Os docentes Gilberto Marques, diretor-geral da Associação de Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa – Seção Sindical do ANDES-SN), e Anderson Serra, professor da UFPA em Altamira, estão sofrendo ameaças de prisão e morte por parte de latifundiários paraenses. A perseguição começou depois que os dois professores gravaram um vídeo em apoio a luta dos camponeses do município de Anapu.
No vídeo os docentes prestaram solidariedade aos camponeses da comunidade Flamingo, que estão sendo atacados por latifundiários da região, que tentam expulsar as famílias que vivem na área. Os professores condenaram a violência praticada por grandes fazendeiros e pistoleiros e defenderam os pequenos agricultores e seus familiares. Eles ainda cobraram do velho Estado que apure e investigue os recentes assassinatos de camponeses na região.
As ameaças foram feitas através de áudios feitos por meio de um aplicativo de mensagens e vazados para o público, no dia 10 de dezembro. Nas mensagens, os latifundiários chamam os professores de “bandidos”, “vagabundos”, e ainda acusam os docentes de promoverem “desordem” e incitarem ocupações de terras. Os latifundiários ainda citam casos de lideranças de luta pela terra que foram assassinadas, mesmo tendo “costas quentes”. Eles ainda defendem que os professores sejam enquadrados na “Lei de Segurança Nacional”. Contudo não foi possível identificar os autores das mensagens.
O professor Gilberto Marques disse em entrevista que mesmo sob ameaças e intimidações não vai recuar na defesa da justa luta dos camponeses pelo direito à terra. “Apesar da apreensão, há muita disposição para a luta. Movimentos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e de agricultores estão organizando lutas na Amazônia e seguiremos dando nosso apoio”, afirmou o professor.
O educador ainda fala do papel da universidade, que de acordo com ele tem o dever de não se calar frente aos crimes do latifúndio e de tomar posição pela defesa dos camponeses e pela luta destes para ter o seu pedaço de terra. “A possibilidade de trabalhadores serem mortos é muito grande. Temos pela frente um período de muita tensão. E nesse cenário precisamos perguntar: qual é a real função da universidade, em particular da universidade pública? A função é trabalhar para superarmos as nossas grandes contradições sociais. A gente entende que a universidade deve ter uma posição. O silêncio nesse momento é cúmplice, e essa cumplicidade nós não podemos ter”.
Em uma nota lançada em defesa dos docentes, dezenas de entidades cobram que os conflitos na região do Flamingo sejam solucionados, garantindo às famílias o direito à terra. “Essa situação de violência em Anapu e região Trans-Xingu faz-nos sentir coagidos, intimidados e com nossas vidas ameaçadas, cerceando o nosso direito de defesa daqueles que mais precisam. Não podemos ser vistos como criminosas e criminosos ou transgressores da lei só porque nos colocamos ao lado de trabalhadores e trabalhadoras da terra e por não concordarmos com o latifúndio, que por décadas vem fomentando a violência no campo e ceifando muitas vidas”, afirmou o documento.
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento para acompanhar as investigações dos assassinatos. Para o MPF, o cenário atual no município evidencia a ocorrência de reiteradas “ameaças dirigidas aos defensores de direitos humanos no campo”.
Histórico de violência
A região do município de Anapu é marcada por assassinatos perpetrados por latifundiários. No dia 4 de dezembro, o mototaxista Márcio Rodrigues Reis, que era ligado a movimentos de luta pela terra, foi assassinado, muito provavelmente, a mando de latifundiários. Apenas cinco dias depois, Paulo Anacleto, conselheiro tutelar do município, também foi assassinado, desta vez, por um pistoleiro, bem no centro da cidade.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 16 camponeses foram assassinados no município, desde 2015. Num caso que ganhou grande notoriedade, em 2005, a missionária estadunidense, Dorothy Stang, foi assassinada por pistoleiros a mando de latifundiários, por defender os direitos dos camponeses da região.
Em nota divulgada, no dia 6 de dezembro, a CPT afirma que existe, em Anapu, um grupo paramilitar rural composto por pistoleiros e que é organizada por madeireiros e grileiros de terras públicas. A nota exige ainda esclarecimentos sobre as mortes de Márcio e Paulo.