O governo anunciou hoje as medidas do pacote fiscal elaborado pela equipe econômica burguesa do ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT). O governo vai cortar do salário mínimo, limitar o abono salarial e restringir auxílios, segundo o anúncio.
O pacote fiscal deveria ter sido anunciado há dias atrás, mas acabou atrasado por negociações com os militares reacionários. O governo queria colocar uma idade mínima para os militares irem para a reserva. Os marajás aceitaram, desde que medidas fossem tomadas para não causar uma confusão no sistema de promoção da caserna.
Além disso, os militares e o governo não conseguiram fechar uma proposta para a previdência das Forças Armadas, conhecida pelos privilégios (o déficit per capita do regime de previdência militar é 16 vezes maior que o do INSS). Como consequência, o governo decidiu deixar a inclusão dos militares no pacote fiscal para 2025.
Medidas anunciadas
Salário mínimo. O governo vai limitar a valorização do salário mínimo de acordo com as regras do arcabouço fiscal (o novo teto de gastos). Sendo assim, é um passo atrás na medida que o próprio governo tomou no ano passado, de reajustar o piso nacional de acordo com a inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos.
De acordo com a regra, o salário mínimo teria alta de 2,9% em 2025. Limitado ao arcabouço fiscal, o aumento será de 2,5%.
Abono salarial. O governo também vai limitar o acesso ao abono salarial. Atualmente, o direito é pago para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824). O governo quer limitar o acesso para trabalhadores que ganhem até R$ 2.640 e, nos anos seguintes, manter a redução até chegar a 1,5 salário mínimo.
A medida promete impactar o bolso dos brasileiros, sobretudo porque o salário mínimo atual já é muito abaixo do necessário para a sobrevivência. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para sobreviver em outubro de 2024 é de R$ 6.769 (R$ 5,3 mil a mais que o salário atual).
Pé-de-meia. O governo também vai incluir o Pé-de-meia, programa de assistência financeira a alunos do ensino médio, no Orçamento, para que fique sujeito às regras do arcabouço fiscal. O programa, de valor baixo (R$ 200 para cada estudante), tende a ficar ainda mais limitado.
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa Família. Haddad também anunciou que fará um “pente-fino” no BPC, pago a idosos e deficientes de baixa renda, e no Bolsa Família. O governo vai passar a exigir biometria e atualização cadastral – o que promete dificultar o acesso ao benefício, dado o difícil acesso à tecnologia por parte de milhões de brasileiros e o estado de sucateamento das unidades do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) – e vai restringir o acesso para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento. Atualmente, o Bolsa Família permite que famílias compostas por somente uma pessoa só ocupem o equivalente a 16% dos beneficiários.
Isenção do Imposto de Renda. Para não apresentar um pacote fiscal composto unicamente de corte de direitos, o governo prometeu isentar de Imposto de Renda indivíduos que ganhem até R$ 5 mil. Segundo o governo, a compensação virá com outra medida, que estabelecerá um mínimo de 10% de contribuição para quem ganha acima de R$ 50 mil.
Por um lado, a isenção para quem ganha até R$ 5 mil é menos que o mínimo. Se o governo se recusa a pagar o verdadeiro salário mínimo, calculado pelo Dieese, deveria ao menos limitar a isenção para todos que recebam menos que o valor calculado pelo órgão.
Por outro, a taxa de 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil é uma mixaria. Uma verdadeira revisão da política de impostos no País deveria olhar para a isenção de grandes fortunas e taxas comerciais bilionárias atualmente não cobradas.
R$ 260 bilhões em grandes fortunas
O Brasil deixou de arrecadar R$ 57 bilhões por ano através da isenção de impostos sobre a exportação da soja, segundo estudo feito por vários institutos em 2023. Outras commodities produzidas pelo latifúndio também são isentas. No campo das fortunas no exterior (offshores), também há muita isenção: a cobrança que Haddad passou a impor aos offshores em 2023 foi somente sobre o lucro do rendimento no momento do saque, e não sobre a fortuna mantida nas contas no exterior. Por fim, o Imposto de Renda também não cai em cima dos dividendos (lucros atribuídos aos sócios de empresas).
Um estudo de 2024 ong Tax Justice Network mostrou que o Brasil arrecadaria o equivalente a R$ 260 bilhões (47 bilhões de dólares) caso implementasse uma taxação progressiva dos super-ricos – mesmo que de forma limitada a pessoas físicas e a taxas entre 1,7% e 3,5%. A medida é reformista e chega a ser defendida mesmo por liberais ultrarreacionários como Paulo Guedes, mas mesmo assim os governos de turno se recusam a implementá-la para não se chocar com os grandes burgueses e latifundiários que controlam o Estado brasileiro.
Enquanto isso, a concentração de renda aumenta. Os 5% brasileiros mais ricos concentram 39,9% da renda nacional do País, segundo dados de 2022 disponibilizados esse ano pela Fundação Getúlio Vargas. Desde 2020, quatro dos cinco brasileiros mais ricos tiveram uma alta de 51% em sua fortuna, ao mesmo tempo que 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. A pessoa mais rica do país detém uma riqueza equivalente à metade mais pobre do Brasil, composta por 107 milhões de pessoas.
Política econômica segue a mesma
No fundamental, o programa econômico de Haddad/Luiz Inácio não se diferencia daquele imposto por Guedes/Bolsonaro. Não à toa, o ex-ministro de Jair Bolsonaro elogiou a “firmeza” de Haddad em relação à agenda econômica e descreveu o chefe da Fazenda de Luiz Inácio como um “liberal enrustido”.
Os dois ministros (Haddad e Guedes) chegaram a se reunir em dezembro de 2022, antes do início do terceiro mandato de Luiz Inácio. Em entrevista após a conversa, Haddad disse que ele e Guedes passaram “em revista vários assuntos importantes” e definiram “uma agenda de trabalho a partir da semana que vem e as coisas estão transcorrendo bem”.
A culpa de tudo, evidentemente, não é só de Haddad. Luiz Inácio apoia o programa de seu ministro. No início desse ano, o mandatário disse que Haddad será o “melhor ministro da Fazenda” da história do Brasil.