Criança trabalhando em uma lavoura de cacau na Costa do Marfim
A Nestlé, Hershey, Mars, ADM Cocoa, Godiva, Cargill, Fowler’s Chocolate e Kraft, junto às outras empresas transnacionais que dominam o setor, lucram fortunas pagando miseravelmente pela matéria-prima. A colheita do cacau no Brasil conta com o trabalho de aproximadamente 8 mil crianças. Na África, conta com trabalho escravo infantil.
Dias atrás o jornalista Marques Casara, diretor da organização “Papel Social”, divulgou o resultado de uma ampla pesquisa em que participou sobre a colheita do cacau na Bahia e no Pará. O estudo encomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho, que levou um ano para obter as informações, resultou em um relatório e em um documentário.
Seguindo a cadeia produtiva do cacau, entrevistando os agricultores, os atravessadores e os representantes das fábricas de chocolate, o estudo revela um esquema criminoso beneficiando essas grandes empresas. É tão baixo o valor pago por cada saca de cacau que os trabalhadores se vêm obrigados a tirar seus filhos da escola para ajudar na colheita, eternizando uma situação de precariedade. As fábricas de chocolate não têm nenhum contato com os produtores. Em uma cadeia produtiva normal, seria de interesse das fábricas acabar com os atravessadores. Porém, aqui atua uma cadeia de atravessadores que cumpre duas importantes funções: criar um álibi para os fabricantes “desconhecer” a situação precária e ilegal da qual se aproveitam com 8 mil crianças exercendo um trabalho desumano e, além disso, sonegar impostos.
Enquanto isso, as corporações asseveram em seus sites que adotam práticas de “sustentabilidade” e de “responsabilidade social” e que não admitem trabalho escravo ou infantil nas suas cadeias produtivas e apresentam relatórios vazios sem possibilidade de verificação.
Por sua vez, o governo federal, segundo Marques Casara, propositalmente desmantelou toda a estrutura de fiscalização, deixando os auditores do Ministério do Trabalho sem a mínima possibilidade de cumprir a sua função.
De acordo com o resultado da pesquisa, com raríssimas exceções que representam uma quantidade ínfima, todo o chocolate produzido no Brasil está contaminado com trabalho infantil.
Na África
A maior produção de cacau no mundo provêm da África. Costa de Marfim é o país líder com 40%, seguido de Gana, com 22%, depois vem a Nigéria, com 11%. O Brasil é o quinto colocado com 5,5% da produção mundial.
O jornalista dinamarquês Miki Mistrati decidiu investigar denúncias de que as grandes marcas de chocolate enriquecem com trabalho escravo infantil.
No seu documentário The dark side of chocolate (O lado obscuro do chocolate) inicia sua pesquisa em uma feira na Alemanha onde as grandes marcas da indústria se apresentam anualmente. Ele entrevista os representantes perguntando sobre a procedência da matéria-prima e se têm alguma coisa a dizer sobre os boatos de abuso de trabalho infantil. Como resposta recebe de todos eles a informação de que quase todo o cacau provêm da África, especialmente Costa do Marfim, e de fornecedores credenciados, negando veementemente qualquer tipo de abuso. Um deles chega a afirmar que esteve diversas vezes nas regiões produtoras e que nunca viu trabalho infantil, e que se tiver só pode ser um caso excepcional.
Para tirar a história a limpo, Miki segue suas informações indo à África, começando por um dos países mais pobres da região: Mali. Segundo as denúncias, deste pequeno país provêm a maioria das crianças vítimas de tráfico.
Com ajuda de pessoas locais, ele rapidamente verifica a veracidade das denúncias: crianças de 12 a 15 anos, mas também de 7 anos são seduzidas com promessas por traficantes, para logo serem levadas de ônibus até a fronteira de Mali com Costa de Marfim e, dali, com uso de motos por estradas vicinais, traficadas até as fazendas de cacau. O jornalista consegue filmar vários casos.
Uma organização local que resgata crianças contabiliza centenas salvas todos os anos. Em Costa do Marfim, com o uso de câmeras ocultas, ele filma crianças trabalhando em diversos locais. Um fazendeiro diz que os traficantes vendem as crianças por 230 euros (R$ 1 mil), sem limite de tempo de trabalho. Dificilmente receberão algum salário.
Miki é recebido pela autoridade máxima do país contra trabalho infantil, diretamente vinculado à presidência. Ele nega peremptoriamente trabalho e tráfico de crianças. O descarado funcionário alega que as crianças estrangeiras que chegam a Costa do Marfim “são turistas”.
Em 2001, as corporações do negócio do chocolate, pressionadas, assinaram em conjunto o Protocolo Harkin-Engel, um compromisso de produzir cacau “eliminando as piores formas de trabalho infantil” até 2005. A data, como se poderia imaginar, foi postergada e segue sendo, sendo agora próximo prazo o ano de 2020.
Cabe destacar que a lavoura do cacau (com a colheita, abertura dos frutos e secagem) sujeita os trabalhadores à exposição de venenos que podem vir a causar doenças só 20 ou 30 anos depois, além do perigo de manusear facões e carregar peso excessivo.
Nas últimas cenas do documentário, o jornalista volta até a Europa e quer mostrar suas filmagens às produtoras de chocolate, mas nenhuma empresa aceita o receber. Soltaram uma nota declarando que nos últimos 9 anos investiram em conjunto 6 milhões de euros em programas de assistência. Vale destacar que em 2009 só a Nestlé lucrou 12 bilhões de euros.
Indignado com a recusa, Miki leva até a porta da sede da Nestlé, na Suíça (maior produtora de chocolate do mundo, com 50 anos de atividades em Costa do Marfim) um caminhão com uma enorme tela de cinema e exibe escancaradas suas irrefutáveis provas.