No dia 29/10, cerca de 200 moradores do bairro São Miguel da Conquista, do Núcleo Cidade Nova, paralisaram a BR-230, rodovia Transamazônica em frente ao Fórum de Marabá. A manifestação ocorreu contra o mandado de desocupação da área em favor dos herdeiros do antigo proprietário Aurélio Anastácio de Oliveira.
São 2900 famílias que residem no bairro desde 2007, muitos sobrevivem através de programas assistencialista, como o programa da Igreja Católica dos Capuchinhos. Segundo os relatos dos presentes, a expulsão dos moradores da localidade é em função da construção da 3ª ponte do rio Itacaiúnas, projeto que tem atraído a atenção da especulação imobiliária.
José Alexandre, morador do bairro concedeu entrevista ao Jornal A Nova Democracia:
“O que está acontecendo lá no nosso bairro hoje, no São Miguel da Conquista, são os oficiais de justiça entregando uma sentença que foi proclamada pelo juiz para nós desobstruirmos os lotes ou que vá procurar o escritório do senhor Aurelio para negociar. Só que aí a negociação é muito alta, o valor exorbitante, 60 mil acho que não é justo para as famílias que ali moram porque um loteamento hoje para se construir precisa de uma infraestrutura. Lá nada foi feito por eles. Lá não foi feito saneamento básico, não foi feito energia. Então não é justo a pessoa chegar e cobrar 60 mil sendo que aquilo ali era uma área desabitada. Nós que habitamos, nós que abrimos, nós que fizemos [infraestrutura], a prefeitura, junto entrou com a gente lá e, deu a manutenção. Então não foi nada deles, é isso que nós estamos aqui reivindicando hoje. Nós só somos ouvidos dessa forma mesmo, trancando aqui a rodovia, a única forma que todas as categorias quando quer brigar tem que vir fazer.”
AND: Vocês já têm casa construída?
José Alexandre: “Nós já temos. Na realidade eu formei minha família lá, já tenho uma casa, minha mãe mora lá, tem tio meu que mora ali, tem amigos que moram ali, tem parceiro do mototáxi que mora lá. Lá é um bairro que tem policial morando lá. Então é hora de todo mundo se unir. Cada pessoa aqui está defendendo o direito de morar, que é um direito por Constituição que nós temos. Queremos só pedir o apoio da população de Marabá que nos entenda, que eu sei que é chato parar a Rodovia, tem muita gente que vai trabalhar, que tem pessoas que estão necessitando da Rodovia, mas infelizmente, a única forma que se tem no nosso país de arrumar alguma coisa é desse jeito.”
Já Raimunda Oliveira, complementa que algumas pessoas do bairro receberam a intimação e os demais moradores tomaram conhecimento e se organizaram. Segundo o relato, no documento judicial consta que “você tem 15 dias para sair ou negociar e se não sair, você tem que pagar multa de R$1.000 por dia. Sendo que a maioria é salariado.”
E completa afirmando que: “Eu moro em uma área alagada que sobe um metro de altura dentro da minha casa. Eu vou pagar R$60.000 por um terreno desse? É justo? Não, não é justo. Vamos continuar aqui, aberto para negociações, e vamos ver o que aqui vai dar.”
A questão fundiária do bairro foi debatida na Câmara dos Vereadores
Na quarta-feira, 30/10, a pauta de reivindicações dos moradores foi discutida na Câmara Municipal dos Vereadores. Participaram o defensor público José Erickson Rodrigues; o promotor de Justiça José Alberto Crisi, o superintendente da SDU (Superintendência de Desenvolvimento Urbano), Mancipor Oliveira Lopes; José de Arimateia Pereira da Silva, presidente da Associação de Moradores do São Miguel da Conquista, além de cerca de 500 moradores daquela comunidade.
Destacamos trecho da fala do defensor público José Erickson Rodrigues, que sintetiza o contexto histórico-jurídico da área[1]
“Vim apresentar uma fala de tranquilização, porque há pessoas que estão ficando adoecidas. Não estou prometendo fazer o que não temos condições, mas o que estamos fazendo em outros locais”, disse.
Outra questão importante foi com relação ao tratamento das pessoas do bairro:
“Deve-se mudar o tom, não são invasões, mas ocupações informais consolidadas. Não é correto chamar as pessoas de invasoras, mas moradores. Ainda há pessoas que não sentem a mesma dor e acusam as outras de serem criminosas, mas não o são, são ocupantes. É preciso uma mudança de perspectiva. Só porque o outro lado tem um título definitivo e sentença judicial em mãos, não significa que está certo”, defendeu
“O morador, em razão do tempo, tem direito por usucapião. Além disso, alegou que se trata de ocupação consolidada e há uma lei federal que argumenta que uma área como o São Miguel da Conquista precisa passar por um processo de regularização urbana, tendo a Defensoria como representante.”
Sobre a suposta cobrança exorbitante por alguns terrenos, disse que a lei não compactua com enriquecimento ilícito (…). “Nossa preocupação, aqui, é ir para o ataque, não apenas ficar na defesa. No caso de vocês, é importante regularizar os imóveis”.
O entendimento da Defensoria, segundo ele, é que se cada morador tem direito à propriedade por usucapião:
“Qual o sentido de ter de pagar alguma coisa para alguém. Nem muito, nem pouco. Não cabe tentativa de negociar para pagar. Falamos sobre isso no São Félix [outro bairro em luta contra desapropriação] e depois descobrimos que a área é federal. Iriam pagar para um proprietário que sequer é proprietário.”