. Capitalismo atrasado que tomara grande impulso com Getúlio Vargas, em 1930 e 1950, aprofundado em sua abertura econômica, por Juscelino Kubitschek com seu “Plano de Metas”, de 1956 a 1960, já sob a tutela do imperialismo ianque, diretamente monitorada por sua Embaixada. O governo Jango, surgido do incidente político da renúncia de Jânio Quadros, foi torpedeado diariamente pela ação dos lacaios do imperialismo ianque, através da Embaixada do USA. Foi marcado pelas conspirações dos altos oficiais das Forças Armadas que, acusando-o de marionete dos comunistas,  pregavam abertamente sua derrubada.

Desde o pós-guerra, a Embaixada ianque atuou contando com as classes dominantes lacaias de latifundiários e grandes burgueses e de seus partidos de forma geral e, especialmente, pelo social-entreguista (UDN), ademais dos monopólios e agências ianques aqui instalados. Uma aliança reacionária, abençoada pela hierarquia da igreja católica, bloqueava qualquer desenvolvimento nacional autônomo, e intoxicava ideológica, política e culturalmente a Nação. A subjugação semicolonial impunha o atraso ao país, em especial com a reprodução das arcaicas relações de produção no campo, mantendo subjacente a semifeudalidade, através do engodo da evolução na maquiagem moderna de suas formas.

Com o adestramento do oficialato das Forças Armadas do país pelos imperialistas ingleses e, principalmente, pelos ianques a partir da Segunda Guerra Mundial – adestramento realizado através dos cursos de lavagem cerebral dos currículos da “guerra fria”, na Escola das Américas e no Pentágono, nos quais aprenderam que tudo que não fosse subserviência ao USA seria comunismo –, logicamente essa força armada consolidou-se como responsável, em última instância, pela sustentação da condição semicolonial e semifeudal do velho Estado brasileiro.

Donos da república latifundiária-burocrática e lacaios do imperialismo

A vitória da Tríplice Aliança na guerra contra o Paraguai, a mando do colonialismo inglês para liquidar a nascente revolução democrática burguesa naquele país, encheu de glórias o Exército e a Marinha nacionais de então. Com estes louros e armados de seu positivismo caboclo, buscaram na “Proclamação da República” a sua afirmação como o Poder Nacional de fato e de direito. Tais ilusões só serviram a consolidar no poder político o poder econômico dos senhores de terra, a República dos coronéis. Mas, ao mesmo tempo, as condições inumanas e de carências materiais básicas com que as tropas brasileiras tiveram que combater naquela guerra, dada a corrupção do alto oficialato monarquista, escravocrata e oligárquico, bem como as práticas genocidas contra um povo já desarmado, fermentaram e deram nascimento ao Movimento Tenentista, de aspirações democráticas burguesas e essencialmente anti-oligárquico.

Os terremotos das décadas de 1920/30 causados pelas rebeliões deste movimento com a Coluna Prestes, mas principalmente com a agitação popular nacional-democrática, agrária-antifeudal, antifascista e anti-imperialista na conformação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), baseada principalmente na esquerda do Tenentismo, médios empresários, intelectualidade e no Partido Comunista do Brasil (P.C.B), teve com a derrota do Levante de 1935 a inauguração do anticomunismo como linha de formação ideológica nas Forças Armadas, sustentáculo de um Estado latifundiário-burocrático, serviçal do imperialismo. Sobre o Levante de 35, a verdade feita da mentira repetida mil vezes se fundou na sórdida farsa de que os militares comunistas promoveram “assassinatos de militares que dormiam” – fatos inexistentes, ao contrário dos infames e protervos atos de execução sumária, principalmente de soldados e suboficiais revolucionários já rendidos, desarmados e manietados. As perseguições por razões políticas e ideológicas já iniciadas, sob o pretexto da “política fora dos quartéis”, como medida de combate à revolução em 1935, se aprofundaram em expurgos de oficias e praças, nas sucessivas crises das décadas seguintes.

Logo do fim da guerra em 1945, o Alto Comando das Forças Armadas (ACFFAA) recebera ordens dos ianques para depor Getúlio, como medida contrarrevolucionária preventiva, antes que o povo, dirigido pelos comunistas o fizessem por meio da revolução, como se passava em várias partes do mundo.

Em 1954, o golpe para depor Getúlio levou-o ao suicídio, ato que comoveu o povo brasileiro, frustrando a sua consumação completa. Outras quarteladas se fizeram contra Juscelino e a posse de Jango, revelando nestes espasmos golpistas sua natureza reacionária anticomunista patológica.

O governo de Jango, desde o início, suscitou à reação a maquinação de um golpe militar preventivo com frenéticas atividades políticas impulsionadas pelos ianques. Desde financiamentos de organizações de formação política de quadros e articular ações entre militares, empresários e políticos (como o caso do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES), de candidaturas a governos de estados, ao Senado e à Câmara de Deputados (através do Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD), a mobilização e treinamento militar e armamento de bandos anticomunistas (AAA, esquadrão da morte).

Quando as manifestações de massas e elevação da participação popular organizada passaram a desenvolver-se, mesmo sob as bandeiras reformistas, os generais reacionários, apoiados nas redes da reação – imprensa venal, igreja católica e partidos de direita – fez espalhar verdadeiro delírio anticomunista, no interior e capitais. Incentivados pelas vivandeiras de quartéis, como Carlos Lacerda (governador do estado da Guanabara), Ademar de Barros (governador de São Paulo) e Magalhães Pinto (governador de Minas Gerais), entre outros, tudo sob a coordenação da CIA ianque através da Embaixada, os generais e a reação passaram a tramar o golpe civil-militar que rebentou em 1964.

Tal como hoje, o golpe militar não se deu por conta de um destrambelhado milico como Olímpio Mourão Filho ou Bolsonaro. As classes dominantes retrógradas e submissas ao imperialismo, como gestoras do Estado semicolonial e semifeudal – sob as bênçãos do governo militar secreto – através de pugnas e conluios entre suas frações, articulam os “três poderes” da República, além dos monopólios de imprensa, para remover os obstáculos na busca por saciar seus interesses, atropelando para isso as próprias leis da sua velha e podre democracia. Isto, hoje, tal como em de 1964, só pode acontecer na forma de um golpe militar, para o qual as Forças Armadas lacaias são chamadas a comandar a repressão às massas em luta por seus direitos.

Ainda, para que ocorra o golpe preventivo ao inevitável levante das massas, o ambiente mundial deve estar impregnado pela ameaça de uma tremenda crise econômica, cuja única saída para o imperialismo é aumentar assustadoramente o nível de exploração das colônias e semicolônias.

A propaganda cumpriu um papel fundamental para levar grande parte das massas ao engodo e se enfileirarem a projetos antinacionais e antipovo. Os monopólios de imprensa e as novas mídias, como as redes sociais, passam a ataques feéricos contra as forças progressistas, criando fantasmas e combatendo-os como entes reais.

Os acontecimentos na história humana ocorrem como tragédia e são únicos, sua repetição só pode ocorrer como farsa. Os fenômenos da luta de classes de determinada época e tipo de sociedade são os mesmos, porém ocorrem em tempos diferentes dessa época e em realidades particulares. Na ofensiva contrarrevolucionária preventiva em curso no país, por determinadas circunstâncias, desembocou com a farsa eleitoral na conformação de um governo reacionário tutelado pelo ACFFAA, o qual se move em pugna e conluio pela hegemonia a extrema-direita de Bolsonaro e a direita do ACFFAA. Bolsonaro, em sua tacanha mentalidade de anticomunista obstinado, quer restabelecer o regime militar fascista e seus contendores do ACFFAA – ou o governo de fato dos generais, governo militar secreto – querem levar o golpe passo a passo dentro do máximo de legalidade possível.

Assim, as campanhas que foram feitas para golpear Jango e a que levou à eleição de Bolsonaro só igualam-se em aparência, porque o principal da realidade, na contradição entre a tragédia e a farsa, não é a contradição real, e sim a luta entre contrarrevolução e a revolução; luta entre a ofensiva contrarrevolucionária preventiva através do golpe militar em curso, passo a passo e por etapas (cujo objetivo é prevenir a inevitável rebelião das massas de nosso povo que vão se levantar contra a exploração desenfreada) versus a revolução de nova democracia.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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