Fenômeno curioso a dinâmica da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Ela proclama investigar os acontecimentos do dia 8 de janeiro, a segunda bolsonarada, na qual as hordas de “galinhas verdes” invadiram e destruíram instalações das “sacrossantas” instituições, apontando contra o governo reacionária do oportunismo e direita tradicional. Todavia, os mais ardorosos defensores dessa CPMI foram os deputados e senadores bolsonaristas, e os mais refratários a ela, os deputados e senadores petistas.
Em sendo o 8 de janeiro uma provocação golpista, confabulada pelo Alto Comando das Forças Armadas para dar um recado ao governo e pela extrema-direita que buscava criar caldo para uma intervenção, é certo que seria oportuno o desmascaramento e punição dos financiadores, promotores e organizadores daquele ataque. Isso seria útil no interesse das massas populares de refrear a ofensiva contrarrevolucionária, criando-lhe obstáculos para se desenvolver, dando maiores terrenos para a defesa das liberdades e direitos democráticos.
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Todavia, é também certo que a dinâmica da CPMI já revela a sua inutilidade. Ela não fará nenhuma investigação séria, que aponte à verdadeira cabeça da serpente golpista (o Alto Comando militar) e, ao que a tendência aponta, tampouco haverá punições aos verdadeiros responsáveis. Ela mesma é inócua, pois seu fim natural seria, no máximo, após as investigações conduzidas, pedir a instalação de um inquérito – inquérito que já existe no Supremo Tribunal Federal. Pelos seus atores e interesses, não há, portanto, nada a esperar dela.
Claro, uma CPMI é sempre uma CPMI, isto é, um instrumento que vem à luz durante uma severa crise política (e até institucional e militar, no caso concreto) para disputar-se forças e seus desdobramentos não são, de todo, previsíveis a priori.
Todavia, tudo aponta a que, em todos os sentidos, seja um circo armado. No picadeiro, digladiar-se-ão ambos os lados para disputar politicamente a opinião pública ao estilo “vale-tudo”, frases altissonantes e “lacradas” por todos os lados. Os bolsonaristas buscarão comprovar a prevaricação do governo de turno (que, de fato, estava informado da possibilidade de ataque e nada fez), com fins de melhorar a imagem do bolsonarismo (diga-se de passagem, desde os desdobramentos do dia 8, a extrema-direita se vê intimidada politicamente).
Por sua vez, o PT e a falsa esquerda oportunista que embarcou no novo governo buscarão queimar ainda mais Bolsonaro e seus aliados táticos daqueles idos com fins eleitoreiros e, ao mesmo tempo, guardar-se-ão de acusar os generais da ativa, que, sem dúvida e todos os fatos evidenciam, tiveram grande responsabilidade no ocorrido (bastaria recordar o semiconflito instalado na frente do Quartel-General do DF, no imbróglio sobre desmontar ou não o acampamento bolsonarista na noite do dia 8).
Para chantagear os setores mais “impetuosos” do oportunismo, para acalmá-los sob ameaças, os bolsonaristas já procederam à solicitação – aceita por Arthur Lira, presidente da Câmara federal – de instalação de “CPI do MST”, para “investigar” as tomadas de terras que ocorreram neste ano. Em que pese o objetivo reacionário que aponta à criminalização da luta pela terra, o objetivo nas disputas palacianas é claro: se o PT, em seu “ímpeto” retórico (e só retórico), passar de certos limites com o fim de atingir em demasiado Bolsonaro e até os generais, será posto contra a parede na “CPI do MST”, que buscará elevar a gritaria reacionária contra a luta pela terra. O governo seria obrigado a tomar uma posição clara contra as tomadas de terras para não ver se generalizar a histeria antipetista no “agronegócio” (latifúndio), a despeito do grave prejuízo que isso seria para suas negociatas com a direção reformista do movimento e para sua demagogia “pró-reforma agrária” (demagogia já bastante desgastada pelos primeiros quatro meses).
No que respeita à situação do governo, as novas CPIs podem produzir, independente dos resultados, instabilidades que preferiria evitar, tais como atrasos em sua agenda política e aprovação das reformas reacionárias ou demagógicas que pleiteia. As negociações no parlamento tornar-se-ão mais caras, inclusive no sentido monetário do termo. Tudo isso, quando tem pressa para tentar recuperar o capitalismo burocrático com base em maior exploração do povo e entrega das riquezas ao imperialismo, pois sabe que tem pouco tempo para mostrar resultado e não ficar completamente desacreditado frente às massas.
Como se vê, os interesses e disputas nos bastidores das comissões não dizem respeito às massas populares ou à defesa das liberdades democráticas. Refrear o golpismo dos generais, dar-lhe um ataque, não está em questão, senão o contrário: preservar-se-á a cúpula das Forças Armadas, a despeito de suas intervenções na vida política nacional, como demonstra simbolicamente a nomeação após janeiro por Luiz Inácio do atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, homem que participou ativa e entusiasticamente das ameaças de intervenção militar ao STF, em 2018.
Se um se preocupa pela manutenção das liberdades democráticas – cuja defesa séria e intransigente se torna a cada dia ainda mais necessária, e não menos – é preciso apoiar-se nas próprias massas populares, levantar o protesto popular e fundi-lo com a defesa dos direitos democráticos, resistir à ofensiva contrarrevolucionária.
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