Pacientes da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ceilândia, no Distrito Federal, se revoltaram e quebraram parte da instalação no dia 27 de abril, depois que a direção do hospital afirmou que não realizaria mais atendimentos por conta de uma “medida de restrição temporária nos atendimentos”.
As imagens dos pacientes revoltados circularam pelas redes sociais e escancararam o drama vivido por quem depende da sucateada rede pública de saúde. No mesmo fim de semana, o Hospital Regional de Ceilândia (HRC) enfrentou problemas semelhantes, com carência de profissionais na emergência pediátrica. Já na UPA de Samambaia, a tensão gerada pela demora no atendimento resultou em brigas entre pacientes e intervenção da segurança.
Segundo o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges-DF), a decisão de limitar os atendimentos foi necessária para “a preservação da vida de crianças internadas em estado grave”. No entanto, o pano de fundo do problema é, na verdade, o sucateamento dos hospitais que vivem à beira do colapso. O plantão da UPA contava com quatro clínicos e apenas um pediatra, enquanto dezenas de famílias lotavam a unidade em busca de atendimento.
A precariedade também afeta a estrutura física das unidades. Com capacidade para 27 leitos, a UPA Ceilândia chegou a abrigar 75 pacientes no domingo. Com mais de 12 mil atendimentos por mês — o dobro da média prevista — a unidade opera em ritmo exaustivo, sem retaguarda hospitalar suficiente para dar vazão aos casos graves.
Na manhã da terça-feira (29/04), a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF realizou uma vistoria na UPA de Ceilândia. O que se viu foi um cenário alarmante: superlotação, pacientes internados em corredores, falta de estrutura para acompanhantes e uma sala verde — destinada a casos leves — improvisada como sala amarela, com 30 pacientes dividindo oito leitos. Muitos permanecem ali por até quatro dias.
A visita também constatou a ocupação de cinco leitos pediátricos por sete crianças, sendo que no sábado anterior 17 estavam internadas. No domingo, data da revolta, um dos pediatras não compareceu ao plantão, agravando ainda mais a situação. A ausência foi crítica, pois havia pelo menos três crianças em estado grave, uma delas com risco de intubação.
Segundo a comissão, faltam pelo menos oito pediatras, sete enfermeiros e 20 técnicos de enfermagem só na UPA de Ceilândia. A situação será formalizada em um relatório a ser enviado ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), na tentativa de pressionar por medidas urgentes.
O cenário é de total paralisação, com filas intermináveis, infraestrutura precária, demora no atendimento, que, muitas vezes,é inexistente, mesmo com a criança passando mal. São diversos casos denunciados de famílias que buscam atendimentos em diversas UPAs do DF sem sucesso em nenhuma.
O cenário é igualmente crítico para os trabalhadores da saúde, especialmente os enfermeiros. Faltam cerca de 1,8 mil enfermeiros na rede pública do DF. Isso representa mais de 35 mil horas de trabalho descobertas. Os servidores enfrentam sobrecarga, adoecimento e desmotivação, como denuncia o Sindicato dos Enfermeiros (SindEnfermeiro), que cobra a nomeação imediata de profissionais do cadastro reserva.
O Iges-DF e a Secretaria de Saúde afirmam que vêm realizando contratações emergenciais para suprir a carência, ainda assim, nenhuma previsão concreta foi dada para a recomposição total das equipes. A Secretaria de Saúde do DF diz que o último concurso (realizado em 2022) permanece válido até 2026, mas não informou sobre quando novos profissionais serão nomeados.
A crise que explode nas portas das UPAs do Distrito Federal não é um acidente administrativo, mas consequência direta de uma política deliberada de precarização da saúde pública promovida pelo governo Ibaneis Rocha (MDB). Em fevereiro, a criação do Comitê Gestor da Saúde, por meio de decreto, sem qualquer vínculo com a Secretaria de Saúde e sob controle da Secretaria de Economia, escancarou a tentativa de esvaziar tecnicamente a gestão do SUS no DF. Após forte pressão de entidades, parlamentares e movimentos sociais, o governador foi obrigado a recuar, mas o episódio revelou com clareza a intenção de fragilizar ainda mais o sistema público para justificar sua privatização.
A revolta dos pacientes, longe de ser um caso isolado, é reflexo direto de um sistema sobrecarregado, subdimensionado, sucateado e negligenciado. Enquanto a população sofre nos corredores, profissionais tentam manter o atendimento com recursos humanos escassos e materiais insuficientes.