Na tarde de 11 de janeiro de 2021, agentes da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) da Polícia Militar do Pará assassinaram Luís Carlos Rodrigues, de 44 anos, soldador, morador da comunidade Fé em Deus, no bairro do Tenoné, distrito de Icoaraci, periferia de Belém.
O trabalhador com diagnóstico confirmado de esquizofrenia e depressão, em um momento de surto descontrolado, foi assassinado momentos após atingir com uma barra de ferro a cabeça de um dos PMs que o cercavam, o mesmo caiu no chão e desmaiou após não conseguir sacar sua arma de fogo.
De acordo com os vizinhos, por volta das 15h o surto de Luís se agravou e o mesmo iniciou a quebra da sua casa, nesse momento seus familiares ligaram para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Corpo de Bombeiros.
Os trabalhadores da saúde relataram ao monopólio de imprensa que foram agredidos, em outro momento o paciente chegou a quebrar parte da ambulância do SAMU com uma barra de ferro, após isso a equipe chamou a PM e abandonou a ocorrência.
De acordo com os moradores da comunidade, aproximadamente às 17h da tarde chegou uma equipe com 4 PMs, conforme imagens, Luís foi cercado e os PMs efetuaram disparos de bala de borracha. Em outro momento do vídeo, Luís sai do cerco e avança até um dos PMs que tenta sacar sua arma de fogo, não consegue, cai no chão e desmaia. Após isso Luís atinge com golpes de barra de ferro a cabeça do PM, neste momento os outros PMs efetuaram vários disparos de arma de fogo à queima roupa, Luís não resiste e morre no local, diversos PMs dos bairros próximos foram até o local. Seu corpo foi removido para o Instituto Médico Legal (IML) por volta das 02h da madrugada, cerca de 9h após o assassinato.
PMs de outros bairros no local do assassinato. Foto: Reprodução.
Em entrevista ao monopólio de imprensa local, Tv Liberal, Maria Silva, irmã do paciente, relata que o mesmo era uma pessoa boa, mas estava surtado. Também denuncia que ao longo de toda a semana passada os familiares pediram atendimento para o Samu e Bombeiros, contudo só foram atendidos no dia do assassinato e esse caso não vai pra frente. “Meu irmão era uma pessoa muito boa, muito boa de coração, só que no momento ele estava surtado, ele toma remédio controlado. Aí ele teve um surto a semana toda a gente ligou pro Samu, pro Corpo de Bombeiros, aí davam a desculpa que só podiam vir se o outro viesse. A gente conseguiu a ambulância com a viatura dos Bombeiros, quando chegou aqui na hora eu trouxe eles aqui até onde ele mora, quando eles viram ele ficaram com medo dele. Eu não peço justiça porque não vai ter, não adianta fazer queixa disso ou daquilo que não vai pra frente.”
O monopólio de imprensa por sua vez trata o caso como um “confronto” no qual o assassinato realizado pela PM foi em legítima defesa. O Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência de Ananindeua, região metropolitana de Belém, informou por meio de boletim médico, que o PM sofreu traumatismo crânio encefálico (TCE), porém não informou se o TCE foi ocasionado pelo desmaio ou pelos golpes com a barra de ferro. O IML por sua vez não confirmou, até o momento, quantos tiros atingiram o trabalhador e a localização destes.
Enquanto PM executa trabalhadores, desmonte da saúde mental avança no SUS
Os surtos psicóticos afetam drasticamente a vida dos trabalhadores, são episódios descontrolados dependendo da doença e sua evolução, após o término das crises, os trabalhadores convivem com um sentimento de vergonha e isolamento que acaba interferindo diretamente no seu progresso afetivo com as pessoas ao redor e tratamento, conforme indicam estudos.
A Atenção à Saúde Mental passou por diversas mudanças no decorrer dos anos, trabalhadores da saúde em conjunto com demais trabalhadores e estudantes conquistaram importantes avanços, dentre eles a Reforma Psiquiátrica Brasileira foi o mais significativo, derivada da Reforma Sanitária que deu origem ao SUS. No dia 18 de maio comemora-se o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
A Reforma Psiquiátrica tem como principal mudança o fim dos manicômios associado a um tratamento mais próximo da família, ou seja, a construção e formação de um novo estatuto social, garantindo a cidadania por meio do respeito da individualidade e favorecendo a recuperação biopsicossocial das pessoas acometidas com doenças mentais.
Porém, os ataques à saúde mental no SUS vêm se intensificando ao longo dos anos, seja por meio do corte de verbas, seja pelas precárias condições da rede de atenção à saúde mental, seja pela formação precária da grande maioria dos trabalhadores da saúde. Esse contexto atinge diretamente os trabalhadores que já possuem uma saúde mental precária por conta da semifeudalidade a que estão submetidos.
É de extrema importância que ocorram transformações profundas tanto no modelo de assistência psiquiátrica existente na Rede de Atenção Psicossocial do SUS, através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) quanto nas precárias condições de vida às quais estão submetidas as massas. Muitos trabalhadores não conseguem nem mesmo receber um diagnóstico e/ou tratamento adequado, quando recebem ainda precisam enfrentar a falta de medicamentos e/ou trabalhadores.
O trabalhador Luís Carlos Rodrigues, negro e doente mental que não passava por tratamento adequado em sua condição, infelizmente agora se tornou mais um número na estatística do SUS. Mais um trabalhador convivendo em precárias condições e covardemente desamparado pelo Velho Estado no seu tratamento, mas covardemente executado pela Polícia Militar, com as falácias de “legítima defesa”. Mais uma vez a história se repete, com finais trágicos para os trabalhadores e seus familiares.