O Maestro e a Resistência

O Maestro sabe também que, sob a guerra, nossa alegria é provisória, e é preciso que tiremos do sumo da vida a última gota. A música, mais do que qualquer outra coisa, estabelece a conexão humana, é excelente companheira para as dores maiores, não importam as circunstâncias.
Sviatoslav Richter, pianista ucraniano conhecido por ter tocado no funeral de Joseph Stalin. Foto: Whitestone Photo.

O Maestro e a Resistência

O Maestro sabe também que, sob a guerra, nossa alegria é provisória, e é preciso que tiremos do sumo da vida a última gota. A música, mais do que qualquer outra coisa, estabelece a conexão humana, é excelente companheira para as dores maiores, não importam as circunstâncias.

O senhor P. é maestro, um virtuose do piano, compositor e professor de música. Mora na Ucrânia, país asiático-europeu que sofre uma guerra de agressão. Sua cidade já foi bombardeada várias vezes e ele continua ministrando suas aulas de música e nos presenteando com vídeos magníficos ao piano, através da internet. 

O sr. P. sabe que temos de honrar o fato de estarmos vivos, temos de merecer a vida. Na anatomia de uma guerra o que nos cabe é resistir. Isto já desenha uma vitória certeira, estamos dando passos gigantescos em direção a ela. 

O Maestro sabe também que, sob a guerra, nossa alegria é provisória, e é preciso que tiremos do sumo da vida a última gota. A música, mais do que qualquer outra coisa, estabelece a conexão humana, é excelente companheira para as dores maiores, não importam as circunstâncias. Ele e seu piano mantêm uma parceria inigualável. Em tempos tão conturbados, o Maestro nos conduz com mãos firmes e generosas pelos caminhos de melodias locais e estrangeiras. Sua música nos permite isto, mas também nos faz conhecer um país sobre o qual sabíamos muito pouco.

A Ucrânia é pouco maior que Minas Gerais. Ela nos deu Clarice Lispector, uma de nossas melhores escritoras. Fica situada na Europa Oriental, faz fronteira com vários países, sua capital é Kiev. É pátria de Andrei Kurkov, escritor de grande projeção, e do famoso Nikolai Gogol, autor de “Taras Bulba”. Serhiy Zhadan, um de seus poetas maiores, fez vários poemas contra a guerra imperialista. “O céu brilha, cheio de cinzas, todas as noites agora”, “Tudo começou com música, com cicatrizes deixadas por canções”, “Música, além do muro do cemitério”, escreveu ele.

A resistência do Maestro se faz ministrando suas aulas de piano, organizando apresentações de alunos, criando encontros musicais, saraus e concertos. Afirmou em uma entrevista que, apesar de seu país estar mergulhado em uma guerra terrível, seu povo continua a fazer e a tocar música.

Questionado sobre seu trabalho e planos para o futuro, respondeu que já têm um projeto criativo, uma Academia de Jazz.  “O repertorio é diversificado, principalmente patriótico. A equipe é muito grande, quase uma orquestra sinfônica. Há oportunidade de se tocar clássicos, compositores modernos e jazz. A música ajuda muito a suportar o peso do que está acontecendo e, por outro lado, a colocar tudo o que podemos na vitória. De certa forma é também nossa arma”. “Não vamos esperar o fim da guerra para realizar projetos novos. Não sabemos o que o amanhã nos trará, então temos de começar hoje”. 

Isto nos remete aos trabalhadores e trabalhadoras que habitam as favelas, as comunidades carentes, guetos e palafitas de nosso país. E aos camponeses. Todos os que produzem e compõem música de altíssima qualidade, de resistência, e não deixam de fazê-lo a despeito de toda a violência e crueldade às suas portas.

A música, como prática cultural e humana, para os povos oprimidos e explorados em luta, é também uma trincheira. No texto de nossas vidas, ela reflete nossas dores, silêncios e combates. Embala nossos sofrimentos, mas também vivifica nossos propósitos, renova nossas esperanças. Nosso amigo, sr, P., o Maestro, nos dá testemunho disto. 

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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